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Mulheres produzem metade dos trabalhos científicos da UnB

Embora se aproximem de uma igualdade em números, pesquisadoras ainda lutam por mais respeito em ambientes majoritariamente masculinos

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Brasília (DF), 06/03/20  Mulheres pesquisadoras no DF Local: UnB, Campus Asa Norte Foto: Hugo Barreto/Metrópoles
1 de 1 Brasília (DF), 06/03/20 Mulheres pesquisadoras no DF Local: UnB, Campus Asa Norte Foto: Hugo Barreto/Metrópoles - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Em três anos como coordenadora do programa de pós-graduação em engenharia biomédica da Universidade de Brasília (UnB), Suélia de Siqueira, 42 anos, publicou 27 vezes, entre artigos e capítulos de livros. Assim como a pesquisadora, pelo estimável desempenho, várias outras mulheres vêm ganhando cada vez mais destaque na área da ciência e tecnologia na instituição, já respondendo por quase metade da produção científica.

Na universidade pública federal, localizada na capital do país, o equilíbrio no desenvolvimento científico entre homens e mulheres é significativo. De acordo com dados extraídos do Anuário Estatístico de 2019 da UnB, mulheres foram responsáveis por 6.530 trabalhos científicos da universidade, de um total de 13.445. Isso representa 48,56% da produção do ano passado na instituição de ensino superior.

Já entre os estudantes, porém, a presença delas é maior tanto em cursos de graduação como de mestrado e doutorado. Confira:

  • Alunos regulares ativos registrados nos cursos de graduação, por sexo – 17.482 (Feminino) e 16.368 (Masculino)
  • Alunos regulares registrados nos cursos de mestrado, por sexo – 2.391 (Feminino) e 2.185 (Masculino)
  • Alunos regulares registrados nos cursos de doutorado, por sexo – 1.972 (Feminino) e 1.887 (Masculino)

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Metrópoles conversou com pesquisadoras atuantes na capital federal que são responsáveis por importantes conquistas para a ciência.

Embora se aproximem de uma igualdade de gênero numérica na área de pesquisa da UnB, essas mulheres ainda lutam por respeito em ambientes majoritariamente masculinos. Segundo as profissionais, é preciso enfrentar casos de assédio ou de falta de espaços de fala no âmbito científico.

Engenharia

Suélia de Siqueira Rodrigues Fleury Rosa é professora do curso de graduação em engenharia eletrônica e de pós-graduação em engenharia biomédica na UnB. Goiana, ela deixou o estado em que cresceu para estudar em São Paulo. “Venho de uma família onde ninguém fez faculdade. Fui a primeira pessoa a ter ensino superior”, conta.

“Sempre estudei em escola pública e tinha vontade de ir para a área da medicina, mas não tinha condição nem de pensar nisso, porque o diálogo na escola pública era que o curso era muito caro. Então, pensei: ‘Vou para um curso barato’. Como eu tinha facilidade em exatas, fui para a engenharia”, narra ela.

Com 18 anos, ingressou no curso de engenharia elétrica na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em 2001. Apenas quatro anos depois, iniciou um mestrado em engenharia eletrônica no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), instituição de ensino reconhecida internacionalmente.

No ano de 2008, a pesquisadora recebeu o Prêmio Nacional Santander-Universia de Biotecnologia pelo projeto de sua tese de doutorado. No ano seguinte, foi vencedora do Prêmio Jovem Inventor da FAPDF. Como orientadora, ficou em primeiro lugar novamente nessa premiação em 2011.

Veja os números entre docentes na UnB:

Suélia ainda cursou doutorado na UnB em apenas três anos. Em 2013, concluiu o pós-doutorado no Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), famoso pelas pesquisas inovadoras na ciência.

“Nesse período, tive filho. Minha maior barreira foi quando resolvi constituir uma família sendo profissional da ciência. Foi difícil saber dosar a quantidade de energia que eu iria aplicar em cada área. Mas isso só me mostrou que a mulher, mesmo sendo mãe, tem condição de conquistar qualquer espaço”, destaca.

