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Para aprovar reforma da Previdência, Guedes ouve a “velha política”

Planalto precisa do apoio de 308 deputados e 49 senadores, em duas votações, para que as mudanças propostas na aposentadoria saiam do papel

atualizado

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
Paulo Guedes – ministro da Economia
1 de 1 Paulo Guedes – ministro da Economia - Foto: Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Era para ser apenas mais um café da manhã na rotina do ministro da Economia, Paulo Guedes, no hotel onde ele “mora” quando está em Brasília, no meio da semana. Ao lado de sua mesa, porém, um rosto conhecido lhe chamou atenção. Sozinho, o ex-chefe da Casa Civil de Michel Temer, Eliseu Padilha, famoso pela habilidade em lidar com os humores e votações do Congresso, fazia seu desjejum. Padilha logo acenou: “Lembra de mim?”. Guedes não hesitou e foi até o “homem da planilha” pedir conselho: “Com quem devo falar no Congresso para aprovar a reforma da Previdência?”

Padilha nem precisou refletir. Abriu o manual da “velha política” e foi direto: “Procure os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Eduardo Braga (MDB-AM) e o deputado Arthur Lira (PP-AL).” Guedes ouviu, assentiu com a cabeça, agradeceu e foi embora.

O encontro ocorreu na quarta-feira da semana passada (29/05/2019). O ministro já tinha jantado com Renan e conversado duas vezes com Braga, em reuniões da bancada do MDB. Dias após receber a dica de Padilha, o titular da equipe econômica também teve uma reunião com parlamentares do PP de Lira.

Guedes conheceu Renan no fim do ano passado, em Brasília. De lá para cá, os dois trocam “diagnósticos”. O ex-presidente do Senado, no entanto, não assegura apoio integral às mudanças na aposentadoria propostas pelo governo. A cautela marca, ainda, o discurso de Braga e Lira sobre o assunto.

“Eu não tenho a pretensão de ser conselheiro do Paulo Guedes”, disse Renan à reportagem. “Não é possível fazer uma única reforma, nem dá para cobrir o déficit fiscal com a economia desabando”, emendou. Irônico, o senador afirmou que, antes de tudo, o governo precisa mesmo é ir atrás do apoio da bancada do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

“Em um cenário desses na política, que papel é reservado à oposição?”, provocou ele, na quarta-feira, ao assistir a um bate-boca entre o senador Major Olímpio (SP), que comanda a bancada do PSL, e a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso.

Adversário de Renan, Lira disse que, após a conversa de Guedes com deputados do PP, muitas dúvidas foram resolvidas. “Tenho mantido contatos diários com Rogério Marinho (secretário especial da Previdência e do Trabalho). Ninguém está mais atualizado do que ele”, afirmou o líder do PP na Câmara. “Nós somos a favor da reforma, mas é preciso tirar de lá o BPC (Benefício de Prestação Continuada), a aposentadoria rural e os Estados e municípios.”

Batizado de “Posto Ipiranga” na campanha eleitoral e, atualmente, chamado de “PG” por Bolsonaro, Guedes procura medir bem os passos em suas incursões pelo mundo político. Além de seguir os conselhos de Padilha, ele acatou a ideia do assessor especial Guilherme Afif Domingos e abriu as portas de seu gabinete. Desde fevereiro, quando o Congresso iniciou a nova legislatura, o ministro recebeu 312 parlamentares de vários partidos.

As reuniões seguem sempre o mesmo ritual. Senadores e deputados são acomodados ao redor de uma longa mesa oval. O ministro embala, então, seu pedido de apoio à aprovação da reforma da Previdência com a defesa do pacto federativo e da descentralização de recursos para Estados e municípios. “O senhor constrói o céu, mas nós, deputados, não teremos a chave dele. Então, vamos ajudar o governo a construir o céu e viver no inferno”, disse a Guedes o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA).

O Palácio do Planalto precisa do apoio de 308 deputados e 49 senadores, em duas votações, para que as mudanças propostas na aposentadoria saiam do papel. Rogério Marinho garantiu ao ministro, recentemente, que o número está “quase lá”, mas, nos bastidores, deputados dizem haver muito chão pela frente. Ao participar de uma audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, na terça-feira, Guedes usou uma imagem forte para comparar a situação do Brasil à de uma “baleia ferida” por golpes de arpão, que não consegue se mover.

“Paulo Guedes é meu amigo, mas ele usa a frase errada quando vem a público explicar a quase recessão que o Brasil vive. Ele fala: ‘Ah, é porque a Previdência está atrasada’. Só que a Previdência não está atrasada. Se eles tivessem se organizado, poderiam ter votado em março”, afirmou ao Estado o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Nas conversas em seu gabinete, Guedes sempre diz que consertar o Brasil não é questão “de direita nem de esquerda”, mas ouve queixas de muitos parlamentares preocupados em avalizar uma proposta com pouca aceitação popular. Ex-professor, ele adota o estilo “fala que eu te escuto” e procura convencer os mais resistentes.

“O ministro tem uma avaliação simplista, mas nós sabemos que não é bem assim”, argumentou a deputada Professora Dorinha (DEM-TO). “Muitos do nosso partido que fizeram a defesa cega da reforma trabalhista (na gestão de Michel Temer) perderam as eleições.” O próprio Rogério Marinho, então relator do tema na Câmara, foi derrotado, após oito anos de mandato. Não é só: dos 23 parlamentares que àquela época votaram a favor das mudanças na Previdência, na Comissão Especial, apenas cinco se reelegeram. Guedes, porém, sempre diz ser um homem de muita fé. E já virou adepto das planilhas de votos de Padilha.

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