metropoles.com

PT investe em reaproximação com evangélicos. Conheça “os pastores de Lula”

Religiosos avaliam que há espaço para diálogo entre o partido e os fiéis, principalmente nas periferias que mais sofreram com a pandemia

atualizado

Compartilhar notícia

Reprodução/Redes Sociais
Lula busca apoio de evangélicos
1 de 1 Lula busca apoio de evangélicos - Foto: Reprodução/Redes Sociais

Desde a vitória de Jair Bolsonaro (sem partido) sobre Fernando Haddad (PT-SP), em 2018, uma das avaliações recorrentes de dirigentes do PT foi que o resgate de pontes com o mundo evangélico seria crucial para qualquer projeto que o partido viesse a propor em eleições. Agora, após recuperar seus direitos políticos e em franca campanha para voltar à Presidência da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e figuras importantes da sigla têm se dedicado a buscar pastores para tentar desfazer resistências e reverter a quase hegemonia de Bolsonaro dentro desse grupo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o segmento representava, em 2020, 22,2% da população brasileira.

Sob a liderança da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), o partido fundou um núcleo específico para tratar do assunto: o Evangélicos do PT (Nept). O trabalho tem sido feito no sentido de retomar o diálogo perdido com essa parcela, sobretudo em periferias das grandes cidades. O reencontro com evangélicos, de acordo com Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula, é considerado “fundamental” para a estratégia de retomada da periferia.

“É um front que nós consideramos extremamente importante, e temos estimulado muito o nosso pessoal, sobretudo nos estados, a fazer um contato com as igrejas. Isso está sendo feito menos nas cúpulas e mais na base, direto com pastores ou com organizadores regionais dos grupos evangélicos. A gente tem consciência de que esse diálogo é fundamental, sobretudo para o trabalho nas periferias, onde a presença evangélica é muito forte”, destacou o ex-ministro em conversa com o Metrópoles.

O núcleo tem uma direção nacional e já formou grupos espalhados pelo país todo para reunir militantes evangélicos e pastores simpáticos ao PT. Embora ainda não tenha caráter de campanha aberta, tem pavimentado a inserção de Lula nessa camada social.

“O PT dialoga com todas as religiões para ampliar cada vez mais sua representação junto ao nosso povo. Com os evangélicos, não poderia ser diferente. O Brasil evangélico tem crescido muito na área popular, e por isso nos coloca a missão de buscar cada vez mais o diálogo com as suas diversas denominações, sobretudo com a base”, diz a deputada Benedita da Silva.

“Nossa maior preocupação com esse diálogo é não instrumentalizar as religiões e defender o Estado laico, pois o mais importante é a participação dos que têm fé na luta comum pela justiça social e pela solidariedade com o oprimidos”, enfatizou.

Cortesias

O ex-presidente, por sua vez, em suas andanças pelas regiões Sudeste e Nordeste, usou parte da agenda para se encontrar com líderes evangélicos.

No Rio de Janeiro, Lula esteve com o bispo Manoel Ferreira, líder da Assembleia de Deus de Madureira, bolsonarista declarado desde as eleições de 2018. Antes, o bispo foi aliado do governo Lula e apoiador da reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. O encontro foi combinado pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano (PT), e realizado em um sítio de sua propriedade.

Aliados de Bolsonaro encararam o episódio como “visita de cortesia” e lembraram que o pastor tem “gratidão” ao ex-presidente, devido a uma lei sancionada em 2003, que deu personalidade jurídica própria às igrejas.

Não se pode dizer que o bispo está com Lula ou que já represente hoje uma ponte com do PT com eleitores evangélicos. Tanto que, no último sábado (28/8), a igreja realizou o 1º Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos da Convenção Estadual das Assembleias de Deus Madureira (Conemad), em Goiânia, que contou com a presença de Bolsonaro. No entanto, na visão de alguns petistas, o encontro é sinal de que há possibilidade de se abrir um importante canal de diálogo.

“Cura gay”

Na Bahia, foi a vez de Lula se encontrar com Pastor Sargento Isidório (Avante), deputado federal mais votado no estado em 2018, com 323 mil votos, e que já se encontra plenamente engajado na defesa da eleição do ex-presidente e na divulgação do apoio de Lula ao seu nome – usando sua inseparável Bíblia. O parlamentar divulgou, em suas redes, uma foto da mão de Lula postada sobre a edição.

Isidório é um deputado que, em plena sessão da Câmara, permanece rezando, ajoelhado, sempre empunhando a Bíblia. Isidório é defensor convicto da “cura gay” e se mostra como exemplo de que ela existe, ao se autoproclamar “ex-gay”. No Congresso, ele é autor de um projeto para criar o “Dia do Orgulho Hétero” e transformar a Bíblia em “Patrimônio Nacional, Cultural e Imaterial do Brasil e da Humanidade”.

Reação

Ao apostar na chance de avançar sobre um nicho bolsonarista, Lula viu logo a exposição ao lado do pastor sargento, que aponta a homossexualidade como “safadeza” estimulada pela “mídia”, render, nas redes sociais, críticas severas, proferidas sobretudo por defensores de direitos humanos e representantes da comunidade LGBTQIA+, além de eleitores tradicionais do PT.