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Engenharia na área médica

Como sempre teve gosto pela área da saúde, com o tempo, Suélia começou a se envolver com a engenharia eletrônica aplicada à área médica. Hoje, também atua com construção e licenciamento de dispositivos médicos.

Dentre os trabalhos de grande relevância que já desenvolveu está uma nova possibilidade para tratar o “pé diabético”, complicação frequente em pessoas com diabetes mellitus. Trata-se do projeto Rapha, que associa o uso do látex a um equipamento emissor de luzes de LED, cujo princípio de ação é a fototerapia – um método com efeitos benéficos como analgésico, anti-inflamatório e cicatrizante.

Dificuldades

A engenheira ainda é fundadora do Laboratório de Engenharia e Biomaterial (BioEngLab – LEI), no campus da UnB no Gama (FGA). Contudo, no local, onde mulheres são minoria, ela conta ter chegado a sofrer com a falta de espaço em algumas situações. “A Faculdade do Gama (FGA) é um mar de homens. Eles falam que não têm preconceito, mas quando eu comuniquei que iria concorrer para diretora da FGA, tive problemas.”

“Uma mulher quando se dispõe a disputar um cargo desses, o mínimo que ela deveria receber é um ‘que bom que vou concorrer com o sexo oposto, isso é democrático’. Mas, imediatamente, alguns romperam comigo e disseram que estou quebrando a unidade”, relata.

“Esse olhar se propaga em outros momentos. E isso a gente precisa desconstruir, para que olhem nós, pesquisadoras mulheres, como seres que geram uma melhor sociedade para o futuro. É da nossa cabeça que sai algo que um dia vai virar um tratamento, um protocolo, uma política pública para o futuro”, defende.

Gosto pela ciência

Atuando em uma área diferente, Rosana Tidon (foto em destaque), 58 anos, é coordenadora do programa de pós-graduação em ecologia da UnB, classificado como nível 6 na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação (MEC).

Graduada em biologia, ela é mestre em entomologia – especialidade da biologia que estuda insetos – e doutora em genética pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professora na UnB, onde desenvolve atividades de ensino e pesquisa na área de biologia evolutiva desde 1996.

A paulista nasceu em uma família humilde e foi a primeira entre seus parentes próximos a ingressar na faculdade. “Sempre gostei de ciência. Lembro que eu ficava olhando para as estrelas e sonhando que eu iria estudar, porque queria ajudar as pessoas”, comenta.

“Quando fui fazer biologia, foi superfácil para mim, porque eu gostava de estudar a vida. Lá, entendi que gostava de estudar a evolução da vida”, diz.

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Experiência em Harvard

Depois de concluir um pós-doutorado em São Paulo, ela passou em um concurso para trabalhar na UnB e se mudou para a capital, onde reside há 24 anos. “As oportunidades foram acontecendo. Em 2003, tive a oportunidade de ir para Harvard (universidade nos Estados Unidos) trabalhar com o ensino da biologia evolutiva. Publiquei um trabalho lá sobre o ensino de biologia evolutiva e, paralelamente, trabalhos de ecologia”, conta.

Além de passar um ano realizando pesquisas em uma das mais prestigiadas universidades do mundo, ela também já trabalhou na Universidade de Göttingen, na Alemanha, em 2019. No entanto, mesmo com as grandes conquistas em seu vasto currículo, Rosana conta que ainda vê em seu cotidiano de trabalho dificuldades que precisa enfrentar por ser mulher.

“Em reuniões maiores, geralmente as mulheres têm menos voz. Somos mais frequentemente interrompidas que os homens […] É comum você escutar que a mulher tem que ser bonita, estar arrumada, como se o que tivesse na cabeça dela fosse menos significante do que a embalagem”, desabafa.

