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“É excitante mostrar o ponto de vista delas no pornô”, diz diretora

May Medeiros defende que mulheres também devem se identificar com o sexo e trabalha para fazer a diferença por trás das câmeras

atualizado

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Foto: Les Chux
May Medeiros
1 de 1 May Medeiros - Foto: Foto: Les Chux

O ano é 2021 e, mesmo que haja ainda muito caminho pela frente, é cada vez mais comum ver mulheres ocupando espaços e cargos que a sociedade impôs como puramente masculinos. No Dia Internacional da Mulher, a Pouca Vergonha bate um papo com May Medeiros, que é um dos destaques na indústria pornográfica brasileira como diretora.

A paulista de 32 anos é formada em Artes Visuais e também ex-participante do Big Brother Brasil 12, mas atualmente dedica seu tempo à produtora Xplastic, onde busca trazer um olhar mais feminino para o pornô. “Quando eu percebi que poderia virar a câmera para contar o nosso ponto de vista, sem dúvida foi excitante”, conta.

Em meio aos tantos homens do universo pornô, May representa as mulheres em uma posição na qual ainda são poucas: por trás das câmeras. E apesar de lidar com preconceitos (tanto por ser mulher no segmento quanto por trabalhar com pornografia), a diretora faz isso muito bem, obrigada – ela foi uma das primeiras mulheres a serem indicadas na categoria de Melhor Direção no 5º Prêmio Sexy Hot, que é considerado o Oscar do pornô brasileiro.

“Sou baixinha e trabalho em um mercado em que, habitualmente, só homens sentavam à mesa. Não sei se alguém que está falando cordialmente comigo vai, cinco minutos depois, me vetar de alguma oportunidade porque sou mulher”, diz.

No papo, May fala sobre carreira, os desafios de ser uma mulher em uma indústria majoritariamente masculina e as diferenças que traz a pornografia quando é feita por mulheres. Confira:

Conte um pouco sobre você, sua história e com o que trabalhava antes de entrar no segmento pornográfico.

Estudei e me formei em Artes Visuais, sou arte-educadora por formação e trabalhava em alguns museus e escolas estaduais. Foi quando conheci a Xplastic, que foi meu primeiro contato, e até então único, com pornografia comercial. Para uma estudante de artes, a nudez já não era mais um tabu e talvez tenha sido isso que não me repeliu.

Acho que as pessoas da Xplastic, que hoje tem muitas outras marcas como a Safada.tv, o Quente Club, o Fetish Boxxx, o Bundas Br, Sacanagens Gays e o Trans Brasil, por exemplo, sempre tiveram uma postura prática de questionar como se fazia pornografia e o que pode se considerar pornografia. É lógico que quando você cresce de tamanho e suas contas também aumentam, o que o grande público mais busca passa a ter um grande peso nas suas decisões sobre o que define o que é pornô, sexy ou não, mas sem dúvidas vi nesse auto questionamento constante uma forma de uma nova pornografia possível e mais justa.

A pornografia ainda é muito voltada para o prazer masculino. Ter a oportunidade de representar alguma mudança nesse aspecto foi um dos motivos para você querer fazer parte da indústria?

No começo eu nem pensava que um dia teríamos esse direito, sabe!? Aos poucos fui sentindo uma certa abertura e fui talvez fazendo uma coisa aqui e outra ali. O primeiro vídeo que dirigi, o Dopamina, foi um experimento com duas atrizes em 2013 e acabou em um festival de Londres e aprovado pelo Sexy Hot, aí eu vi que talvez eu teria espaço. Antes disso eu só tinha dirigido uma cena às pressas, porque a Sasha Grey estava no Brasil e perguntaram para ela se ela fosse acompanhar uma filmagem brasileira, qual produtora ela escolheria, e ela escolheu a nossa. Só que no dia nenhum diretor estava livre e eu fui, afinal era a Sasha Gray – um dos nomes mais importantes para a pornografia mundial.

Enfim, quando eu percebi que poderia virar a câmera para contar o nosso ponto de vista, sem dúvida foi excitante, porque converso com minhas amigas, com as amigas da minha mãe, que são em grande parte mulheres entre 55 e 65 anos, separadas, e elas falam que sentem falta e gostariam desse tipo de imagens. Porque nem sempre, incluindo nesse cenário pandêmico, queremos sair com alguém, e o entretenimento tem essa função de nos tirar da realidade de uma forma mais segura, mas é preciso apresentar universos que mulheres também se identifiquem quando falamos de sexualidade, não só os homens.

Como funciona o seu trabalho e o processo de criação do conteúdo adulto?

