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Lista VIP e VIPÃO e o oportunismo em alguns eventos brasileiros

Fenômeno do VIP e do VIPÃO se repetiram durante show de Madonna no Rio de Janeiro

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Foto colorida de Madonna e Bob The Drag Queen
1 de 1 Foto colorida de Madonna e Bob The Drag Queen - Foto: Reprodução

O meu telefone não parava de tocar, entre ligações e mensagens de pessoas querendo saber como era possível estar na área VIP do show da Madonna. Todas com um histórico respeitável na luta pelos direitos LGBTQIA+, principalmente personalidades da arte e da intelectualidade negra brasileira. Conversei com uma RP (relações públicas) do evento, que logo foi direcionando a responsabilidade exclusiva às marcas patrocinadoras. Sei que parte é verdade. Parte.

Os dois lados, como regra, buscam à diversidade quando convém. Para serem modernos, venderem uma imagem antenada ao progresso. Mas no show da Madonna a subversão estava em cena, não precisava ter no público, em um setor muitíssimo cobiçado. Tinha mais artistas negros e/ou LGBTQIA+ no palco do que muitos shows brasileiros. Para que mais?

Nas redes sociais e na televisão viu-se uma área esvaziada e monocromaticamente branca. E não me venham apontando que viram um ou outro negro, estamos em um país onde 56% da população se autodeclara negro e negra. Meia dúzia nunca será o suficiente. Era para “inglês ver”.

Os camarotes e áreas VIPs nos grandes eventos no Brasil frequentemente servem como um microcosmo das disparidades sociais e raciais presentes na sociedade. A falta de diversidade nesses espaços reflete não apenas uma exclusão tangível, mas também evidencia desigualdades estruturais mais amplas.

A ausência de representação negra destaca a persistência do racismo institucionalizado, que limita o acesso e a participação de pessoas negras em espaços de prestígio e influência. Essa exclusão não é apenas simbólica, mas tem ramificações econômicas e sociais, pois nega oportunidades de networking, visibilidade e acesso a recursos para indivíduos e comunidades.

Além disso, a falta de diversidade revela uma desconexão por parte das empresas e organizadores de eventos em relação aos princípios e benefícios da diversidade e inclusão. Estudos demonstram consistentemente que equipes e ambientes de trabalho diversos têm um desempenho melhor e são mais inovadores. Da mesma forma, eventos que promovem a diversidade e a inclusão atraem um público mais amplo e engajado, o que pode se traduzir em maiores lucros e impacto positivo para as marcas envolvidas.

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Portanto, a exclusão de pessoas negras e outros grupos nos camarotes não é apenas uma questão de representatividade superficial, mas uma falha fundamental em reconhecer e abraçar a riqueza da diversidade. As empresas e organizadores de eventos que buscam verdadeiramente maximizar seu potencial financeiro e social devem priorizar a criação de espaços inclusivos e acessíveis, nos quais todas as pessoas se sintam bem-vindas e valorizadas. Os camarotes VIPs, muitas vezes reservados para uma elite financeira e socialmente privilegiada, reproduzem e reforçam essas hierarquias sociais, excluindo aqueles que não se enquadram no perfil dominante.

Gente preta e/ou LGBTQIA+ não tem conta em banco ou bebem cerveja?

Algumas empresas preferem o prejuízo a mostrar que determinados grupos agregam poder econômico. Isso é evidenciado em casos em que empresas optam por promover estereótipos ou excluir grupos minoritários em suas estratégias de marketing, ao invés de adotar abordagens inclusivas que possam atrair um público mais diversificado e, potencialmente, aumentar seus lucros. Essa escolha reflete uma falha sistêmica em reconhecer a importância da equidade racial, reforçando a necessidade urgente de mudanças profundas e estruturais na sociedade e no mundo corporativo.

O consumo anual da população negra brasileira é significativo e continua a crescer à medida que mais pessoas afrodescendentes ascendem social e economicamente. De acordo com estudos e análises de mercado, em 2021, o consumo das famílias negras no Brasil ultrapassou a marca de R$ 1,7 trilhão por ano, representando uma parcela substancial do mercado consumidor do país. Esse número reflete não apenas o tamanho da população negra, mas também seu poder de compra e influência nos hábitos de consumo, destacando a importância de considerar a diversidade e a representatividade nas estratégias de marketing e negócios. E as marcas sabem disso. Quando escrevo que continuamos “Brasil-colônia” é também sobre este comportamento. Poder para somente uma pequena fatia da sociedade. E se a maior fatia que consome realmente assumir a política “se eu não me vejo, eu não consumo”?

Voltando aos camarotes, listas VIPs e VIPÕEs. As marcas e seus RPs deveriam saber que a história da luta LGBTQIA+ é negra e latina.

A Marsha P. Johnson, uma mulher trans negra, foi uma das líderes da Revolta de Stonewall e desempenhou um papel crucial no movimento pelos direitos LGBT subsequentemente. Da mesma forma, Sylvia Rivera, uma mulher trans latina, foi uma figura importante no ativismo LGBT das décadas de 1960 e 1970, lutando por direitos e visibilidade para pessoas trans e marginalizadas.

Acima eu usei o termo “para inglês ver”, pois é bem apropriado – é uma expressão que remonta ao período colonial brasileiro, quando certas leis eram promulgadas para atender às pressões internacionais, especialmente britânicas, contra a escravização. O termo indicava que as leis eram apenas para mostrar aos estrangeiros (especialmente aos britânicos) que o Brasil estava tomando medidas contra a escravidão, enquanto na prática a escravidão continuava de maneira clandestina e generalizada.

Viram que continuamos os mesmos?

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INDICAÇÃO
Espetáculo Angu – teatro SESC Ipiranga – estreia de 25 de maio.
Encenado pelos atores Alexandre Paz, Orlando Caldeira e João Mabial, a peça coloca em cena histórias de pessoas pretas e gays. A trama mergulha sobre o corpo do homem gay negro contando seis histórias paralelas vivenciadas por pessoas negras gays, ou bixas pretas, buscando subverter o olhar social fetichista que as objetifica, criminaliza e hiperssexualiza.

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