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Mitos e preconceito: apenas 33% dos deficientes trabalham no DF

Lei obriga que 5% do quadro de pessoal das empresas seja ocupado por trabalhadores especiais, mas ainda sobram queixas de falta de acesso

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Brasília (DF), 03/01/2020 100 mil deficientes do DF, apenas 33% estão inseridos no mercado de trabalho Local: Av. Sibipiruna – Lotes 13/21 – Centro de Gestão Águas Emendadas – Águas Claras  Foto:
1 de 1 Brasília (DF), 03/01/2020 100 mil deficientes do DF, apenas 33% estão inseridos no mercado de trabalho Local: Av. Sibipiruna – Lotes 13/21 – Centro de Gestão Águas Emendadas – Águas Claras Foto: - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

O Distrito Federal tem cerca de 139 mil pessoas com alguma deficiência. O número corresponde a 4,8% de toda a população da capital, de acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).

A deficiência ainda é cercada de dificuldades, mitos e preconceitos. Não seria diferente quando o assunto é a inserção no mercado de trabalho. No DF, apenas 33,2% das pessoas com deficiência estão empregadas, segundo dados da Codeplan. Em contrapartida, 55,3% das pessoas sem deficiência possuem um emprego.

Emilly Amorim (foto em destaque), 33 anos, está presente na estatística positiva. O primeiro emprego chegou aos 19 anos. Mesmo assim, também passou por situações complicadas. A administradora conta que deixou de assumir uma vaga de emprego por não terem oferecido a ela circunstâncias adequadas.

“Não havia a menor condição de um cadeirante transitar pelo espaço. Ele [o empregador] propôs dobrar o salário inicial e eu que me adaptasse ao local, em vez de fazer as alterações necessárias”, conta.

Se aceitasse a proposta, Emilly teria que comer em uma sala de espera e não no refeitório. Para usar o banheiro, seria obrigada a optar pelo masculino — o único com a porta larga o suficiente para passar a cadeira. “A única alteração que ele se dispôs a fazer era o aumento da porta da minha sala”, lembra.

Emilly perdeu o movimento das pernas aos 16 anos, vítima do desabamento de um prédio onde estava. Sobre a adaptação, ela disse ter sido rápida. “Nesse ponto, eu sou muito racional. Qual opção eu tinha?”, questiona.

A administradora acredita que o cenário só mudará quando o comportamento das pessoas também for outro. “A pessoa te reduz automaticamente. É um estigma que você carrega e só vai mudar com a convivência. Por isso, é fundamental a abertura do mercado”, pondera.

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Capacitação

A diferença nos números também está presente quando se analisa a escolaridade dos brasilienses. Entre as pessoas com deficiência, 27,5% tem ensino médio completo, enquanto o percentual para a população sem deficiência é de 36,5%.

No ensino superior, o contraste é ainda maior: 18,7% das pessoas com deficiência conta com uma graduação. Entre as pessoas sem deficiência, o índice bate 33,8%. Apesar da distância entre os números, a gerente de educação profissional do Senai-DF, Valéria Silva, acredita que a situação vem mudando aos poucos.

“Temos recebido cada vez mais alunos com deficiência. Acredito que há muito mais ligação com o fato pessoal. Esse deficiente que buscar cada vez mais autonomia, quer ter acesso a mais informação, quer conhecer coisas novas e ter acesso a tecnologias”, afirma.

Silva faz parte do Programa Senai de Ações Inclusivas (PSAI), com o objetivo de promover a educação profissional entre diversos tipo de deficiência. A gerente afirma que mudanças ainda são necessárias. “A gente observa que esse número ainda é relativamente pequeno, embora as empresas tenham a obrigatoriedade do cumprimento da cota [prevista em lei]”, destaca.

Para ela, o preconceito ainda está presente, muitas vezes por falta de informação. “Um deficiente tem condições de fazer qualquer coisa, basta nós, enquanto educadores, darmos suporte adequado e respeita a diversidade do que eles conseguem desenvolver”, completa.

Vagas previstas na lei

Desde 1991, os deficientes são amparados pela Lei nº 8.213. Ela determina que empresas com mais de 100 funcionários mantenham entre 2% e 5% do quadro de funcionários para a contratação de pessoas com deficiência.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, divulgados em julho do ano passado, o país tem 35 mil empregadores obrigados a cumprir a lei, totalizando o correspondente a 750 mil postos de trabalho.

No entanto, menos da metade (48%) dessas vagas estão preenchidas — representando cerca de 360 mil pessoas.

Emilly acredita que, mesmo com a lei, quem tem deficiência enfrenta mais dificuldade. “As empresas ‘escolhem’ a deficiência. Você consegue ver isso em anúncios de vagas. Algumas deficiências exigem adaptações ou ferramentas que trazem custos. E as empresas não estão dispostas a pagar”, aponta.

Para a administradora, há uma “infantilização” no processo seletivo para candidatos com alguma deficiência. “A sensação é de que você está ali para atender à lei. Então, recebe perguntas básicas, que não seriam feitas em um processo seletivo para pessoas sem nenhuma deficiência”, destaca.

O mesmo acontece com as tarefas delegadas a essas pessoas que, na opinião dela, não estimulariam o desenvolvimento das habilidades desses empregados.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei de autoria do Executivo que acabaria com a cota para os trabalhadores com deficiência. O governo Bolsonaro prevê duas formas alternativas para a inclusão.

Uma delas é a contribuição para conta única da União, cujos recursos serão destinados a ações de habilitação e reabilitação.

A outra diz respeito à associação entre diferentes empresas que, em conjunto, atendam à obrigação da contratação na forma da lei. Pessoas com deficiência severa contarão em dobro para o preenchimento de vagas.

Aposentadoria precoce

Infelizmente, os exemplos de falta de inserção são mais numerosos. Vilson Carnaúba, 52, foi obrigado a optar por se aposentar pelo INSS. Ele sofreu um acidente de carro com 23 anos e, quatro anos depois, perdeu o movimento das pernas. Depois disso, ficou apenas dois meses no trabalho em que estava até ser convencido a se aposentar.

“Eu relutei para me aposentar. Não queria de jeito nenhum”, lembra. No entanto, a pouca acessibilidade ao local de trabalho contribuiu para a decisão. As dificuldades de acesso e locomoção apareceram ainda em outros momentos da vida.

Mesmo depois de se retirar do mercado, Vilson tentou voltar a trabalhar. Em uma ocasião, ao entregar um currículo, escutou que não seria possível pelo fato de a ocupação ocorrer no subsolo. Ele até chegou a estagiar, enquanto fazia o curso de informática industrial, mas não exatamente na área que estudava.

Diante das dificuldades, Vilson se acomodou. “Por um tempo, eu fiquei recluso em um quarto, mas aquilo vai enchendo o saco e o mundo não está parado me esperando.”

Há mais de 20 anos, ele descobriu a natação, o que o motiva desde então. “Foi onde eu me encontrei”, conta. Convivendo com pessoas portadoras de outras deficiências, Vilson conta que aprendeu a superar as dificuldades se inspirando na determinação dos colegas.

Para o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), Paulo Sardinha, a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho ainda vive um processo moroso.

“Vem apresentando uma ligeira melhora, mas abaixo do que poderia ser”, afirma. Sardinha aponta para a necessidade de incentivo e campanhas do governo no sentido de conscientizar as empresas sobre o assunto. Assim, cresceria também, cada vez mais, o respeito à Lei de Cotas.

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