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Moradores denunciam coação para aceitar acordo proposto por empresários do Grande Colorado

Urbanizadora Paranoazinho faz ligações, envia cartas e e-mails diários pressionando os residentes do local a pagarem novamente pelos lotes

atualizado

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Divulgação/ PUrbanizadora Paranoazinho
Fazenda-Paranoazinho
1 de 1 Fazenda-Paranoazinho - Foto: Divulgação/ PUrbanizadora Paranoazinho

A perspectiva de ter de arcar de novo com terrenos já comprados e pagos no Grande Colorado tornou-se um pesadelo que os moradores da região enfrentam acordados. Desde que o governo chancelou e publicou as regras para o pagamento das glebas à Urbanizadora Paranoazinho, os residentes que ainda não aderiram ao acordo passaram a sofrer uma pressão constante de funcionários da empresa interessada no negócio.

Muitos relatam receber, em um só dia, dezenas de ligações de representantes da administradora. Nas conversas, os agentes fazem um trabalho maçante no sentido de convencer o grupo de que, caso não se renda à conciliação, corre o risco de perder as terras.

Os canais de pressão são variados: os avisos chegam por cartas, e-mails, carros de som e até mesmo em eventos. Munidos de megafones, os porta-vozes da Paranoazinho propagam a ideia de que os moradores não podem perder a chance de “legalizar” seus lotes.

“As pessoas (moradores) ou aderem por medo ou por falta de informação”, denuncia o presidente da Associação dos Moradores do Grande Colorado, Boa Vista e Contagem, Carlos Cardoso. Ele considera a investida mais do que um constrangimento: “Dizem, claramente: ou vocês aceitam ou vão perder suas casas. Isso é coação, assédio”.

Segundo o representante dos moradores, a pressão vem acompanhada de uma comunicação truncada, incompleta, que confunde quem vive na região.

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“Eles desgastam a pessoa até a hora que ela não aguenta mais. São muitas ligações, e-mails e a constante ameaça de perdermos a casa onde vivemos. É tortura mesmo. Passei muitas noites sem dormir e acabei decidindo pagar novamente, mesmo não concordando”, conta a jornalista Célia Curto, de 53 anos.

Negócio bilionário

Em reportagem publicada nessa quinta-feira (11/07/2019), o Metrópoles revelou a identidade dos personagens interessados no negócio de R$ 12 bilhões que vai resultar na criação de uma nova cidade a 20 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. O futuro parcelamento urbano deve abrigar, pelo menos, 100 mil moradores. Clique aqui para ler a matéria na íntegra.

Entre os beneficiários diretos do empreendimento, estão um grileiro condenado e preso por parcelamento irregular e dois empresários conhecidos: José Celso Gontijo e Rafael Birmann. Este último sobrenome sempre esteve à frente da empresa criada para gerir o negócio. O que era um mistério até agora era a sociedade com Tarcísio Márcio Alonso, o grileiro da cidade, e o dono da construtora brasiliense JC Gontijo.

O vínculo entre os três com a Urbanizadora Paranoazinho foi confirmado a partir de documentos inéditos revelados pela reportagem, como a papelada de confissão de dívida entre Tarcísio, uma empresa administrada por José Celso Gontijo e a própria Paranoazinho. Em uma troca de e-mails endereçada a um corretor, o grileiro informa ser proprietário de 29,7% da sociedade anônima. E mais: dá preferência de venda nominalmente a Birmann e JC Gontijo.

Cessões de direito

A sensação dos moradores de que estão sendo engambelados, vítimas do que pode se configurar um estelionato, encontra amparo a partir de uma observação um pouco mais atenta sobre o caso.

A maioria deles guarda em casa a papelada que um dia foi dada em troca do dinheiro pago pelos terrenos. São cessões de direito registradas em cartório, expedidas entre as décadas de 1980 e 1990, que comprovariam as transações. Essa documentação ou veio diretamente das mãos de Tarcísio ou de pessoas ligadas a ele, segundo contam os moradores. O fato é que estes títulos, um dia valorosos, foram totalmente desprezados no suposto processo de regularização.

Toda a legitimidade do processo hoje é reclamada pela Urbanizadora Paranoazinho, que comprou os mesmos títulos um dia adquiridos pelos moradores. Embora o vendedor (Tarcísio) e produto (as glebas) sejam rigorosamente os mesmos, os papéis da Urbanizadora Paranoazinho foram reconhecidos e os dos moradores invalidados. Daí a revolta deles em terem de pagar duas vezes pelo mesmo lote.

“Comprei os documentos diretamente de Tarcísio. É muito frustrante ver que minha papelada não vale nada, mas que foi utilizada pela Urbanizadora. Tiraram todos os nossos direitos, somos tratados como invasores de uma terra pela qual pagamos”, lamenta José Ramos, síndico do condomínio Jardim América.

“Culpa da Justiça”

Quem um dia também enxergou no Grande Colorado uma oportunidade imobiliária foi o atual governador Ibaneis Rocha (MDB). Em 1995, o advogado comprou lotes no Solar de Atenas em 30 parcelas de R$ 9 mil. Até hoje, reclama por suas escrituras.

Recentemente, no entanto, empoderado como chefe do Executivo, Ibaneis conduziu uma tentativa de conciliação em que, publicamente, defendeu o pagamento à administradora. Chegou a se exaltar com os síndicos inconformados diante dos valores propostos pela Urbanizadora Paranoazinho, de, em média, R$ 120 o metro quadrado.

Ao Metrópoles o governador falou sobre seu ponto de vista no processo: “Se chegamos a este impasse, a culpa é da Justiça que negligenciou as reclamações dos moradores. Durante anos, centenas de ações foram movidas e nunca houve uma decisão favorável ao grupo. Ou chegávamos a um acordo ou o impasse seguiria para sempre”.

Após publicação da primeira matéria sobre o impasse no Grande Colorado, a Urbanizadora Paranoazinho divulgou nota em redes sociais se queixando de ter sido ignorada. A reportagem do Metrópoles ouviu atentamente a Urbanizadora e publicou, na íntegra, suas explicações. No entanto, segue sem resposta esclarecedora para a seguinte pergunta: por que os documentos assinados por Tarcísio em posse dos moradores não têm valor e a mesma papelada agora validou o processo de regularização tocado pela Paranoazinho? Isso não é maracutaia?

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