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Desaposentados, o drama de quem foi obrigado a voltar à ativa no DF

Órgãos de controle detectam erros no cálculo do tempo de serviço e determinam retorno de servidores afastados. Casos vão parar na Justiça

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André Borges/Especial para o Metrópoles
Desaposentados
1 de 1 Desaposentados - Foto: André Borges/Especial para o Metrópoles

A tão sonhada aposentadoria se tornou pesadelo para alguns servidores que desempenharam as funções por décadas no Distrito Federal. O mesmo poder público que confirmou os requisitos necessários para trabalhadores deixarem a atividade retirou o direito ao benefício. Dessa forma, surpreendeu profissionais que estavam, em alguns casos havia anos, afastados dos antigos postos de serviço.

No Distrito Federal, 18 funcionários públicos tiveram as aposentadorias retiradas em dois anos, conforme dados do Instituto de Previdência dos Servidores (Iprev-DF). Do total, 11 casos são de 2017, dos quais sete referem-se à Fundação Hemocentro de Brasília. Em 2018, foram registradas sete ocorrências. De janeiro a abril de 2019, um servidor da Secretaria de Educação teve a inatividade revertida.

O Metrópoles conversou com duas professoras da rede pública do Distrito Federal que estão nessa situação. Uma delas contou ter recebido, em 2018, depois de um ano e sete meses aposentada, a notícia de que teria de retornar às atividades escolares. Segundo cálculos do governo, faltava cumprir 150 dias no tempo de trabalho.

No período em que ficou fora da ativa na Secretaria de Educação, ela se mudou de região administrativa e trocou a rotina. A obrigação de retomar o ofício foi um trauma.

“Tinha mudado de vida. Estava em outro esquema, tinha desacelerado. Professor tem uma carga pesada”, detalhou a docente, que pediu para ter o nome preservado. Ela cumpriu os dias necessários há dois meses e aguarda a conclusão do processo para deixar o serviço novamente. Devido ao aborrecimento, entrou com ação na Justiça contra a pasta por danos morais .

Outra professora do DF (foto em destaque), que também pediu para não ter a identidade revelada, passou pelo mesmo caso. Após ser notificada em 2017, ela teve de voltar à escola para trabalhar mais um ano e dois dias depois de quase três anos aposentada. A docente relatou que não aceitaram o período no qual ela atuou na zona rural de uma cidade goiana, quando era servidora de Goiás.

A mulher reclamou que o salário – reduzido durante a inatividade por conta da perda das gratificações – não é o mesmo de antes. Além do prejuízo financeiro, ela acumula problemas de saúde: com a volta ao trabalho, teve síndrome do pânico.

“A gente se aposenta em um quadro difícil de cansaço. Quando eu achei que iria melhorar, procurar ajuda, vem essa surpresa ruim e eu caí de vez. Nunca tinha tomado remédio para ansiedade”, disse.

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Críticas
Diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Cleber Soares criticou os casos da retirada do benefício. “Como, depois que uma pessoa consegue aposentadoria, desestabilizam a vida dela?”, questionou.

O sindicalista disse que o procedimento para se aposentar é lento, e os profissionais acabam trabalhando mais do que o necessário. “Os processos tramitam no mínimo por quatro meses”, frisou.

O Iprev-DF informou que a aposentadoria pode ser tornada sem efeito por decisão do órgão que a concedeu, pela Controladoria-Geral do DF (CGDF) ou pelo Tribunal de Contas local (TCDF), responsável por analisar todas as concessões de aposentadoria, reforma e pensão dos servidores públicos em âmbito local.

Os atos que transferem os servidores para inatividade são considerados ilegais por falta de requisitos. Na maioria deles, segundo o Iprev-DF, estão ausentes o tempo de serviço ou o de contribuição necessários.

Atualmente, um servidor pode se aposentar por tempo: de contribuição, serviço público, na carreira ou cargo ou pela idade, cumulativamente.

Recurso
Advogado especializado em tribunais de Contas, Elísio Freitas explicou que é possível o servidor recorrer de decisão desfavorável perante o próprio tribunal ou judicializar o caso.

O defensor destacou que há entendimento jurídico de que o ato de concessão de aposentadoria é complexo, segundo definição do direito administrativo, pois depende da deliberação de dois órgãos. “Esse ato complexo só está perfeito e acabado depois que o tribunal o registra. Por isso, permite que ele seja revisto.”

Afastar um servidor do trabalho e depois de um tempo obrigá-lo a voltar pode resultar em dano moral, avaliou a advogada especialista em processo civil Aline Portela. “Precisa-se observar se não houve conduta do servidor a influenciar o equívoco, por exemplo, omitindo as informações”, ponderou.

Procedimento
Em nota, o Tribunal de Contas do DF disse que, ao identificar a ausência dos requisitos necessários para a aposentadoria, manda que o servidor seja comunicado para o exercício da ampla defesa e do contraditório. “Caso o erro seja confirmado, a Corte determina ao órgão correspondente que adote as providências necessárias para tornar a concessão sem efeito”, acrescentou.

O órgão informou não ter levantamento consolidado dos processos em que foram identificadas ilegalidades, mas frisou que há muitos procedimentos tratando do tema.

O Iprev-DF pontuou que o servidor, ao retornar ao serviço, volta a receber todos os benefícios inerentes à carreira. “As gratificações específicas de local de trabalho somente serão pagas se ele retornar às mesmas atividades de antes da aposentadoria”, acrescentou.

Subsecretária de Gestão de Pessoas da Secretaria de Educação, Kelly Bueno disse que a administração pública pode rever os atos a qualquer momento. “Normalmente, depois que a gente analisa, é muito difícil voltar e rever, porque o processo é criterioso. Mas, se for encontrado erro, pode-se decidir por tornar sem efeito”, esclareceu.

Segundo a gestora, os casos de “desaposentadoria” são mais comuns na carreira de magistério, na qual o benefício pode ser solicitado por mulheres que contribuíram por 25 anos e homens, por 30, entre outros critérios. Kelly exemplificou que, para conquistar o direito da inatividade, é preciso comprovar o desenvolvimento de atividade pedagógica. “Quando o tribunal desconfia que alguma área [em que o servidor trabalhou] não é caso de aposentadoria especial, ele questiona”, assinalou.

Em nível federal
Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou ilegal a aposentadoria de um servidor de universidade pública concedida em 2012. Por isso, determinou que o órgão cessasse pagamentos decorrentes da inatividade. Fora do trabalho há 6 anos e 8 meses, ele recorreu da decisão.

Entre irregularidades apontadas pela Corte de Contas, está a computação do tempo em atividade penosa não amparada em certidões emitidas pelo INSS ou em laudos oficiais.

No mesmo ano, o TCU entendeu ser ilegal o ato que aposentou um profissional da Polícia Federal após 20 anos. Na avaliação da Corte de Contas, não houve comprovação do recolhimento da contribuição previdenciária relativa a cinco anos, quatro meses e dois dias em que ele trabalhou em atividade rural.

A defesa alega que o período em que exerceu a atividade foi antes da edição da Lei n° 8.213/1991, sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. O TCU indicou duas opções ao aposentado: pagar a contribuição em forma de indenização ou retornar ao serviço público. O caso será julgado novamente nesta semana pelo TCU.

O TCU é o responsável por apreciar legalidade de admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, reforma e pensão, além das despesas efetuadas com pagamento de servidores. Em 2018, conforme o relatório anual de atividades do órgão, foram analisados 143.006 processos, dos quais 1.287 acabaram considerados ilegais. Nos dados de 2017, são 1.113 ilegais entre 76.442 analisados.

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