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Íz coloca Goiânia na rota dos grandes restaurantes do país

O que o jovem goiano Ian Baiocchi, 27 anos, aprontou com esse estabelecimento coloca a discussão gastronômica em novo patamar

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torrija de pequi
1 de 1 torrija de pequi - Foto: null

Há alguns anos sem visitar Goiânia, vejo uma cena gastronômica muito similar com a de Brasília. A cidade vai, progressivamente, incorporando filiais de grifes estrangeiras (Outback) e nacionais (Paris 6, Madero) e onde os shoppings centers estão apinhados de atrações gourmets (como a recém-estabelecida Tartuferia San Paolo no Flamboyant Shopping).

Ambas cidades compartilham também do mesmo bioma, o Cerrado, cujos frutos costumam servir de bandeira para chefs engajados. Afora casas tradicionais, como o Chão Nativo e até o Piquiras, nunca vira esta identidade culinária cerratense aparecer nos menus goianos de forma mais ousada. Muito menos de maneira tão sofisticada e inteligente como faz o Íz, seguramente um dos melhores restaurantes do Centro-Oeste.

Não é de hoje, obviamente, que a cidade mantém um espírito criativo com grandes talentos das caçarolas. Conheço de anos atrás o trabalho (e militância) de Márcia Pinchemel, as releituras contemporâneas do chef Humberto Marra (atualmente no Coralina), a cozinha emocional de Emiliana Azambuja e a confeitaria de Willian Mateus, atualmente se aventurando por Brasília como chef executivo do Limoncello. Mas o que o jovem goiano Ian Baiocchi, 27 anos, aprontou ali no Setor Marista com este Íz coloca a discussão em novo patamar.

Ceviche de frutas com cebola-roxa, pétalas e sorbet de jabuticaba demonstra domínio técnico e criatividade

 

Num ambiente sofisticado, ornado por pinturas que remetem a ingredientes, Baiocchi apresenta uma proposta da genericamente chamada cozinha contemporânea, baseada em técnicas da vanguarda europeia, com referências de tantas partes do mundo, incluindo a da culinária brasileira e, em menor medida, a goiana (limitada ao uso dos ingredientes locais, como o pequi, o baru e a jabuticaba). Embora siga o “manual Michelin”, com opções a la carte e menu degustação, o serviço não impõe aquela sisudez dos concorridos salões estrelados. Há um despojamento que me agrada, embora pratique um preço alto, como esperado.

Você pode sentar na coquetelaria, pedir uma porção dos imperdíveis dadinhos de queijo de coalho tostados com melaço mais pó de manteiga de garrafa com o charmoso falso caviar de jabuticaba (R$ 35). O Íz escapa à breguice espalhafatosa da gastronomia molecular mantendo seu uso discreto e pontual, como o faz nas esferificações que compõem esta entradinha.

A carta de drinques, ao contrário do menu de comidas, se mostra um tanto comportada, detida a clássicos (old fashioned, negroni, caipirinha e uma versão “spice”do boulevardier). Há uma ou outra brincadeira criativa, caso do Íz Smoke, uma mistura de vodca, fumaça líquida e espuma de gengibre com cerveja (R$ 28).

Comece pelo couvert (R$ 36), que apresenta uma seleção de pães bem interessante, com destaque para o brioche de pequi. Acompanha um trivial azeite de ervas, sal defumado, saborosa manteiga de abóbora mais castanha de baru e um chutney de frutas. Enchi os olhos com a porção de coxinhas de cordeiro com massa de espinafre supostamente picante, guarnecido de chantili de wasabi, a muleta de todo pretenso restaurante fusion.  Sai por R$ 38, com quatro unidades, mas é apenas uma boa ideia — o recheio poderia vir menos salgado.

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Na seção principal, o Íz trabalha com 10 opções, uma quantidade decente para garantir rigor de execução sem deixar de contemplar públicos diversos. Dos três que provei, a barriga de porco ao rôti de mel faz um bom uso deste corte historicamente ignorado pela nossa cultura culinária caipira do centro do país, mas absorvido graças à nobreza conferida a ele por restaurantes famosos da Europa e da Ásia, sobretudo.

