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Em sigilo, Alcolumbre tenta efetivar afilhados sem concurso no Senado

Processo beneficiaria atual chefe de gabinete da Presidência, Paulo Boudens, e o assessor Luiz Carlos Kreutz, ambos indicados pelo senador

atualizado

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Michael Melo/ Metrópoles
Davi Alcolumbre
1 de 1 Davi Alcolumbre - Foto: Michael Melo/ Metrópoles

Dois servidores do alto escalão do Senado Federal tentam ser efetivados no quadro funcional da Casa sem concurso público. Funcionários comissionados do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) desde 2015, Paulo Augusto de Araújo Boudens – atual chefe de gabinete da Presidência do Senado – e o secretário parlamentar Luiz Carlos Kreutz podem ser beneficiados por processo que corre em sigilo no Congresso Nacional.

Metrópoles teve acesso à integra do documento, mantido em segredo, que leva o número 00200.004127/2019-60. Uma falha no sistema eletrônico da Casa, no entanto, revelou o teor do pedido. Embora ainda esteja em fase de tramitação, já percorreu diversas instâncias, incluindo a Diretoria-Geral, a Secretaria-Geral de Pessoas, a Advocacia-Geral e a até mesmo a Presidência do Senado Federal.

O pedido foi protocolado pelos interessados ainda em 2015. No entanto, apenas no último dia 1º de abril, a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, despachou o pedido para o advogado-geral, Fernando César de Souza Cunha. A ação ocorreu justamente três meses após Alcolumbre ser eleito para o comando da Casa.

Reprodução / SFPós-eleição
No dia 25 de fevereiro, 20 dias depois da mudança da Presidência do Senado, o processo que envolve as duas pessoas de confiança de Alcolumbre chegou à instância máxima da Casa e passou a ter encaminhamento célere. Apenas como comparação: antes de voltar a tramitar, o caso estava parado nas gavetas da Presidência da Casa desde 21 de outubro de 2015.

Como justificativa do ato, o texto cita o acórdão número 3087/2017 do Tribunal de Contas da União e a Resolução do Senado Federal número 65/2010. A decisão dos ministros da Corte de Contas da União sustenta que “é lícito, em tese, estender tal direito a servidores que, embora ainda não tenham obtido o reconhecimento administrativo, mantêm, até hoje, vínculo ininterrupto de trabalho com o Senado: sob o regime celetista; ou ocupando cargo em comissão; ou ocupando cargo efetivo por determinação judicial provisória”.

Antes do Senado Federal, ambos os comissionados tiveram cargos na Câmara. Paulo Boudens integra a equipe de Davi Alcolumbre desde 2012, época em que o congressista ocupava uma cadeira do Amapá entre os deputados. O processo avalia, portanto, se a experiência profissional dos aliados pode ser incluída na exceção criada pelo TCU.

Atualmente, os dois afilhados de Alcolumbre ocupam cargos de destaque na estrutura administrativa do Senado Federal. Por ser chefe de gabinete da Presidência, Paulo Augusto Boudens recebe um salário bruto mensal de R$ 26.956,86. Já Luiz Carlos Kreutz recebe R$ 17.992,56, ainda sem contar com os descontos. As informações estão publicadas no Portal da Transparência do Senado Federal.

De acordo com o regimento interno da Casa, “a chefia de gabinete pode ser exercida tanto por servidor efetivo quanto por servidor comissionado. É uma prerrogativa do parlamentar a designação do chefe de gabinete. As atribuições da chefia de gabinete são: dirigir, controlar, supervisionar, coordenar, planejar e orientar a execução das atividades de assessoria, assistência e apoio ao exercício do mandato parlamentar. Sua competência abrange as atividades legislativas, administrativas, operacionais, estratégicas e de divulgação”.


“Trem da alegria”

A Lei Federal 8.112/90, a qual trata do regime jurídico dos servidores públicos, estabelece que “a nomeação para cargo de carreira ou cargo isolado de provimento efetivo depende de prévia habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, obedecidos a ordem de classificação e o prazo de sua validade”. Apesar da regra, casos conhecidos como “trem da alegria” efetivaram servidores comissionados que, até hoje, ainda brigam na Justiça sobre a legalidade ou não do ato.

O maior caso da história do Senado Federal se arrasta no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O processo, de autoria dos advogados Pedro Calmon e Jonas Candeia, foi apresentado em 1985 e contesta a efetivação como servidores, sem a realização de concurso público, de mais de 1,5 mil funcionários contratados pela Casa, no ano anterior.

Os servidores beneficiados com a canetada entraram com recurso e, desde 2014, a ação está parada e o imbróglio se alonga na Justiça. Caso a sentença fosse executada hoje, mais de 650 do total de servidores nomeados pelos atos seriam atingidos. Os números refletem os beneficiados pela medida que ingressaram no Senado entre outubro de 1983 e dezembro de 1984, segundo o Portal da Transparência da Casa.