Minha semana é tomada por burocracias que ter uma produtora requer, então boa parte do meu dia é muito em contato com administrativo. O criativo é 20% do meu tempo, infelizmente, e às vezes penso que se tivesse mais tempo pra ficar em ócio criativo, produziria melhor, sem dúvidas! Para pensar um filme pornô, costumo dividi-lo em duas fases: o sexo e o contexto. O contexto é o que levou ao sexo e ali terá a cena mais importante que é a cena de virada, na qual uma conversa deixa de ser apenas uma conversa e vira uma conversa com conotação sexual, ou sexo de fato. Como na vida real, essa fala e olhar têm potencial de deixar o filme muito potente ou estragar tudo. Para me inspirar, costumo assistir muitos filmes não pornôs de gente muito boa, como Anette Sidor, Gaspar Noé e Jim Jarmusch.

Estamos em meio a uma pandemia. Como toda a questão do coronavírus interferiu no seu trabalho em relação às filmagens e as orientações para evitar contato físico?

Existe um protocolo bem rígido a ser seguido para se trabalhar nesse período, e nossas equipes estão ainda mais reduzidas. Trabalhamos com no máximo 10 pessoas no set. Todas fazem o exame de PCR, e apenas o elenco, durante a cena, tem autorização para circular sem máscaras. A pré-produção é toda online, reuniões, teste de figurino só no dia mesmo… mesmo assim deu tudo certo! Interferiu e ficou mais difícil, mas seria demais eu reclamar em meio ao que a população brasileira está enfrentando diariamente para poder colocar um prato de comida na mesa. O que fizemos foi divertido, e cara, espero que dê alguns minutos de diversão em segurança para quem só quer aliviar a tensão do dia, sabe!?

Indústria pornográfica
May, a atriz Yara Vieira e equipe no set durante as gravações do filme Cloneboy, que estreia em março

Quando você começou, era comum haver mulheres por trás das câmeras na indústria pornográfica? E hoje, a realidade já é outra ou ainda há muito o que melhorar?

Quando comecei, eu não conhecia nenhuma mulher que dissesse que trabalhava com pornografia, que não fosse na frente das câmeras. Ainda hoje acho que somos poucas.

Como lidar com o preconceito por ser uma mulher trabalhando com pornografia (tanto dentro da indústria quanto na sociedade)?

O preconceito está presente o tempo todo, ainda que eu não presencie e ainda que ele não seja cometido de forma direta comigo. Eu já passei sim, inúmeras vezes e de inúmeras formas. Eu sou baixinha e trabalho em um mercado em que, habitualmente, só homens sentavam à mesa. Não sei se alguém que está falando cordialmente comigo vai, cinco minutos depois, me vetar de alguma oportunidade porque sou mulher, porque sou nova, porque sou mulher, nova trabalhando com pornografia. Para uns, sou muito brava; para outros, muito doce. Para outros o problema será que chamei a atenção no segmento adulto… O problema, no fim, é que o mercado adulto é violento pela forma que tratamos as pessoas que trabalham nele, não importa em que área.

Tem um ditado que diz “Você tem a minha fé, mas não o meu dinheiro”, e eu penso que se alguém me acha legal e competente, mas nunca fecharia um trabalho comigo por uma questão moral, estou passando por uma situação com muitos preconceitos envolvidos. E isso, em um país como o Brasil que vem retomando valores morais, você pode imaginar que não é de acontecer apenas uma vez. É inclusive o motivo de, com o tempo, eu ter começado a evitar dar entrevistas.

Na sua família isso foi uma questão? Ou você foi criada em um meio no qual se lida melhor com assuntos que ainda são vistos como tabu?

Sou de uma família de professores funcionários públicos que, apesar de religiosos, são muito amorosos e lidam com isso de forma muito acolhedora. Às vezes passo o final de semana com meu pai no sítio ou com minha mãe conversando sobre os problemas da produtora e eles me dão conselhos e me ajudam a ver melhor o ser humano quando estou um pouco desiludida. Tenho muita sorte com meu pequeno núcleo familiar.

Quais os maiores desafios em ser uma mulher em um meio que ainda é tão masculino?

Falar e saber que estou sendo ouvida. Durante um tempo eu percebia que enquanto eu falava, os homens simplesmente ignoravam. Eu dava uma instrução e faziam outra coisa completamente diferente. Demorou até que entendessem que teriam que escutar e esperar eu terminar de falar para pensarmos juntos na melhor solução. Algo que com uma outra mulher na equipe sempre foi simples.

Você participou da 12ª edição do Big Brother Brasil. A experiência no reality agregou à sua carreira? Como?

Essa participação trouxe muitas buscas em sites de fofocas. O que não é exatamente algo que me interessa. Já faz 10 anos, e eu demorei 10 anos na terapia para me recuperar dessa exposição toda, que algo que alguém como eu, que mal posta foto no Instagram, me meti há tanto tempo.

Você usa as redes sociais como um canal de comunicação entre você e o público que consome os filmes? Na sua opinião, qual a importância das redes para o seu trabalho?

