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Identificado um dos autores de ataque racista na UnB ocorrido em 2015

Suspeito é aluno da própria universidade. Crime envolve a adulteração de fotografias de projeto idealizado por estudante da instituição

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
lorena monique santos, cujo projeto na unb foi alvo de ataque racista
1 de 1 lorena monique santos, cujo projeto na unb foi alvo de ataque racista - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Dois anos após repercutir no Brasil e no exterior, um caso de racismo dentro da Universidade de Brasília (UnB) está perto do desfecho. O episódio, ocorrido em 2015, envolveu a adulteração de fotografias de um projeto idealizado pela estudante Lorena Monique Santos (foto em destaque), 23 anos, do curso de ciências sociais.

Desde então, o processo estava sob responsabilidade do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). No fim de novembro deste ano, no entanto, o caso foi transferido para a Polícia Civil do DF (PCDF), e as investigações tiveram início. Na semana passada, a corporação descobriu que o crime foi praticado por duas pessoas, e chegou a uma delas: trata-se de um estudante da própria UnB. A identidade dele está sendo mantida em sigilo para não atrapalhar as apurações. O segundo suspeito também seria vinculado à universidade.

O ataque, de acordo com os investigadores, partiu de computadores instalados no campus e teve o IP, identificação da máquina, rastreado pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual, ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).

O projeto de Lorena Monique foi batizado de “Ah, branco, dá um tempo” e tinha como principal objetivo demonstrar que o racismo no Brasil é prática sutil, embora enraizada no comportamento da população.

O trabalho ganhou novos contornos após ser adulterado. As imagens originais apresentavam estudantes negros segurando quadros com frases que remetiam a um preconceito velado. Nas fotos modificadas, os dizeres foram trocados por ofensas agressivas.

Arraste a barra para ver o antes e o depois:

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Reprodução/Imgur

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As fotos originais continham frases muito ouvidas pelos estudantes negros. Na sequência, foram alteradas pelos criminosos com frases racistas.

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O crime foi praticado dentro do campus da UnB. A Polícia Civil identificou um dos autores dos ataques. Ele é estudante da universidade.

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O ataque racista teve como origem um computador instalado na UnB.

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Vítimas e autores deverão ser ouvidos na delegacia, nos próximos dias. Muitos estudantes se sentiram humilhados com os ataques dentro da UnB.

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As fotos foram hospedadas em um site dos Estados Unidos, para dificultar as investigações. A Justiça norte-americana negou a quebra de sigilo da página, pedida pelo Ministério Público.

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Até hoje, as fotos continuam expostas no site Imgur. Os investigadores identificaram um aluno, de 21 anos, como um dos criminosos.

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Se forem condenados, os autores podem cumprir pena que varia de 2 a 5 anos de prisão.

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Cerca de 25 alunos procuraram a ouvidoria do Ministério Público para denunciar os ataques. A dona do projeto, Lorena Monique, afirmou que o racismo ainda existe na UnB.

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A Decrin abriu inquérito para investigar o crime. Os ataques ocorreram em 1º de abril de 2015.

 

Fotos em servidor americano
Após o início das investigações, os policiais descobriram que as imagens disseminadas em redes sociais estavam no site Imgur, hospedado em servidores norte-americanos. As postagens foram feitas em 1º de abril de 2015, por um aluno que, atualmente, tem 21 anos.

Na época, o crime foi denunciado por um grupo de 25 estudantes que procurou a ouvidoria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O caso foi repassado ao Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED). Os promotores tentaram chegar aos autores das publicações no site Imgur. No entanto, a página havia sido escolhida justamente por não exigir a autoria reconhecida das fotos.

O Ministério Público tentou intermediar, ao longo de meses, um acordo de cooperação entre o Ministério da Justiça e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, para a troca de informações. Contudo, esbarraram na legislação dos EUA, que não considera crime o ato praticado pelos estudantes, apenas um “ilícito civil”.

“Dessa forma, todo o processo foi remetido para nós, que já pegamos o trabalho bastante adiantado. É apenas questão de identificar todos os envolvidos”, explicou a delegada adjunta da Decrin, Elisabete de Morais.

Nas próximas semanas, os investigadores deverão intimar testemunhas e alunos que foram vítimas dos ataques, para serem ouvidos na delegacia. Após confirmar a identificação de todos os suspeitos, eles poderão ser indiciados por crime de racismo, o qual pode ter a punição aumentada pela difusão de imagens preconceituosas. “Com essa qualificação, a pena pode variar de 2 a 5 anos de prisão”, disse a delegada.

Repúdio da UnB
Procurada pela reportagem, a Universidade de Brasília disse, por meio de assessoria de imprensa, que ainda não foi notificada pela Decrin, mas reforçou sua atenção especial sobre o caso.

“A UnB repudia todo e qualquer ato de racismo e de ofensa aos direitos humanos. Caso fique provada a utilização de equipamento e comprovada a autoria por membro da comunidade universitária, será constituída comissão disciplinar para apurar as responsabilidades e aplicar as sanções cabíveis”, afirmou a universidade, em nota.

Racismo velado
Lorena Monique, a autora do projeto com as fotos originais, ficou satisfeita ao saber que o caso está próximo da resolução. “Essas fotos só comprovaram o que eu já sabia: o racismo faz parte da nossa rotina e está em todos os locais, mesmo em universidades nas quais a educação é o principal foco. Nunca pedi para concordarem com essa campanha, apenas segui uma ideia capaz de levantar a questão e mostrar que ainda existe preconceito”, disse ao Metrópoles.

Apesar de lamentar o episódio ofensivo, Lorena acredita que a reação agressiva ao projeto mostrou a necessidade de expandir o debate sobre racismo no Brasil.

Tenho muito orgulho de ter participado do projeto. A alteração das fotos mostra o que muitos escutam calados, todos os dias, em suas salas de aula, ambientes de trabalho, na rua. Evidencia ainda mais a necessidade de debater e enfrentar o problema.

Lorena Monique, estudante da UnB
Michael Melo/Metrópoles
Lorena Monique: ideia foi revelar o preconceito vivenciado diariamente

 

Harvard
Lorena explicou que a ideia do projeto surgiu em 2014, a partir de vídeos que ela já produzia e publicava no YouTube, além de uma iniciativa semelhante feita por estudantes da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que também debate a inclusão e a diversidade no campus. Na mesma época, ela fazia uma disciplina sobre antropologia visual.

As fotos foram tiradas em novembro, durante a Semana da Consciência Negra. “Entreguei o quadro e o pincel para que as pessoas escrevessem as frases. Para ajudá-las, fiz uma lista com cerca de 20 orações semelhantes às do projeto de Harvard. Algumas pessoas utilizaram exemplos da lista, mas a maioria escreveu espontaneamente.”

 

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