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CNJ intima magistrados envolvidos em troca de favores na Justiça goiana: “Indícios de infração”

Em conversas obtidas pelo Metrópoles, juízes e desembargadores aparecem ou são citados pedindo ajuda em promoções e solicitando cargo

atualizado

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Yanka Romão/Metrópoles
Ilustração de uma pessoa com toga e terno e gravata apertando a mão de outra pessoa
1 de 1 Ilustração de uma pessoa com toga e terno e gravata apertando a mão de outra pessoa - Foto: Yanka Romão/Metrópoles

Após abrir investigação para apurar um suposto esquema de tráfico de influência e troca de favores dentro do Poder Judiciário de Goiás, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) intimou dois juízes e uma desembargadora a prestarem esclarecimentos diante do órgão quanto ao possível envolvimento deles na trama. Segundo o CNJ, “há indícios de cometimento de infração de ordem disciplinar pelos magistrados”.

Exclusivo: mensagens em celular de advogado morto apontam troca de favores na Justiça goiana

A recente decisão convoca, ainda, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Goiás para que, no prazo de 15 dias, a instituição informe se há procedimentos – criminal ou não – em curso em desfavor dos magistrados.

O processo, segundo o CNJ, tramita em segredo de Justiça e investiga conversas obtidas após a quebra do sigilo telefônico dos aparelhos celulares dos advogados Marcus Aprígio Chaves e Frank Carvalhãesambos assassinados dentro do escritório em que trabalhavam, em Goiânia, em 28 de outubro de 2020.

O caso

Nas mensagens, obtidas com exclusividade pelo Metrópoles, juízes, desembargadores e advogados aparecem ou são citados pedindo “ajuda” a Marcus Chaves em promoções de carreira, resoluções de processos ou solicitando cargos específicos para parentes. À época, Marcus – filho do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Goiás (TJGO), Leobino Chaves – era procurado por outros advogados e pelo alto escalão do Judiciário para interceder diante de causas que os familiares dele poderiam resolver.

Ao realizar promessas de que faria os pedidos, Marcus era beneficiado em seus processos e indicado para assumir casos milionários. Influente, logo passou a se envolver com grandes empresários, que também o ajudavam na troca de favores.

Apesar de a trama se passar especialmente dentro do Tribunal de Justiça do Goiás (TJGO), integrantes dos tribunais do DF e de Minas Gerais, bem como dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), também são citados no suposto esquema.

Os dados foram extraídos pela Polícia Civil durante o inquérito que apurou a morte de Marcus e Frank, em 2020, e estão à disposição da Justiça desde 2021. Apesar disso, não foram investigados pelas autoridades.

“Eternamente grato”

Conversas obtidas na quebra de sigilo mostram que Marcus mantinha contato frequente com juízes do TJGO. Um dos magistrados é Ronnie Paes Sandre.

Segundo consta nas trocas de mensagens, Sandre queria que a promoção de carreira dele fosse acelerada dentro do TJ e, para isso, pedia que Marcus intercedesse por ele diante de Leobino, à época presidente da corte. A intenção do juiz, na data em que as mensagens foram trocadas, era o segundo grau de jurisdição.

Para demonstrar apoio ao magistrado, o advogado fazia promessas e dizia que usaria até mesmo a influência de um bispo para convencer o pai a ajudar Ronnie.

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Enquanto estava vivo e atuava como advogado, vários processos de Marcus foram julgados por Ronnie. Em conversas com clientes, o advogado celebrava vitórias e citava o nome do juiz.

Dentre os diversos casos, no entanto, o de número 5684125-71.2019.8.09.0000 foi o que mais chamou atenção. Depois de uma sentença favorável, assinada pelo magistrado, o escritório de advocacia de Marcus recebeu meio milhão de reais.