Muito pouco. Eu sou uma grande usuária, mas não gosto de postar muito sobre mim. Então posto foto de mato, foto de cantos interessantes de locações que pretendo gravar, geralmente não falo onde é e para qual filme será para não gerar nenhuma expectativa. Algumas vezes crio alguma interação pedindo conselho para um próximo filme, mas isso é raro. É lá que vejo como as pessoas se comportam no cotidiano, é quase aquele bar de esquina com a mesa na calçada que não podemos ter por enquanto. Não me exponho muito, mas estou sempre por lá.

Quais mulheres que você admira e nas quais se inspira na indústria pornográfica? 

São muitas! Diana Torres, Mayanna Rodrigues, Sasha Grey, Venus Cuffs, Belladonna, Maria Beatty, Vex Ashley, Stoya, Emme White, Jiz Lee, Amarna Miller…

Quais as principais diferenças entre o pornô tradicional e o pornô feito com o olhar feminino, pensado também para o prazer das mulheres? O que muda na prática?

Na prática pode mudar muita coisa, como uma estética mais afinada e sexo que surge com mais contexto, mas também pode não mudar, porque às vezes uma mulher pode querer algo mais simplório, e não existe um único tipo de olhar feminino, entende? E sinceramente, acho que o simples fato de ter mais mulheres levando seus olhares para lentes muda todo o curso da história da pornografia e inclusive o estudo sobre isso, no sentido do que será, daqui um tempo, registrado do que é comum do comportamento sexual humano.

Até um ponto da história, o corpo humano só era visto pelo corpo do homem, e até muito pouco tempo não sabíamos o tamanho do clitóris. Talvez agora estejamos começando a perceber que o comportamento sexual é comum, e que sentir tesão não é algo passivo ou ativo, ou algo que vem relacionado com o seu gênero.

Em entrevistas anteriores, você chegou a afirmar que prefere usar o termo “pornô feito por mulheres” do que “pornô feminista”. Pode falar um pouco sobre esse posicionamento?

Isso vem do fato do que produzimos é um produto e produto não é feminista. As pessoas que o produzem podem ser feministas, mas um produto é feito para vender e obter lucro para a empresa continuar funcionando, porque é assim que funciona o capitalismo e nós não queremos enganar ninguém.

Meu papel aqui é tentar ser ética, isso é o mínimo que um profissional deve entregar, na minha opinião. O que eu tento diariamente fazer no meu trabalho é criar ambientes seguros em espaços antes coordenados apenas por homens que tinham a pornografia como uma espécie de hobbie que gerava um bom lucro.

E o machismo deve ser combatido com a prática constante da filosofia feminista. O feminismo não é um spray que você compra no mercado e aplica em um cara agressivo e resolve o problema, é uma ideia que se exercita contra a violência de gênero. Não se vende.

Você foi uma das primeiras mulheres a serem indicadas na categoria de Melhor Direção no 5º Prêmio Sexy Hot, que é considerado o Oscar do pornô brasileiro. Qual foi a sensação da indicação e qual foi a importância dela para a sua carreira?

Eu estava em um hotel no Rio de Janeiro quando fiquei sabendo, e meu telefone não parou de tocar. Acho que aquilo me trouxe mais confiança para dirigir mais coisas, porque eu sempre tive a síndrome de não achar que sou boa o bastante.

A indústria pornográfica e o seu trabalho como diretora ajudaram no seu processo de empoderamento, uma vez que você faz parte de um nicho que quer fazer diferença no segmento, o fazendo ser também para as mulheres?

Eu entendi muita coisa lendo e estudando sobre sexualidade e pornografia que se eu não trabalhasse nessa área eu não teria acesso, provavelmente. Essas coisas fizeram com que eu me aceitasse muito mais, menosprezasse menos meus interesses, minhas paixões, meu corpo. Passei a entender que nosso corpo pode ser nosso parque de diversões para dividir com quem quisermos, que as relações não óbvias podem ser muito prazerosas para o cotidiano e que existem formas seguras de criarmos esses repertórios.

Por fim, que recado você daria às mulheres que muitas vezes deixam de seguir seus sonhos e planos de carreira por serem ambientes muito masculinos ou por medo de  que vão sofrer algum tipo de preconceito?

Minha experiência é de alguém que perseguiu o único sonho de ter grana para pagar as contas. Eu vim de uma infância muito pobre e tudo que fiz foi no impulso de ter liberdade financeira. Talvez alguém que tiver lendo essa entrevista possa estar passando por uma fase parecida. Então o que eu aprendi é a importância de se interessar pelo seu mercado, entender de onde vem o dinheiro, como tudo surgiu, quais são os nomes de peso. Em qualquer área que seja, é essencial se manter informada, porque vão cobrar no mínimo duas vezes mais de você, e é preciso competir de igual pra igual com eles.

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