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Xingar presidente é o esporte mais fácil do mundo

Tudo é válido – e o que ferir a lei é problema da Justiça. Só não vale confundir vodu e fetichismo com avaliação de governo

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1 de 1 bolsonaro-83 - Foto: Metrópoles

Ivete Sangalo incentivou pessoas na plateia do seu show a amplificar o coro “Ei, Bolsonaro, vai…”. Com a internação hospitalar do presidente apareceram outras vozes influentes desejando a piora do estado de saúde dele. Fafá de Belém já tinha sugerido uma receita venenosa para Bolsonaro. Fora o mau gosto desse tipo de manifestação, não há grande novidade aí. A atividade mais fácil do mundo é xingar presidente – qualquer presidente.

Parece que já foi em outra encarnação, mas Michel Temer era o pior ser da galáxia quatro anos atrás. Tinha até vampiro e caixão no desfile da Marquês de Sapucaí em sua “homenagem”.

O “Fora Temer” preencheu a existência de uma multidão de ociosos por cerca de um ano e meio – desde o dia 17 de maio de 2017, quando se iniciou uma tentativa de golpe de estado baseada na armação do criminoso confesso Joesley Batista. A lembrança é pedagógica em ano eleitoral porque esse exercício de vodu (tanto no caso de Temer como no de Bolsonaro e demais presidentes) não tem quase nada a ver com avaliação de governo – o que, você há de convir, é o que interessa.

A não ser que estejamos num desfile de moda fantasiado de debate político.

Fechando o paralelo com Temer, os “mocinhos” da época eram personagens como o procurador-geral Rodrigo Janot, um justiceiro de fundo de quintal que colocou seu ex-braço direito para instruir a manobra de Joesley, e Rodrigo Maia, dublê de presidente da Câmara e despachante de veículos de imprensa – que tentaram por anos vendê-lo como o grande estadista contra o mal. Contando ninguém acredita.

Pois esses dois Rodrigos, autênticos personagens de anedota, foram os “heróis” no enredo furibundo do Fora Temer. O que se fez de mais importante em termos de governo nesse período foi tirar o risco país da Lua e restabelecer o equilíbrio fiscal. Nada disso interessa aos rebeldes cenográficos.

No Fora Bolsonaro, além de uma insistência inicial com Rodrigo Maia (“parlamentarismo branco”, etc – que depois virou “semipresidencialismo”), entre os novos heróis do enredo furibundo está gente boa como Renan Calheiros. Será que a Ivete estimularia xingamentos contra quem tem currículo obscuro na política e usou uma CPI supostamente de saúde como palanque político e arena de intimidações, incluindo agressões a médicas? Claro que não. A graça é xingar o presidente. Sempre foi. Lembra do Sarney?

É até covardia lembrar do Sarney. Então passemos para o Lula. Não no auge da roubalheira. O Lula recém-eleito, fazendo um bom início de governo. Vamos repetir para não parecer engano: Lula fez um excelente início de governo em 2003/2004. Sua equipe econômica ajudou a consolidar o Plano Real, na melhor transição política da história brasileira. Mesmo assim – e com toda a popularidade que tinha – não escapou dos plantonistas da maledicência. Era de “cachaceiro” e “analfabeto” para baixo. Aliados o acusavam de vendido ao sistema.

Repetindo: não existe nada mais fácil (e seguro) que xingar presidente. Fernando Henrique apanhou que nem boi ladrão mesmo legando a principal reforma econômica da história do país. Brizola chegou a dizer que FHC tinha que ser fuzilado. A onda de ódio de festim é coisa antiga.

Tudo é válido – e o que ferir a lei é problema da Justiça. Só não vale confundir vodu e fetichismo com avaliação de governo. O que interessa num presidente é o governo que ele faz. O resto é estética e ganha-pão para oportunistas. Fomos aqui de Temer a Lula para mostrar o quanto alguns dos momentos mais inflamados da rebeldia de fanfarra estavam descolados da crítica objetiva à administração governamental.

Hoje esse descolamento continua. De Mandetta a Queiroga há uma gestão errática na Saúde, por exemplo, que mereceria uma crítica consistente – e não essa conversa fiada de demora na compra de vacina e outras alegorias pueris. Oposição forte se faz com sobriedade, não com chilique.

Se não, é só fazer como aquele pensador que cantava sua felicidade por ter “matado o presidente” (Temer). É o esporte radical mais seguro do mundo. Dá para fazer do seu quarto. E nem precisa pensar.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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