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Vizinhos da Cinemateca denunciam abandono e temem nova tragédia

‘Quando resolverem fazer algo pela Cinemateca, não vai sobrar nenhum filme para contar história’, diz integrante de associação de moradores

atualizado

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Cinemateca
1 de 1 Cinemateca - Foto: Divulgação

São Paulo – Muito antes do incêndio que atingiu um galpão da Cinemateca Brasileira na última quinta-feira (29/7), em São Paulo, a situação de abandono pela qual passa a instituição já vinha sendo denunciada por profissionais do audiovisual e setores da sociedade civil.

Vizinhos da sede da Cinemateca, na Vila Mariana, têm feito apelos ao poder público há anos, sem resultado. Foram muitas as promessas não cumpridas de resolver o imbróglio da gestão do local, que está fechado desde março de 2020, com o acervo abandonado e estrutura carente de manutenção. Os moradores da região esperam que o incêndio resulte em mudanças imediatas.

“Quando eles resolverem fazer algo pela Cinemateca, não vai sobrar nenhum filme para contar história, a gente vai estar sobre as cinzas da memória. É imperativo que se faça alguma coisa”, disse ao Metrópoles Eliana Barcelos, arquiteta e diretora da Associação dos Moradores da Vila Mariana.

A associação, que existe desde 2018, é assistente do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo na ação civil pública, ajuizada no ano passado, que alerta para o risco de incêndio e a situação de abandono da Cinemateca. Para além da importância nacional, a associação visa demonstrar na Justiça a importância que o prédio tem para o bairro.

“A Cinemateca é muito representativa, é nossa referência de fundação do bairro. A Cinemateca era um matadouro municipal, foi um bairro industrial que se formou em torno da hoje Cinemateca”, conta Eliana.

Quando estava aberta, a Cinemateca era usada pelos moradores como uma área de convivência, para práticas esportivas, passeios, exibição de filmes ao ar livre e feiras culturais. “Fora toda a programação de mostras, filmes, eventos ligados à própria Cinemateca, também funcionava como um lugar de convivência e afeto dos moradores”, lembra a arquiteta.

O fogo atingiu um galpão que fica na Vila Leopoldina, zona oeste da capital, e ainda não se sabe o que foi perdido. Mas para a associação de moradores, a sede, que fica no Largo Senador Raul Cardoso, corre o risco de ter o mesmo fim, já que ambos os locais guardam materiais inflamáveis que precisam de cuidados constantes no armazenamento e temperatura.

Histórico de problemas

Os problemas da Cinemateca a se intensificaram em janeiro de 2020, após o governo Jair Bolsonaro (sem partido) romper unilateralmente o contrato com a Fundação Roquette Pinto, que fazia a gestão do local.

A fundação deveria receber repasses de R$ 14 milhões do Governo Federal, mas sofreu um calote. Trabalhadores ficaram sem salário, o espaço fechou para visitas ano passado em razão da pandemia, e restou uma situação de abandono.

Em junho do ano passado, o MPF ajuizou ação na Justiça Federal denunciando este abandono e pedindo medidas imediatas para manutenção do prédio, alertando para o risco de incêndio. Na ação, reforçam os argumentos do MPF a Associação de Moradores da Vila Mariana e a Associação Paulista de Cineastas. Em agosto, o governo federal exigiu que a Roquette Pinto entregasse as chaves do local.

Em maio deste ano, a Justiça concedeu prazo de 45 dias para a União demonstrar que estava agindo. Em uma audiência realizada em 21 de julho, o MPF alertou novamente para o risco de incêndio. O juiz concedeu mais 70 dias de prazo para a União. A próxima audiência está marcada para setembro.

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Eliana reforça que o perigo de incêndio é real, e é denunciado por várias pessoas que moram ao redor da Cinemateca. “E a gente sabe que a Cinemateca não tem AVCB [Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros] válido. Fizemos um laudo de um ex-coronel do corpo de Bombeiros, que é morador da região. A gente foi demonstrando todas as questões pertinentes ao perigo”, afirma.

Um apelo da associação de moradores e também de instituições ligadas ao setor audiovisual é que o governo firme, com urgência, um contrato com uma organização social para gerir a Cinemateca que contrate um corpo técnico qualificado.

“Sem um manuseio qualificado, você não sabe como está o filme. E se tiver um fogo lá, quem vai salvar a cinemateca? Não tem nenhuma pessoa para dizer onde estão as coisas importantes, o que está lá. Havia funcionários que estavam lá há 40, 30 anos É um mercado de trabalho muito reduzido, especializado”, afirma Eliana.

O primeiro passo do governo para contratar uma nova gestora para a Cinemateca só foi dado nesta sexta-feira (30/7), um dia após o incêndio. Foi publicado um edital para escolher uma “entidade privada sem fins lucrativos” para gerir o órgão por cinco anos. Em maio, na ação judicial proposta pelo MPF, a Secretaria Especial de Cultura, do Ministério do Turismo, havia prometido iniciar a contratação em até 45 dias.

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