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Felipe Neto e o Bis da questão

Os bolsonaristas boicotam o Bis, porque o fabricante contratou Felipe Neto para ser garoto propaganda. É a política da gordura hidrogenada

atualizado

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Felipe Neto posa feliz para a câmera - Metrópoles
1 de 1 Felipe Neto posa feliz para a câmera - Metrópoles - Foto: Reprodução/Instagram

Assim como tantos outros personagens e fatos irrelevantes para mim, o youtuber Felipe Neto entrou por osmose no meu cérebro permeável a pedaços de informações e notícias sem importância. Como ocupa espaço indevido, tentarei purgar-me neste artigo. 

Li que o rapaz tem 45 milhões de seguidores no Youtube, 16 milhões no ex-Twitter, ganha uma bolada fazendo anúncios e contratou para a sua empresa veteranos defenestrados da TV. Li também que foi considerado pela revista Time, em 2020, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. 

Essa lista da Time tinha muita relevância quando a Time era a principal revista semanal em circulação dentro e fora dos Estados Unidos. Hoje, coitadinha da Time e de todos nós. De qualquer forma, bacana, muito bem, parabéns, Felipe Neto. Como o mundo vem piorando a cada ano, ter sido uma das pessoas mais influentes do mundo em 2019 é melhor do que ter sido em 2020, mas sem dúvida é menos ruim ter sido influente em 2020 do que em 2021, 2022, 2023 e até o final dos tempos. 

Não conheço ninguém que tenha sido influenciado pelo influencer Felipe Neto. Na verdade, se pego de surpresa, eu não saberia dizer que tipo de influência ele poderia exercer em alguém. Perguntei ao meu filho de 17 anos se o conhecia. O moleque só deu risada, enigmático. Tive de pesquisar sem exaustão.

Se bem entendi, Felipe Neto ficou famoso e rico falando de games e celebridades, entre as quais ele próprio. Na época da Lava Jato, começou a dar pitacos em política. Era a favor da operação que pegou Lula e o PT. Depois da eleição de Jair Bolsonaro, virou lulista, surfou na onda vermelha, disse o diabo sobre o ex-presidente e os bolsonaristas  — e os bolsonaristas passaram a odiá-lo, evidentemente. Assisti agora há pouco um vídeo dele feito para o New York Times durante a pandemia. Ele descasca Jair Bolsonaro. Tem um bom inglês e o mesmo nível de conteúdo  daquela cantora brasileira que fez uma tatuagem no ânus. A que imita Beyoncé.

Nesse fim de semana, Felipe Neto surgiu no meu feed do ex-Twitter, rede social que uso cada vez menos, obedecendo ao propósito de desintoxicação existencial. Em vídeo, Felipe Neto pediu penico aos bolsonaristas.

Disse ele:

“Entendo todo o ódio que eu causei nas pessoas que defendem esse regime, mas que tal agora a gente tentar seguir com as nossas vidas, tentar diminuir essa intensidade de ódio. Eu nunca pedi a morte de ninguém, eu nunca pedi para ninguém ser executado, agredido. Eu agradeceria muito se a gente pudesse encontrar um equilíbrio. Eu não falo de política no meu canal de Youtube. Relaxa, relaxa.”

Ele estava meio desesperado. É que os bolsonaristas começaram a fazer campanha contra o consumo do chocolate Bis. Subiram, inclusive, a hashtag #BisNuncaMais no ex-Twitter. Parece que o boicote vem funcionando.

Como um chocolate barato, cheio de gordura hidrogenada, entrou na briga dos bolsonaristas com Felipe Neto, o youtuber hidrogenado? É que a empresa que fabrica o Bis contratou Felipe Neto como garoto propaganda. Pelo jeito, não foi boa ideia, agora que se constatou que bolsonaristas consomem — ou consumiam — muito o chocolate. No lugar do Bis, agora eles propõem que se consuma Kit Kat.

Os bolsonaristas emulam vingativamente um perfil nas redes sociais chamado Sleeping Giants. A pretexto de combater fake news em geral, o perfil só faz campanha contra a Jovem Pan e qualquer outro veículo que se posicione contra o PT. Pressiona para que empresas cortem os anúncios da emissora, jornais e sites visados. Geralmente, atinge o objetivo, em mais um exemplo da galhardia do empresariado nacional e da alma democrática da esquerda.

Felipe Neto é acusado de ter cometido o mesmo tipo de dignidade  do Sleeping Giants. Segundo os bolsonaristas, ele fazia de tudo para deixar à míngua empresas que apoiavam Jair Bolsonaro, manobrava até em Brasília para que contas de opositores a Lula nas redes sociais fossem derrubadas e festejava publicamente quando isso ocorria. Felipe Neto está — ou esteve — entre aqueles que chamam a Jovem Pan de Jovem Klan.

Como era de se esperar, políticos da direita bolsonarista apoiaram o boicote ao chocolate Bis. Reativamente, os lulistas Randolfe Rodrigues e Humberto Costa postaram uma foto na redes sociais na qual seguram pacotes de Bis, lado a lado. Kit Kat versus Bis. Humberto Costa não iria longe se fosse publicitário. Ele escreveu no post: “Para adoçar a vida…” Postaram também um vídeo em que comem o chocolate e citam Felipe Neto. Outros políticos petistas fizeram o mesmo ato de resistência.

Este jornalista ignorante em matéria de marketing tende a crer que o fabricante do Bis não gostou da iniciativa. O boicote dos bolsonaristas pode se intensificar com essa propaganda de Randolfe Rodrigues, Humberto Costa e brava gente assemelhada. O chocolate ficou ainda mais associado a Lula, ao PT e à esquerda em geral. Talvez seja preciso trocar a cor da embalagem de azul para vermelha, sei lá.

O Bis da questão é este: a política brasileira encontrou a sua imagem épica em um chocolate barato, cheio de gordura hidrogenada, que faz mal à saúde dos cidadãos e que tem como garoto propaganda um idealista cuja única convicção é o dinheiro. 

Quem o boicota propõe substituir o chocolate barato por outro chocolate igualmente barato, cheio de gordura hidrogenada, que faz mal à saúde dos cidadãos e que teria como garoto propaganda, não nos enganemos, um idealista cuja única convicção é o dinheiro.

Relaxa, relaxa. Chega de tanto ódio, o Felipe Neto não pediu a morte de ninguém, puxa vida. E o guerreiro não morre nem mesmo de vergonha. Talvez tope fazer comercial do Kit Kat e falar mal do Bis.

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