Mas com o vasto currículo que tem, Rosana sabe não se deixar abalar mais por episódios de preconceito. “Ao longo da minha formação, eu percebi na pele que nem sempre as mulheres são respeitadas. Sofri vários tipos de assédio, então fui escolhendo conviver com certos grupos. Por causa disso, as experiências foram ficando cada vez melhores”, afirma.

Academia Mundial de Ciências

Professora de matemática da UnB, Jaqueline Godoy Mesquita, 34 anos, sempre gostou de cálculos e já sabia, ainda nova, que queria trabalhar na área. “Eu já tinha vontade de fazer matemática no vestibular, mas meus pais queriam que eu fizesse medicina. Como tenho uma tia que é matemática, tive ajuda para convencê-los”, afirma.

Em 2003, ela entrou no curso na UnB. A partir daí, não parou mais de estudar números. Além de um mestrado, doutorado e pós-doutorado na USP, ainda concluiu outros dois pós-doutorados em dois países diferentes: um cursado na Universidade de Santiago do Chile e outro na Universidade de Giessen, Alemanha.

Em 2017, Jaqueline foi a única brasileira matemática escolhida entre candidatos do mundo inteiro para o Heidelberg Laureate Forum, na Alemanha. Na ocasião, ela foi a única representante da Região Centro-Oeste. Hoje, ela integra o grupo de pesquisadores da Academia Mundial de Ciências.

Sempre almejando mais em sua carreira, no ano passado, a professora ainda foi a vencedora do programa Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal, em parceria com a Unesco no Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências.

Jaqueline Godoy Mesquita é professora de matemática da UnB
Jaqueline no centro de pesquisa de matemática na Alemanha
Pouca representatividade feminina

Todo o reconhecimento que Jaqueline conquistou, fruto do progresso constante da pesquisadora, contudo, exigiu e continua a exigir esforços ainda maiores que o comum. Com poucas colegas de turma e educadoras mulheres durante sua vida acadêmica, ela teve de lutar por determinados espaços para conseguir expor suas ideias.

“Foi um choque quando entrei na graduação e eram tão poucas mulheres. Além disso, tive pouquíssimas professoras mulheres também. Enquanto eu fui crescendo na vida acadêmica, fazendo mestrado, doutorado, as mulheres foram diminuindo ainda mais. É um grande problema, que me causou muito desconforto”, assinala.

“Percebo que as mulheres têm muito mais dificuldades de fala em reuniões, em vários espaços. Viajo bastante para congressos e já vi vários colegas perguntando se isso atrapalha minha vida pessoal, pergunta que eles não fazem para os colegas que são homens”, exemplifica.

Para ela, a área da ciência, especialmente a da matemática, ainda tem pouca representatividade feminina. “Normalmente você vai numa loja de brinquedos e tem duas seções: de menina e de menino. Geralmente, os brinquedos femininos são mais do cuidar, do lar, e os dos meninos são coisas com raciocínio lógico. Então temos que incentivar meninas a mudar esse estereótipo, a buscar mais essas áreas”, ressalta Jaqueline.

Pesquisadora recebeu o certificado de membro da Academia Mundial de Ciências em 2018
Incentivo a mulheres

Nos dias 19 e 20 deste mês, mulheres profissionais da UnB irão promover o segundo Seminário Mulheres na Ciência da instituição. No evento, será lançado o Fórum pela Diversidade de Gênero nas Ciências e Tecnologia, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho e do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do DF (MPDFT).

“Vamos trazer várias pesquisadoras para falar justamente dessa questão de gênero, estereótipos que ainda existem na nossa área”, explica ela.

Para Jaqueline, incentivos assim são necessários para avanços em busca de maior igualdade de gênero na área da ciência. E é isso que ela busca fazer.

“A gente tem que impulsionar as meninas desde cedo a ingressar nessas áreas. Hoje discutimos mais a questão, mas temos que continuar, porque ainda estamos perdendo bastante em diversidade, e diversidade é algo de extrema importância para garantirmos maiores conquistas”, finaliza.

 

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