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Voluntária já resgatou mais de 280 cães abandonados em Abadiânia

A cidade, não se sabe bem ao certo o porquê, tornou-se um depósito para cães abandonados próximo ao antigo templo de João de Deus

atualizado

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Reprodução/Redes sociais
VIVIAN MAURO
1 de 1 VIVIAN MAURO - Foto: Reprodução/Redes sociais

Não se sabe bem ao certo o motivo que faz de Abadiânia (GO) um depósito de cães abandonados. Talvez pela fama da Casa Dom Inácio de Loyola, que continua atraindo turistas, mesmo após a prisão do líder espiritual João de Deus. Especula-se que os moradores de municípios vizinhos abandonem cachorros na cidade, na esperança de que os “turistas espirituais” da Casa se compadeçam e passem a cuidar deles, adotá-los.

A veterinária e fotógrafa norte-americana Vivian Mauro, moradora de Abadiânia desde 2014, já resgatou 280 cães abandonados e promoveu a adoção de 48 para turistas dos Estados Unidos, Canadá e Europa. Ela trabalhou como guia turística do centro espírita de 2004 até 2014. “Percebi que os mais necessitados de ajuda eram os cachorros, não os turistas que procuram a Casa”, diz.

Segundo Vivian, os cães de rua gostam de entrar na Dom Inácio, por causa da energia espiritual do local, além de passear com os turistas que por lá meditam. “Os cachorros moram na Casa, dormem na Casa e absorvem a mesma luz divina e pura que os frequentadores”, acredita a fotógrafa. Muitos turistas que adotaram os cachorros dizem que suas famílias e amigos já se beneficiaram com os poderes curativos dos cães de Abadiânia.

Há alguns anos, era frequente a presença de 30 animais ao redor e dentro da Casa. “Tanto João de Deus quanto seus funcionários reclamavam dos cachorros, mas nunca fizeram nada a respeito”, continua.

O prefeito de Abadiânia, José Diniz (PSD), nega haver problema de cães abandonados na cidade. “Temos um convênio com a Vivian, arranjamos uma casa para ela morar sem pagar aluguel, demos um canil para ela, contratamos dois veterinários e arranjei um rapaz para ajudá-la no trabalho”, detalha. Vivian desmente: “Ele nunca contratou nenhum veterinário para me ajudar, tenho que viajar até Anápolis para conseguir um bom veterinário”.

Ela continua arcando com seu aluguel, construiu um canil com recursos de doações de turistas, e o rapaz que a ajuda, David Barbosa, 16 anos, recebe salário pago pela própria Vivian. Os dois se conheceram perto do espaço que ela mantém para os animais e hoje abriga 12 cães. O prefeito não facilitou nem intermediou o contato.

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Cinomose
No início de fevereiro, Abadiânia registrou um surto de cinomose – doença canina que ataca o sistema nervoso do animal e pode ser fatal. “Essa doença é normal em todos os municípios brasileiros”, continua o prefeito José Diniz. Vivian tem quatro cachorros internados em Anápolis com a doença e gasta R$ 1.500 por mês para mantê-los.

Alexandre Sano, médico veterinário e diretor da Anclipeva/Goiás, diz que apesar de surtos de cinomose serem mais frequentes em municípios mais carentes do estado, pela falta de higiene, de maneira alguma é uma doença normal.

“Eu trabalhei por muitos anos na cidade de São Paulo e nunca tratei um caso de cinomose”, afirmou o especialista. Segundo ele, trata-se de doença transmitida por contato direto entre os cães, pelas secreções. “Com as chuvas, a urina se espalhou pela cidade e matou muitos cães, algumas semanas se passaram sem eu encontrar nenhum animal nas ruas”, conta Vivian.

Desentendimento
Uma noite, em 2016, Vivian foi até a Casa Dom Inácio de Loyola, apresentou-se a João de Deus, disse que cuidava dos cachorros de rua e que queria ajudar com o problema de excesso de animais na Casa. “Ele foi bastante agressivo: ‘Você me deve 30 mil reais, um cachorro mordeu uma turista no rosto e ela está no hospital, as despesas de lá são caras’. Então, eu retruquei: ‘Não são meus cachorros, João de Deus’’’.

Ela argumentou, dizendo que havia um jeito de impedir a entrada dos cães na Casa. Tudo o que era preciso fazer seria fechar os portões de manhã, quando todos os turistas entram, às 7h30. “É muito fácil, porque os taxistas ficam nos portões, esperando os turistas, sem fazer nada… Basta pedir para abrirem e fecharem os portões, quando algum turista entra ou sai”, teria sugerido.

Depois desse desentendimento, Vivian começou a construir seu canil, com US$ 4 mil de doações, ela levou quatro meses para concluí-lo. A mulher consegue trabalhar com os animais a partir de doações que recebe de turistas, pessoalmente ou por redes sociais, onde também faz contato com pessoas interessadas em adotar os cães de Abadiânia.

Carrocinha
João de Deus costumava chamar a “carrocinha” – serviço público de recolhimento de animais de rua –, que levava 20 cachorros por vez. Os agentes municipais juntavam todos os que encontravam, colocavam os animais num caminhão, mas não há notícias do local para onde eram levados. “Então, muitos turistas começavam a chorar, porque queriam adotar os cachorros”, conta a veterinária.

Segundo ela, numa noite de quinta-feira, há cerca de 3 anos, um médium da Casa chegou até Vivian e disse: “A carrocinha virá amanhã e pegará todos os cachorros”. Então, a veterinária saiu desesperada para proteger os animais. “Liguei para todas as pessoas que conhecia, elas conseguiram pegá-los e abrigá-los em suas casas durante o fim de semana e eu consegui livrá-los da carrocinha”, detalha.

Atualmente, graças ao seu serviço de resgate e adoção, apenas dois cães abandonados circundam o centro espírita do médium preso, acusado de abusar sexualmente de centenas de mulheres. “Eu fui a única pessoa a enfrentar João de Deus em prol dos animais”, afirma Vivian, que mora com 13 cães que não são destinados à adoção.

Serviço aéreo para cães
“Os turistas se apaixonam por um cachorro abandonado, vêm até mim e dizem que querem levá-lo [para fora do país]”, diz a norte-americana. Mediante uma taxa, Vivian organiza o serviço: injeção contra raiva, certificado de saúde para o cachorro, viagem até o destino final com acento acolchoado, além de levá-los para o aeroporto de Brasília em um táxi e fazer check-in com o animal, que voa como uma parte da bagagem e na companhia do novo dono.

Para a Europa, este trâmite dura quatro meses, necessita de um microchip implantado no cão e um exame de sangue, além de 3 meses de quarentena.

O ativista social brasileiro, dono de uma Pet Shop nos Estados Unidos, Giulio Ferrari, entrou em contato com Vivian, querendo adotar um cão de Abadiânia. Ele diz conhecer várias vítimas de abuso sexual de João de Deus, norte-americanas. “Imagina eu, que ajudei nas denúncias contra João de Deus e fui vítima de abuso sexual do médium Maury Rodrigues da Cruz, adotar um cachorro da Casa Dom Inácio de Loyola…”, comenta o ativista.

“Todos os novos donos me dizem que os cães de Abadiânia são curandeiros, pois vão com a mesma energia da casa”, conclui Vivian.

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