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Sensibilidade x oportunismo: especialistas comentam tiro no pé da Farm

Após desastrosa ação de marketing em tributo à vendedora assassinada, marca carioca sofreu enxurrada de críticas nas redes sociais

atualizado

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Arte: Farm/Divulgação e Instagram/Reprodução
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1 de 1 farm-vendedora-morta - Foto: Arte: Farm/Divulgação e Instagram/Reprodução

Para além das robustas estratégias de comunicação, a internet tem sido espaço cada vez mais usado por marcas e empresas para se pronunciarem. No entanto, qualquer ação na rede exige cuidado, especialmente quando envolve causas sociais, que costumam inflamar ainda mais a audiência.

Desta vez, a marca carioca Farm protagonizou uma crise on-line após postagem envolvendo a jovem Kathlen Romeu, que era vendedora da loja e morreu grávida de 14 semanas atingida por uma bala perdida no Rio de Janeiro. Após comoção nas redes sociais por causa da tragédia, a marca anunciou que iria usar o código de vendedora de Kathlen para continuar comercializando as peças da loja com o intuito de repassar a comissão para ajudar os familiares da vítima. Porém, obviamente, a ação foi bastante criticada por internautas e muitos defenderam que a Farm queria lucrar com o episódio.

Especialistas em gestão de crise e marketing digital falaram ao Metrópoles sobre o movimento desastrado da marca. Na opinião de Clarissa Da Rosa e Rachel Frota, fundadoras da Muta Ecossistema, as empresas, e a iniciativa privada, devem tomar muito cuidado ao comunicar aspectos de consciência social, pois existe uma linha tênue entre oportunidade e oportunismo. “As pessoas estão mais atentas do que nunca, questionando valores e atitudes. Elas demandam clareza e transparência nas relações. Respondem as marcas de forma ativa e em tempo real na internet”, comentam.

Segundo as especialistas, a ação utilizando o código para obter desconto parece totalmente descolada da forma com a qual a Farm posiciona o discurso defendido pelo comitê de igualdade racial existente na empresa. “As marcas devem, urgentemente, ressignificar as estratégias e narrativas para que sejam porta-vozes de assuntos importantes, desde que estejam movidas por um propósito maior, e que, de fato, utilizem de sua influência, alcance e comunidade para gerar mudanças estruturais, conscientização e apoio às pessoas envolvidas nessas causas”, concluem.

Na opinião de Ian Black, CEO, founder & partner da New Vegas, a Farm por ser uma empresa reconhecidamente carioca (o maior palco dessa violência para o mundo) e empregadora de Kathlen, deveria ter dado como resposta o início de um movimento anti-racista e anti-genocida sem precedentes. “A resposta da marca não pode se restringir a um post. Nos tempos atuais, no país em que vivemos, com os ativismos se sofisticando para chegar num nível do que vemos nos EUA, notas de repúdio apenas escancaram a alienação dos seus proprietários e reforçam a indignação da população”, diz.

Para o profissional, o trabalho começa com a consciência da compreensão real da normalização da barbárie contra pessoas negras, pessoas pobres, mulheres negras e segue por um trabalho de reparação. “Essa palavra vem sendo apagada pelo uso de “diversidade”, que reforça a propriedade e o poder do opressor. Essa é a diferença entre oportunidade e oportunismo”, pondera.

Legitimidade

Com 25 anos de experiência no mercado de comunicação, Elis Monteiro é professora, consultora de Marketing Digital e especialista em gestão de crises on-line. Ela relembra que o Grupo Soma, do qual a Farm faz parte, já se envolveu em outros casos semelhantes. “Acho que falta representatividade legítima. Falta maturidade das marcas para entenderem que não é sempre que a gente publiciza e divulga as ações de sustentabilidade e sociais”, conclui.

Segundo ela, as marcas precisam entender que na comunicação uma coisa é o que você diz, outra é como as pessoas recebem a mensagem. “Não acho que tenha sido de propósito. E nem poderia ser porque é muita perda de reputação para uma marca. Mas foi leviano e faltou empatia”, comenta a especialista.

“Todo post precisa ser lido e aprovado com o olhar da crise – ali tem gatilho envolvido? Na dúvida, não poste! Por mais que a Farm esteja atendendo à família, pagando os custos com o funeral etc., não pode ser tão ingênua” escreveu a especialista nas redes sociais.

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Segundo Jaderson de Alencar, sócio diretor de Estratégia na FSB Comunicação, as empresas e marcas precisam ter um olhar mais apurado sobre temas sensíveis. “Isso envolve dados e monitoramento. Caso não seja possível prever, a crise deve ser analisada por sua capilaridade e volume. É preciso monitorar e agir rápido”, avalia.

Ele argumenta, ainda, que para falar sobre uma causa ou movimento é necessário que a empresa já tenha agido nesse território, defendendo o tema de forma clara e explícita.

No caso da Farm, algumas horas depois do primeiro post, eles divulgaram outra publicação admitindo o erro. No entanto, os usuários continuaram criticando a atitude da marca nos comentários.

 

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