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Tradição: governadores abreviam mandato em SP por disputa presidencial

Cientista político avalia que cargo de governador paulista é forte plataforma na política nacional, mas vê poucas chances ao PSDB em 2022

atualizado

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Fábio Vieira/Metrópoles
João Doria
1 de 1 João Doria - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

São Paulo – Em 2006, Geraldo Alckmin (PSDB) deixou o governo de São Paulo para concorrer à Presidência da República, inaugurando uma espécie de tradição no estado: de lá para cá, nenhum governador eleito cumpriu os quatro anos de mandatos.

Em comum, todos os mandatários são tucanos e perderam as eleições após saírem do comando paulista para concorrer ao Planalto. Agora que o PSDB definiu nas prévias que seu candidato será o governador João Doria, o político deverá deixar o posto no início de abril de 2022, oito meses antes do término do mandato. Em seu lugar, ficará Rodrigo Garcia, atual vice e secretário de Governo.

Pela lei eleitoral, para concorrer à Presidência, o candidato que ocupa cargo eletivo precisa deixar o posto até seis meses antes do pleito. Em 2022, o primeiro turno ocorrerá em 2 de outubro.

Na visão de Cláudio Gonçalves Couto, cientista político e professor adjunto do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), essa prática mostra que o cargo de governador de São Paulo “é uma plataforma de lançamento forte na disputa presidencial”.

Outros exemplos de ex-governadores paulistas que concorreram ao Planalto são Orestes Quércia e Paulo Maluf. O primeiro governou São Paulo entre 1987 e 1991, e participou do pleito presidencial de 1994. Maluf foi governador entre 1979 e 1982, e disputou a Presidência em 1989.

“Como há uma coincidência de datas entre a eleição de governador e presidente, ocorre esse não término de mandato, mas um não término já no fim do mandato, que é uma coisa razoavelmente esperada neste cenário”, explica Couto.

A hegemonia tucana no estado de São Paulo, entretanto, não se repete em âmbito nacional: após o governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2003, o PSDB não conseguiu eleger mais presidentes e, em 2018, mostrou o pior desempenho da história do partido em uma eleição nacional.

Alckmin, Serra e Doria

Nos últimos 15 anos, os três governadores que anteciparam o fim do mandato para concorrer às eleições nacionais foram Geraldo Alckmin e José Serra, e o próximo será João Doria.

Alckmin governou São Paulo por três mandatos, primeiro entre 2001 e 2006 e depois de 2011 a 2018. Tentou virar presidente em duas ocasiões, em 2006, quando foi para o segundo turno contra Lula e perdeu, e em 2018, quando recebeu menos de 5% dos votos.

Já Serra atuou como governador de 2007 a 2010, quando saiu para ser presidenciável e foi para o segundo turno, mas acabou derrotado por Dilma Rousseff.

Os fracassos dos candidatos do PSDB, na visão do cientista político Cláudio Gonçalves Couto, “não necessariamente indicam uma fragilidade” de governadores paulistas na política nacional, mas, na verdade, se deram devido ao contexto das últimas eleições.

“Eles foram candidatos primeiramente no período de grande força das candidaturas petistas. A primeira eleição do Lula era um fim de ciclo do PSDB, tinha o governo do FHC que terminava muito desgastado. Aí, creio que qualquer que fosse o candidato do PSDB, provavelmente perderia do Lula naquela eleição”, analisa.

Depois disso, Couto destaca que Lula foi muito popular até 2010, conseguindo eleger sua sucessora, Dilma, que se reelegeu contra um outro ex-governador do PSDB, só que de Minas Gerais, Aécio Neves.

“As candidaturas do PSDB neste período não foram candidaturas tão fortes quanto as petistas. E da segunda vez em que o Alckmin disputou, perdeu para a onda do Bolsonaro, quando a gente já tinha um momento completamente diferente”, lembra. Agora, o desafio dos tucanos é ainda maior.

Onda petista

No próximo ano, Doria terá que quebrar a barreira do petismo, do bolsonarismo e do lavajatismo, personificado pelo agora pré-candidato Sergio Moro. Na visão de Couto, o paulista poderia “aproveitar o desgaste de Bolsonaro neste mesmo campo da direita”, mas, ao mesmo tempo, tem muitas resistências de São Paulo e dentro do próprio partido.

“Basta ver como foi dividida a disputa das prévias do PSDB”, exemplifica o estudioso. Ele diz que ainda há uma forte polarização entre o PT e Bolsonaro, mas que isso não é necessariamente uma novidade, só mudaram os atores.

“Contra o PT, há sempre uma polarização. O antipetismo tem organizado o processo eleitoral nacional no Brasil nos últimos anos, e possuir algum polo do PT é esperado, a questão é ver quem estará do outro lado. Bolsonaro conseguiu substituir o PSDB na eleição de 2018”, afirma Couto.

O fator Moro também se mostra crucial, ressalta, e, a depender de como sua candidatura se comportará nos próximos meses, poderá favorecer ou prejudicar o PSDB. Isso porque Doria e Moro acabam por disputar uma mesma faixa de eleitores do espectro político mais à direita e se vendem como uma via “nem Lula, nem Bolsonaro”.

Hegemonia tucana em SP

Apesar das dificuldades em âmbito nacional, em São Paulo os tucanos seguem fortes, e Couto diz que isso se deve muito à força do interior paulista nas eleições. Desde 1994, todos os governadores eleitos no estado eram do PSDB.

O estado só não foi governado por tucanos em dois curtos períodos recentes, justamente quando Alckmin e Serra deixaram os mandatos para concorrer às eleições presidenciais e seus vices do PFL e do PSB assumiram.

“A gente está falando de quase três décadas de hegemonia tucana. Ela passa pelas fragilidades de outras alternativas. Uma delas é a dificuldade que tem o PT de entrar no interior do estado. Já no campo à direita, também apareceram entraves. É um cenário em que o PSDB vê seus adversários, à direita e à esquerda, muito rejeitados, e por isso ele tem mais espaço que todos os outros”, explica o cientista.

Nos últimos anos, o PT não se dedicou tanto à disputa ao governo paulista, na avaliação de integrantes do próprio partido, mas em 2022 a sigla deve chegar com mais força com o lançamento de Fernando Haddad, um candidato mais conhecido. Há meses, o ex-prefeito de São Paulo tem sido ativo em sua pré-campanha, viajando por todo o estado para conversar com lideranças políticas e empresariais.

O PSDB trará como candidato o atual vice-governador Rodrigo Garcia, ainda pouco conhecido, mas que poderá usar a “máquina do estado” a seu favor quando assumir o governo em abril.

O pleito paulista, porém, passa por uma indefinição: Alckmin está em vias de deixar o PSDB, mas ainda não definiu sua futura legenda. Caso decida concorrer a governador, segundo pesquisa do Datafolha, larga como favorito.

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