Apesar de ser a maior, a medida não foi a única do tipo a ser realizada na Casa. Entre os nomes beneficiados pelos “trens da alegria” estão figuras conhecidas, como o ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Aparecem ainda na lista a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney e o ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia (PR), hoje deputado distrital. No caso mais recente, estagiários se tornaram servidores.

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“Despacho administrativo”
Procurada pela reportagem, a diretora-geral do Senado Federal, Ilana Trombka, afirmou que sua função é autorizar encaminhamento dos pedidos que chegam no órgão. “O pedido foi feito em 2015 e cabe à DGE [Diretoria-Geral do Senado] dar prosseguimento na tramitação. Não cabe a mim avaliar se será autorizado ou não, isso é competência da Advocacia-Geral, após estudo minucioso do tema”, disse. Atualmente, segundo Trombka, o processo aguarda o parecer jurídico da Casa.

Questionada sobre o fato de o processo ter sido despachado recentemente, embora tenha sido aberto em 2015, a diretora disse que não observa estranheza na evolução do rito processual justamente após a chegada do novo presidente da Casa.

“Como falei, não cabe fazer juízo. O pedido foi feito e, dentro da legalidade, será aprovado ou não. Nem sempre algo que é solicitado é deferido”, acrescentou. Diretora do Senado desde os tempos do ex-presidente Renan Calheiros (MDB), Ilana costura internamente a permanência no cargo.

Foram acionados tanto assessoria de imprensa do Senado quanto os servidores interessados no processo. Por telefone, a assessoria de Alcolumbre informou que os dois estão em viagem ao interior do Amapá (AP) com o senador.

A assessoria do Senado informou apenas que o processo está pendente de análise jurídica, “o que ensejará a consequente elaboração de parecer jurídico para subsidiar a deliberação da autoridade competente”.

A assessoria do presidente não retornou os pedidos de entrevista.

O último concurso público realizado pelo Senado Federal foi em 2012 e teve 157.939 inscritos para as 246 vagas, ou seja, 640 candidatos por vaga. Em 2008, por exemplo, o concurso do Senado registrou 42.967 cadastros para 150 vagas. A concorrência média foi de 286,4 candidatos por vaga.

Material cedido ao Metrópoles
Tramitação do “trem da alegria”: parado desde 2015, despachos foram retomados após Alcolumbre assumir a presidência do Senado


“Completo absurdo”

Para o fundador da Organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, por mais que o ato se respalde em decisões fundamentadas, a manobra será considerada como “amoral”sob o ponto de vista da sociedade.

“Na prática, isso será um minitrem da alegria, na verdade um vagão da alegria. Pode até ser quer eles se enquadrem na qualificação técnica, tenham competência; mas, sob o ponto de vista da transparência, isso é um completo absurdo”, disse.

De acordo com o economista, caso o processo seja aprovado em todas as instâncias internas, haverá a criação de um precedente perigoso sob a ótica da administração pública. “É completamente estranho um presidente recém-empossado, que ergue a todo momento a bandeira moralista, agora tentar efetivar dois assessores que o acompanham há anos, o que pode realimentar outros pedidos semelhantes, incluindo da própria Câmara dos Deputados. É um erro político absurdo de um comandante do Senado tocar uma iniciativa como essa”, emendou.

Atos secretos
Em 2009, um escândalo marcou a gestão do ex-presidente José Sarney (MDB). Atos administrativos secretos foram revelados pela imprensa. Eles eram usados para nomear parentes, amigos, criar cargos e aumentar salários de pessoas ligadas aos senadores. Levantamento feito por técnicos do Senado detectou, na época, cerca de 300 decisões que não foram publicadas, muitas adotadas há mais de 10 anos. Essas medidas entraram em vigor, gerando gastos desnecessários e suspeitas da existência de funcionários fantasmas.

Cartões corporativos
Recentemente, o Metrópoles noticiou o excesso de gastos dos cartões corporativos em posse do alto escalão administrativo do Senado Federal. A reportagem mostrou que esses cartões foram usados para compras que não tinham a ver com o exercício da atividade parlamentar, como a aquisição de whey protein, sabonete líquido, flores, mix de castanhas e chocolate fit.

Essas revelações vieram à tona em uma auditoria realizada na Casa no fim de 2018. Como esses gastos irregulares oneram os cofres públicos, uma vez detectados, segundo informou o Senado, é necessário que sejam ressarcidos.

Após a publicação da reportagem, o Senado Federal deu início a uma revisão em todas as notas fiscais de alimentação pagas com cartões corporativos entre 2014 e 2019. O objetivo foi descobrir se servidores fizeram despesas pessoais com dinheiro público e, caso a irregularidade seja constatada, exigir a devolução da verba.

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