Segundo consta nas conversas, logo após a publicação da decisão proferida por Ronnie, o advogado manda uma mensagem com o PDF da sentença para um cliente e comemora a conquista. Quase que imediatamente, esse cliente, que era parte no processo – identificado como Jandir Tiecher – transfere R$ 500 mil ao escritório Chaves Advogados Associados SS (veja o comprovante abaixo). Tempos após a morte de Marcus, porém, o tribunal cancelou os efeitos da decisão proferida.

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Confira a conversa na íntegra entre Marcus Chaves e o juiz Ronnie Paes Sandre por meio deste link.

Outro juiz do Tribunal de Justiça de Goiás que mantinha contato frequente com Marcus era Átila Naves Amaral. Assim como Ronnie, o magistrado pedia para que o advogado o ajudasse a convencer Leobino a apoiá-lo em promoções de carreira.

Durante uma conversa entre o advogado e Átila, o magistrado chega a indicar o nome de quais juízes deveriam receber a ajuda de Marcus para serem promovidos dentro do TJGO.

Em determinado momento, Átila manda uma foto do juiz Fabiano Abel de Aragão Fernandes, um gif de um personagem segurando uma arma de fogo e uma mensagem com o seguinte texto: “Ferrar com esse fela! não faz nada pra ninguém! [Sic]”.

Em seguida, Átila discute com Marcus sobre os juízes que buscavam a promoção de carreira e dos planos para manipular os resultados.

Confira a conversa na íntegra entre Marcus Chaves e o juiz Átila Naves Amaral por meio deste link.

Defesa

Em sua defesa, o juiz Átila Naves Amaral disse que “jamais precisou de ajuda” durante sua caminhada profissional: “Em atenção às indagações que me foram trazidas, esclareço que jamais procurei qualquer ajuda do Dr. Marcus Chaves em minha carreira. Tenho três décadas de magistratura e jamais precisei de ajuda em meu caminho”.

“Conhecia o Dr. Marcus desde os seus 18 anos, tendo com ele uma relação de respeito e cordialidade. Como se sabe, a promoção de magistrados obedece a regras objetivas, não havendo como pessoas alheias ao processo interferirem. Não fui ajudado, e a prova disso é que não fui promovido a desembargador do TJGO até hoje. Informo, ainda, que nunca julguei processos do Dr. Marcus”, escreveu Amaral.

À reportagem o juiz Ronnie Paes Sandre negou as acusações. Confira a nota do magistrado, enviada antes do julgamento que ocorreu no dia 30 de maio deste ano, neste link

Homicídio dos advogados

Em outubro de 2020, na capital goiana, Marcus e Frank foram assassinados dentro do escritório em que trabalhavam. Dias após o crime, os investigadores chegaram a dois suspeitos: Pedro Henrique Martins Soares, preso em 30 de outubro, e Jaberson Gomes, morto na mesma data durante uma perseguição policial.

Conforme mencionado no processo, a dupla criminosa teria se passado por clientes e marcado uma reunião para cometer os assassinatos. Eles teriam exigido dinheiro dos advogados e atirado contra os dois logo após terem roubado R$ 2 mil.

Durante as investigações, a polícia desconfiou que o crime teria sido encomendado e passou a ouvir pessoas envolvidas na vida dos advogados. Apesar de no início ter sido levantada a hipótese de que um agiota poderia estar por trás do homicídio, o fazendeiro Nei Castelli foi detido como o mandante.

Conforme consta no inquérito policial, o fazendeiro teria encomendado as mortes após perder uma ação que o obrigava a pagar Marcus e Frank, a título de honorários sucumbenciais, o valor de R$ 4,6 milhões.

Em 2022, Pedro, o assassino confesso, foi condenado a 45 anos, 6 meses e 10 dias de prisão pelo Tribunal do Júri.

No fim de maio deste ano, outros três envolvidos também foram julgados. Castelli e Cosme Lompas – responsável por contratar os executores do crime e intermediar a negociação dos valores pagos – foram condenados a 21 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, cada um.

Hélica Ribeiro Gomes, namorada do atirador Pedro Henrique Martins Soares, foi a única absolvida de todas as acusações.

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