Normalmente, a barriga deve ser braseada até que a pele por cima fique crocante. Mas Baiocchi propõe uma nova abordagem ao pururucar separadamente ao estilo mineiro. Boa sacada. O prato acompanha delicioso purê de mandioca com toque cítrico da maçã-verde mais um leve amargor conferido pelo pó de ervas queimadas e toda a doçura da cebola assada. Custa R$ 85.

Com preço superior, o fettuccine de camarão (R$ 102) podia ter um tempero mais pronunciado no crustáceo, embora a mistura do molho de tomate com um creme branco extraído de castanhas nacionais confiram uma combinação impressionante ao prato.

Não sei se por ingenuidade ou apenas submissão ao pavoroso senso comum de um público consumidor um tanto ignorante, o entrecôte ao rôti servido com risoto de grana padano a R$ 89 destoa do menu. Estamos diante de um contrafilé bem executado, mas deitado sobre uma cama de risoto a dever um ponto correto com o infame “perfume de trufas”. Como tenho dito de outras vezes: use trufas ou deixe quieto.

A melhor experiência não poderia ser outra, senão o praticamente irretocável menu confiança (fotos abaixo).

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Você pode optar pela sequência tradicional da casa, com quatro pratos pré-estabelecidos, por R$ 140, ou deixar a critério do chef a degustação com seis ou nove etapas (R$ 195 e R$ 310, respectivamente). Ian Baiocchi não estava na casa quando da minha visita (talvez tomando conta de sua nova operação ali perto, o italiano 1929 Trattoria Moderna). Mas sua equipe trabalhou com primazia tanto na cozinha como no atendimento meticuloso no salão.

Não me agrada necessariamente este modelo de menu degustação, senão pelo fato da possibilidade de ser surpreendido. Acredito que está na hora de começarmos a superar este padrão estilo 50 Best ou Michelin. Chega a ser exaustivo. Por isso optei pelas seis etapas, que acabaram sendo oito – couvert não está incluso na conta e veio ainda um mimo: ceviche de frutas com cebola-roxa mais sorbet de jabuticaba, uma provocação ao paladar, servido entre as entradas e os principais.

Alguns pratos remontam ao menu convencional da casa, como forma de apresentar o conceito, caso das tapas (uma reunião de entradinhas do cardápio), da barriga de porco e do chamado ovo perfecto. Este último estava… Perfeito. Mergulhado em um creme de mandioquinha, combinava cubos de aspargo, lagostim e uma deliciosa paçoca de rabada.

De sobremesa, o temível pequi estava de volta. Quem gosta do fruto espinhoso reconhece sua versatilidade, incluindo-se preparos adocicados. A solução deste prato foi inteligente: uma rabanada (aqui chamada de torrija, numa preferência pela grafia espanhola) feita com o brioche de pequi, sem aliviar no intenso sabor do ingrediente, combinado com sorbet de abacaxi mais baunilha, caramelo salgado, pétalas cristalizadas e uma espécie de tuile de limão-siciliano.

Não podemos dizer que Íz pratique uma gastronomia goiana contemporânea, pois a estrutura do menu, os atributos técnicos e conceituais remetem a um padrão reconhecidamente internacional. O importante deve ser reconhecer os fundamentos e ingredientes de sua cultura regional e apresentá-la de forma criativa e ousada. E assim Goiânia entra na rota dos grandes destinos gastronômicos do país.

Íz
Na Rua 1129, 146, quadra 237, lote 30, Setor Marista, Goiânia (GO), (62) 3092-5177. 11h30 às 15h e 19h30 às 23h30 (sábados e domingos, almoço das 12h às 16h30; sexta e sábado, jantar das 20h à 0h30; fecha às segundas). Ambiente interno. Aberto em 2015

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