Em recente programa apresentado pela ex-BBB Thelma Assis, Lula tentou replicar críticas diretas feitas pela cantora Linn da Quebrada, dizendo que faria o possível para o que o pastor não tivesse preconceito contra gays e vice-versa. No entanto, precisou enfrentar a contradição. “É que não se trata do nosso preconceito diante dele”, respondeu Linn. “Trata-se das ações que ele tem e que prejudicam nossa vida”, disse a cantora, durante o programa Triangulando, produzido pela Dia Estúdio.

Igrejas autônomas

O pastor Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, é um apoiador do ex-presidente e chegou a visitá-lo na prisão em Curitiba. O religioso avalia que, para entrar novamente na periferia das grandes cidades, o PT deve buscar os evangélicos. “Não há dúvida nenhuma desse interesse, inclusive já foi mostrado e dito pelo próprio Lula”, enfatiza.

“Se quer voltar a falar com a periferia, é preciso que o PT saiba que ela não está mais vazia, está ocupada. E está ocupada pelos evangélicos, majoritariamente”, aponta o pastor, que não descarta possível filiação ao PT.

“Se ele vier a ser candidato, a minha tendência é apoiá-lo, por entender que a proposta que ele mostra pode tirar o Brasil dessa situação econômica, social, política e internacional em que nós estamos”, diz o pastor.

Ramos enxerga espaço para que o PT retome esse diálogo, na medida em que, em sua visão, a maior parte dos evangélicos das regiões periféricas frequenta as chamadas igrejas independentes, ou seja, fundadas sem congregações e sem ligações com as grandes denominações.

“É  preciso se levar em conta que a maioria dos evangélicos está em igrejas independentes, não nas denominações maiores. Por isso, esses evangélicos não estão mais tão influenciados pelos grandes líderes, nem mesmo esses mais visíveis. Eles tomam sua própria decisão a partir da realidade particular, e bem particular. São igrejas autônomas e únicas. Não têm congregações. Esse é o grupo que se encontra na periferia e esse é o grupo que hoje abriga a maioria significativa dos evangélicos”, avalia.

Mudança com a pandemia

O pastor aponta que já observa um refluxo do apoio de evangélicos a Bolsonaro, motivado principalmente pelos problemas na gestão da pandemia da Covid-19.

“Os evangélicos estão entre os que mais perderam gente na família durante a pandemia, até porque acreditaram no negacionismo do presidente e, por isso, pagaram um preço elevadíssimo”, destaca. “Já são favas contadas que o negacionismo apenas aumentou a mortalidade do vírus e mais nada. Isso mudou, consideravelmente, a visão das pessoas.”

A diminuição do apoio, segundo ele, já pode ser observada no chamado feito por lideranças de grandes igrejas para a manifestação de 7 de Setembro, em apoio a Bolsonaro.

“No início, a gente percebia um apoio maciço ao governo Bolsonaro. Isso diminuiu bastante. Tanto é que nessa nova convocação que os pastores estão fazendo para as manifestações antidemocráticas do dia 7 de setembro, já se percebe que muitas igrejas que antes eram descaradamente apoiadoras do presidente não estão mais lá”, destaca, citando a ausência de chamados dos líderes das convenções mais importantes da Assembleia de Deus (Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil – CGADB e a Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de Madureira – Conamad), além das históricas Batista e do Evangelho Quadrangular.

Até o momento, pastores como Marcos Feliciano, Samuel Câmara (Convenção da Assembleia de Deus no Brasil), Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo), Claudio Duarte (Projeto Recomeçar), Jorge Linhares e Daniela Linhares (Igreja Batista Getsêmani), Renê Terra Nova (Ministério Internacional Restauração) e Estevam Hernandes (Renascer) lançaram chamamentos públicos para o protesto.

“Esse movimento em torno do 7 de Setembro faz barulho, mas não tem todo esse potencial dentro da fé evangélica”, avalia.

“Bolsonaro espiritualizou a política”

Outro elo do PT com evangélicos no Rio de Janeiro se dá por meio do pastor Daniel Elias, de Duque de Caxias. Ele nota que, no auge da campanha em 2018, precisou deixar a primeira igreja devido a perseguições de apoiadores do presidente. Hoje, ele vê o trabalho do grupo petista começando a melhorar o ambiente, antes totalmente hostil à esquerda.

“Fui muito atacado pelos bolsonaristas, e, com o passar do tempo, isso passou a me atingir emocionalmente”, conta o pastor, que pretende se desfiliar do partido e seguir somente com seu trabalho na igreja.

“O PT tem feito esse trabalho por meio do núcleo, e eu percebo que tem tido um efeito. É claro que esse diálogo vai acontecendo aos poucos. Vai ser um trabalho muito complicado, mas está tendo efeito, sim”, disse.

“O bolsonarismo pegou muito pesado. Bolsonaro espiritualizou a política, dizendo que o PT era do diabo, que crente de verdade não vota na esquerda. Isso foi falado pelas pessoas que o crente mais respeita, que são os seus pastores, são seus líderes, professores de escola dominical. Isso foi falado em uma pregação de culto de domingo, em um grupo de estudos bíblicos para obreiros, para adolescentes. Então estava ali o professor, o mestre, o pastor, dando escola bíblica para um monte de adolescente, com a Bíblia aberta e falando mal do PT”, lembra.

0

Compartilhar notícia