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Ameaça de Bolsonaro de desobediência a ordens judiciais “marca hora” para impasse institucional

Na Paulista, presidente Jair Bolsonaro afirmou que não irá mais cumprir decisões judiciais do ministro do STF Alexandre de Moraes

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Fábio Vieira/Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido), durante discurso para apoiadores na manifestação contra o STF na Avenida Paulista 4
1 de 1 O presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido), durante discurso para apoiadores na manifestação contra o STF na Avenida Paulista 4 - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

A ameaça feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nessa terça-feira (7/9) de passar a não cumprir decisões proferidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes intensifica a crise entre os Poderes e coloca como questão de tempo um impasse institucional. Se o mandatário da República transformar a bravata em ação, joga para o Judiciário – ou para o Congresso, já que desobediência a ordens judiciais é crime de responsabilidade e pode embasar um processo de impeachment – a obrigação constitucional de puni-lo, sob pena de transformar ordens judiciais de qualquer instância em pura fantasia. Se a Justiça decidir sancioná-lo, contudo, pode dar o argumento que falta ao chefe do Executivo nacional para executar a ruptura que vem insinuando há semanas, avaliam especialistas consultados pelo Metrópoles.

O cientista político e professor do Insper Carlos Melo recorre a um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no último dia 28 de agosto, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, para avaliar que, com os discursos dessa terça-feira, Bolsonaro colocou a democracia na mira.

No texto citado por Melo, Lewandowski relembrou que, na Roma antiga, para segurança do governo, existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão. Porém, em 49 a.C., o general Júlio César atravessou o rio, depôs o governo e instaurou ditadura.

“Tudo indica que o discurso de Bolsonaro atravessou o Rubicão”, diz o cientista político. “Essa história de convocação do Conselho da República é estapafúrdia, absolutamente estapafúrdia. Uma reunião do Conselho da República é convocada para decretar estado de emergência, estado de sítio, mas não há hoje uma situação explosiva nas ruas que exija isso.”

Bolsonaro discursou nesse 7 de Setembro a milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo. Muitos manifestantes declararam apoio ao governo federal e pediram, sob o grito repetido de “Eu autorizo”, o fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar. Por sua vez, o presidente flertou abertamente com o discurso golpista, atacou Moraes e afirmou que jamais será preso por “canalhas”.

“Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá [ordens emitidas pelo ministro do STF]. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. […] Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”, atacou o presidente, aos berros, no discurso a apoiadores concentrados no coração de São Paulo.

Crime de responsabilidade

“É desobediência civil. O presidente, como qualquer cidadão, tem de respeitar qualquer decisão judicial. As prerrogativas de um presidente da República não incluem inimputabilidade, não há salvo-conduto. Se ele assim fizer, incorrerá em crime de responsabilidade”, explica o cientista político Márcio Coimbra. “Toda bravata que ele solta é fragilidade. Cada vez que Bolsonaro sobe o tom é porque está mais vulnerável, e, hoje, foi o dia em que Bolsonaro esteve em maior vulnerabilidade”, completa Coimbra, coordenador da pós-graduação de relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie.

Como revelou o colunista Igor Gadelha, do Metrópoles, Bolsonaro também pretende pedir ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, hoje comandado pelo delegado da Polícia Federal Anderson Torres, que publique portaria orientando a PF a não cumprir ordens “em flagrante conflito com a Constituição e as leis brasileiras”.

O discurso já ecoou dentro do Legislativo e do Judiciário. Os 10 ministros da Suprema Corte [uma vaga está aberta desde a aposentadoria de Marco Aurélio Mello] se reuniram na noite dessa terça-feira para alinhar a reação a Bolsonaro, e o presidente Luiz Fux fará pronunciamento nesta quarta-feira (8/9), na abertura da sessão de julgamentos do dia. Partidos que hoje não fazem oposição formal ao governo, como Solidariedade, MDB e PSDB, decidiram consultar as bancadas sobre a adesão a um processo de impeachment do presidente da República.

“O MDB respeita divergências programáticas, mas se aferra à Constituição que determina a independência harmônica entre os poderes. Contra isso, o próprio texto constitucional tem seus remédios em defesa da democracia, que é sinônimo da vontade do povo”, disse o presidente nacional do MDB, deputado federal Baleia Rossi, no Twitter. Na mesma rede social, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, cobrou que os presidentes do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), “tomem posição” em relação às falas de Bolsonaro.

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Quem julga quem?

Doutor em direito e coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Luiz Fernando Pereira também afirma que a ameaça de Bolsonaro é crime de responsabilidade, pois atenta contra a Constituição Federal, o que é motivo para impeachment, conforme o artigo 4 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.

“Não existe ‘decisão de Alexandre de Moraes’, existe decisão judicial. Ele [Alexandre de Moraes] decide pelo Supremo. Legalmente, essas decisões estão sujeitas a recurso, caso a defesa não concorde. O presidente da República não pode filtrar as decisões que vai, ou não, cumprir”, enfatiza, ao relembrar que os mandados de busca e apreensão e de prisão autorizados recentemente por Moraes contra apoiadores do mandatário do país são objetos de pedidos da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Não compete ao Poder Executivo julgar o Judiciário. É exatamente o contrário”, diz o advogado Camilo Onoda Caldas, sócio da Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, em conversa com o Metrópoles.

Doutor em direito pela USP, o constitucionalista também afirma que a ameaça do presidente Jair Bolsonaro, sobretudo se cumprida, provoca reação do STF. “Os discursos feitos em Brasília e na Paulista provam que Bolsonaro está decidido a continuar escalando a tensão contra os Poderes. Ele dobrou, triplicou, a aposta. Agora, ele mostra de uma maneira bem clara que está flertando com uma ruptura institucional”, complementa o especialista.

Preço cada vez mais alto

Para o cientista político João Feres, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o preço para apoiar o presidente Bolsonaro está cada vez mais alto.

“A situação acirra o conflito institucional. Mas sobre o risco que ele corre de ser aberto um processo de impeachment, a gente continua com o mesmo obstáculo, que é o presidente da Câmara tomar uma atitude. A quantidade de crimes que Bolsonaro cometeu é enorme, sobretudo durante esta pandemia. Mas a situação piora para ele, torna o conflito mais quente. Então, o preço do Lira está crescendo mais do que a inflação. O Centrão está jogando aquele jogo de sugar até a última gota para depois pular fora do barco”, pontua o cientista político.

“Atacar Alexandre de Moraes é muito razoável na cabeça do presidente. Faz muito sentido. Ele é quem preside o Inquérito das Fake News e quem presidirá as eleições do ano que vem. Então o presidente, de maneira profilática, deslegitima a figura de Moraes para deslegitimar as eleições”, complementa o professor em ciência política da Universidade Federal de Pernambuco Arthur Leandro.

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