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Análise: Bolsonaro faz governo ideológico e com simpatia do mercado

Em duas semanas no poder, presidente mantém discurso contra a esquerda, consegue boas notícias na economia, mas patina na política

atualizado

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
Presidente Jair Bolsonaro
1 de 1 Presidente Jair Bolsonaro - Foto: Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Duas semanas depois da posse de Jair Bolsonaro (PSL) no Planalto, pode-se dizer que o novo governo mostrou a cara ao Brasil e ao mundo. O balanço dos 15 primeiros dias confirma a orientação direitista de alguns setores e a sintonia da equipe econômica com o mercado financeiro. Revela, também, dificuldades na condução política, desacertos nas medidas anunciadas e no preenchimento de cargos.

As melhores notícias para Bolsonaro em sua estreia no comando da nação brasileira despontaram na economia. Mesmo sem formalizar propostas para equilibrar as contas do país, o ministro Paulo Guedes, responsável pela área, emitiu sinais que repercutiram positivamente no câmbio e na bolsa de valores.

Em mais um dia de otimismo no mercado, nessa segunda-feira (14/1) o dólar fechou em baixa de 0,33% e o índice Ibovespa subiu 0,87% e, com mais de 94 mil pontos, bateu novo recorde histórico. Esses movimentos reforçam tendências verificadas desde o dia 2 de janeiro.

Por enquanto, a variação favorável dos índices se deve à confiança dos agentes econômicos na equipe de Guedes. A boa vontade decorre, principalmente, das indicações emitidas pelo ministro de que o governo aprovará uma reforma da Previdência que ajude a equilibrar as contas públicas.

Vistas com pragmatismo, as perspectivas de mudança no sistema de aposentadorias e pensões encontram-se no campo das intenções. No cenário atual, não há segurança política no avanço das propostas de Guedes no Congresso. Nem mesmo dentro da equipe de Bolsonaro há consenso em relação às áreas que devem fazer sacrifícios para reduzir os gastos do setor.

As primeiras resistências à redução nos benefícios partiram dos militares. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva; o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz; e o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, por exemplo, pronunciaram-se contrariamente a alterações no sistema previdenciário das Forças Armadas.

Reações corporativas como a dos militares estão na origem de fracassos nas tentativas anteriores de aprovação de propostas semelhantes. Em outras oportunidades, outras categorias de servidores do Estado, como delegados, promotores e funcionários do Judiciário e do Legislativo, juntaram-se ao lobby fardado para barrar revisão de seus privilégios.

Plano das especulações
Como ainda se desconhece o pacote preparado por Guedes para a Previdência, também não se sabe o tamanho das pressões dos atingidos pelas mudanças. Na prática, somente depois da divulgação dessas diretrizes, será possível avaliar a viabilidade de implementação da reforma. Até lá, as previsões sobre a tramitação das medidas enquadram-se no plano das especulações.

Nesse ponto, o governo Bolsonaro precisou amenizar o discurso agressivo contra a “velha política”, muito usado na campanha vitoriosa no ano passado. A retórica eleitoral sucumbiu diante das lideranças tradicionais do Congresso.

No jogo pesado do Legislativo, pelo menos até agora, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ainda não demonstrou possuir traquejo suficiente para interferir nas disputas pelo comandos das Mesas Diretoras. Na Câmara, o PSL, legenda de Bolsonaro, decidiu apoiar a reeleição do atual presidente, Rodrigo Maia (DEM), herdeiro político das oligarquias que dominam o partido desde o tempo em que se chamava PFL.

Fenômeno parecido se dá no Senado, onde o veterano Renan Calheiros (MDB-AL) trabalha por mais um mandato e, com habilidade, acena para Paulo Guedes com facilidades na tramitação da reforma da Previdência.

Se, por um lado, a aproximação com Maia e Renan melhora as perspectivas no Congresso, por outro o gesto representa uma rendição do novo governo à política que prometeu combater. A experiência brasileira ensina que a prática do toma lá dá cá começa nesse tipo de relação.

Demissão na Apex
Com dificuldades no Parlamento, Bolsonaro também passa por turbulências na formação da equipe. Divergências internas provocaram embaraços nas nomeações e, em pelo menos um caso, houve demissão do primeiro escolhido. Foi o que se passou na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), onde Alex Carreiro perdeu o cargo poucos dias depois de assumir por causa de divergências com uma subordinada e com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

O chanceler desponta no novo governo como o mais ideológico titular da Esplanada dos Ministérios. Com pregação contra o “globalismo” e de combate ao “marxismo cultural”, ele é responsável pelos debates mais extremados destas duas semanas.

Araújo e Murilo Resende Ferreira, diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) foram indicados para os respectivos postos pelo escritor Olavo de Carvalho, guru intelectual de Bolsonaro e expoente do pensamento direitista contemporâneo.

Com esses nomes na equipe, o presidente da República confirma seu discurso nessa direção, mas se mostra contraditório em relação às críticas que faz à ideologização “de esquerda” dos governos do PT. Nesse aspecto, o chefe do Executivo nacional apenas inverte o sinal para a direita.

O presidente e os filhos ajudam a manter a tensão do debate com os adversários. Principalmente pelo Twitter, eles disparam mensagens que mantêm o clima de campanha mesmo depois de chegar ao Planalto. Isso ocorreu, por exemplo, depois da prisão, na Bolívia, do italiano Cesare Battisti.

A se julgar pelas duas primeiras semanas, nota-se que Bolsonaro, familiares e parte da equipe apostam no confronto para implantar suas propostas no país. Eles ainda estão aprendendo a governar.

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