Artista de Brasília denuncia preconceito em parque: “Me senti humilhado”
Gersion de Castro é servidor da Secretaria de Cultura e registrava o patrimônio imaterial do DF quando foi abordado em parque do Paranoá
atualizado
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Constrangimento, humilhação e preconceito. Um trabalho de fotografia interrompido de forma brusca virou caso de polícia no Distrito Federal. Um servidor da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) registrou ocorrência nessa semana depois de ser retirado do Parque Ecológico Vivencial do Paranoá por policiais militares. O caso aconteceu na quarta-feira da semana passada (18/8).
A PM foi chamada por uma funcionária da ONG Instituto Aprender, que funciona no parque. A vítima é o artista plástico Gersion de Castro, 52 anos, que tem obra artística reconhecida em Brasília e trabalha na Secec há 27 anos.
Segundo Gersion, ele desenvolve na Diretoria de Preservação o registro do patrimônio cultural de Brasília. Ele estava no parque do Paranoá para tirar fotos de edificações remanescentes da Vila Paranoá, que ficava justamente na área de lazer. “Existem dois espaços que a instituição ocupa: a antiga Escola de Lata, a Escola Classe Nº 1, e a outra é o antigo Posto de Saúde, que são edificações remanescentes”, explica o artista e pesquisador.
Gersion é frequentador do espaço e afirma que os vigilantes do parque, administrado pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), o conhecem. “No dia 18, estava por volta das 9h30 passando próximo à instituição [a ONG Instituto Aprender] dentro do parque, uma senhora que não sei o nome até hoje, não se identificou, nem falou quem era, saiu de dentro muito alterada e falou: ‘Você de novo aqui?’”, conta o servidor.
A partir daí, a funcionária do Instituto Aprender o seguiu, enquanto chamava a Polícia Militar por telefone. Gersion passou a se dirigir à administração do parque, onde pensou que o mal-entendido poderia ser desfeito. Ele também entrou em contato com uma colega da Secretaria de Cultura para informar o que estava acontecendo. “Cheguei à administração do parque com a mulher me acompanhando. Os vigilantes falaram que eu não poderia entrar, e eu falei: ‘Aí, não, sou um servidor da secretaria”, relembra Gersion.
Veja algumas das fotos tiradas por Gersion no dia que foi levado à delegacia:

Artista registra o patrimônio imaterial do DF Material cedido ao Metrópoles

Gersion trabalha na Secretaria de Cultura há 27 anos Material cedido ao Metrópoles

O artista tem obra reconhecida no Distrito Federal Material cedido ao Metrópoles

Pesquisador registra edificações remanescentes da Vila Paranoá Material cedido ao Metrópoles

Servidor foi levado à delegacia enquanto trabalhava Material cedido ao Metrópoles

Artista se sentiu humilhado Material cedido ao Metrópoles
“Inquisição”
Em seguida, segundo explica o artista plástico, duas equipes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) chegaram ao local com cinco policiais. A partir daí, ele passou a ser questionado pelos soldados, dois vigilantes do parque, um funcionário do Ibram, a mulher que chamou a polícia e outro funcionário do Instituto Aprender. “Todos passaram a me questionar como se eu fosse um marginal, uma verdadeira inquisição”, protesta Gersion.
“Os vigilantes estavam alterados. Mantendo-me calmo, falei que estava a trabalho, que estava fazendo fotografias. Eles disseram: ‘Não sei porque você está fazendo tantas fotos, vem com esse crachazinho’”, relembra o servidor da Secretaria de Cultura.
Ainda segundo Gersion, a mulher o acusou de fotografar crianças que estudam no Instituto Aprender. “Ela ficava me perguntando: ‘Você conhece o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)?’. Eu sou assistente social, claro que conheço, mas eles não aceitaram que eu estava tirando fotos da paisagem”, lamenta o pesquisador.
Por fim, a funcionária do Instituto Aprender que chamou a Polícia Militar não quis ir à delegacia, mas outro funcionário do Instituto Aprender acompanhou Gersion à 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá). Na unidade policial, os agentes não viram motivo para abrir ocorrência, já que o artista fotografava em um local público, o que é permitido por lei.
O pintor voltou à delegacia nessa quinta acompanhado de outras pessoas do meio artístico para registrar a ocorrência. “Foi possível o B.O. graças à mobilização de pessoas que conhecem e respeitam meu trabalho”, afirmou o artista. Ele afirma que ainda vai tomar medidas administrativas dentro da Secretaria de Cultura.
Preconceito
Para Gersion, que é negro, o motivo de terem desconfiado da presença dele em um local público foi a cor da pele e a aparência. “Eu sou negro, sou cabeludo. Acho que o motivo da discriminação foi minha aparência, sim”, criticou.
“Foi um constrangimento, não quiseram saber o que eu era, as palavras dela [da funcionária que chamou a polícia] é que eu era um elemento passando pelas imediações, não justificou deslocar um batalhão contra mim. Identifiquei-me, e ela não quis saber. Foi uma humilhação, não sei o que falar”, lamenta o artista.

Artista registrou momento em que era questionado na administração do parque Material cedido ao Metrópoles

Ele acredita que sofreu preconceito por ser um homem negro Material cedido ao Metrópoles
Questionada, a PMDF afirmou que levou Gersion à delegacia porque, apesar de estar identificado com o crachá da pasta, não tinha identificação pessoal.
Leia a íntegra da nota da PM:
“Houve dois acionamentos via Copom (190) do Instituto Aprender, localizado no Parque Vivencial do Paranoá, por volta das 10h30 de 18/08/2021, solicitando a presença da Polícia Militar, pois, de acordo com o chamado, havia um cidadão fotografando crianças da ONG em situação de vulnerabilidade social.
No local, uma guarnição da Polícia Militar solicitou que o homem se identificasse, mas ele estava sem os documentos pessoais. Ele apresentou apenas um crachá funcional.
Como ele não apresentou nenhum documento oficial que o identificasse, as partes foram conduzidas à delegacia.
Ressalta-se que o cidadão em nenhum momento foi desrespeitado e não houve violação de seus direitos, sendo conduzido à delegacia como passageiro da viatura.
A corporação pauta suas ações nos direitos humanos, na correta conduta e sempre está pronta para atender o pedido de apoio da comunidade.”
A ONG Instituto Aprender não respondeu ao e-mail da reportagem nem as diversas ligações nos dois números de telefone disponíveis na internet. A organização não governamental tem parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social do DF, que afirmou que “repudia totalmente qualquer tipo de ação discriminatória”.
Veja a íntegra da nota da Sedes:
“A Sedes enfatiza que esses trabalhadores são de responsabilidade das entidades parceiras. No entanto, a pasta enfatiza que repudia totalmente qualquer tipo de ação ou reação discriminatória.”
O Instituto Brasília Ambiental, questionado sobre a atuação dos vigilantes do parque, informou apenas que “o GDF só vai se manifestar após apuração completa dos fatos”.