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Bancadas “Boi, Bala e Bíblia” usam denúncia para pressionar o governo

Essas frentes parlamentares abrigam 80% dos 213 deputados que não declararam publicamente como vão votar sobre a admissibilidade da acusação

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Votação na Câmara dos Deputados do impeachment ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff – Brasília – DF 17/04/2016
1 de 1 Votação na Câmara dos Deputados do impeachment ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff – Brasília – DF 17/04/2016 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

As principais frentes parlamentares da Câmara dos Deputados reforçaram nos dois últimos meses as demandas por pautas de seus interesses no governo federal. A investida coincidiu com a delação do Grupo J&F e o início da tramitação da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer (PMDB-SP) por corrupção passiva. Nesta quarta-feira (2/8), os deputados deverão analisar, no plenário da Casa, a admissibilidade da acusação.

As chamadas bancadas “BBB” (Boi, Bala e Bíblia), que se organizam para defender temas ligados ao agronegócio, à segurança pública e à religião, abrigam 80% dos 213 deputados que não declararam publicamente como vão votar a respeito da admissibilidade ou não da acusação formal, segundo o Placar do jornal O Estado de S. Paulo.

Além de distribuir emendas parlamentares e de receber mais de uma centena de deputados, Temer já atendeu algumas reivindicações das frentes e indica que poderá apoiar outras demandas históricas dos grupos. A sinalização mais clara foi dada à bancada ruralista, a mais organizada e combativa da Câmara, formada por 205 deputados.

Para barrar o prosseguimento da denúncia na Casa, o presidente precisa de um mínimo de 172 votos. A admissibilidade da acusação requer um mínimo de 342 votos. O governo está confiante de que a denúncia será rejeitada.

A expectativa, contudo, é de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente ao menos uma nova acusação formal contra o presidente, que ainda é investigado pelos crimes de obstrução da Justiça e organização criminosa. Esta situação intensificou o clima de cobrança na Câmara.

No mês passado, em meio à tramitação da denúncia, Temer destravou os principais itens da chamada “Pauta Positiva” apresentada pela Frente Parlamentar pela Agropecuária em maio de 2016 ao então vice-presidente. Isso ocorreu uma semana antes do afastamento de Dilma Rousseff (PT) da presidência da República.

Entre os itens da pauta, foi sancionada no último dia 11 a medida provisória que permite a legalização em massa de áreas públicas invadidas, apelidada por ambientalistas de “MP da Grilagem”. Oito dias depois, Temer aprovou parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que determina que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deve balizar próximas demarcações.

O governo também encaminhou neste mês de julho ao Congresso um Projeto de Lei que altera os limites da Floresta Nacional do Jamanxim e cria uma Área de Proteção Ambiental de mesmo nome, no Pará. Na prática, o governo propõe o aumento da área passível de ser desmatada, o que gerou protestos de ambientalistas.

O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da Frente Parlamentar Mista da Agricultura destaca avanços nas negociações com o governo Temer em relação a demarcação de terras indígenas, venda de terras para estrangeiros, licenciamentos ambientais e anistia às dívidas de agricultores com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), entre outras.

“Estamos mantendo um bom diálogo com o governo em diversos aspectos, principalmente em pautas que não avançavam há muito tempo”, avaliou Leitão.

Pressões
A Frente Parlamentar Evangélica conseguiu em junho que o Ministério da Educação determinasse a retirada de circulação de mais de 90 mil livros didáticos de conteúdo considerado impróprio pelos religiosos. A ação foi uma demonstração de força dentro da Comissão de Educação e mostrou a disposição do governo em dialogar com o grupo.

O deputado Alan Rick (DEM-AC), integrante da frente, afirmou que na volta do recesso a bancada deve concentrar suas atenções para proposições ligadas à descriminalização do aborto — mais especificamente o Estatuto do Nascituro, que, na prática, transformaria o aborto em crime hediondo.

Em tramitação desde 2007, e já com parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o projeto deve ir ao plenário da Câmara tão logo a denúncia contra Temer seja um assunto do passado. Rick acredita que o Estatuto terá apoio do governo e de sua base. “Já conversei com o presidente e ouvi que ele, pessoalmente, é contra o aborto. Por isso, estou confiante que iremos conseguir barrá-las com o apoio do governo.”

Sem ter suas pautas atendidas de forma tão direta, a Frente Parlamentar da Segurança Pública projeta para o segundo semestre uma resposta do governo à sua principal demanda: a revogação do Estatuto do Desarmamento.

O grupo quer que o projeto do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que flexibiliza pontos do Estatuto do Desarmamento, seja lavado ao plenário. Entre os principais pontos estão o fim da obrigatoriedade da renovação do registro de armar e a redução da idade mínima para compra de armas de 25 para 21 anos.

“Temos que insistir na votação da flexibilização do Estatuto. O governo não pode ser tão reticente ao tema”, ressaltou o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública. “Antes era o viés da omissão. Agora, ao menos, estamos trazendo essas questões para o debate”, completou.

Negativa
Questionada sobre a pressão das bancadas “BBB” e a vontade do governo em atendê-las, a assessoria do Palácio do Planalto informou, por meio de nota, que Michel Temer sempre recebe parlamentares em audiência para tratar de temas de interesse da população. E acrescentou que as decisões do presidente não têm relação com as frentes a que os deputados pertencem.

“Não existe relação entre as ações do Governo Federal na área de Meio Ambiente e votos de parlamentares em qualquer tipo de matéria.”

No caso de Jamanxim, o Planalto diz que buscou o “equilíbrio para atender aos moradores assentados há décadas no Jamanxim e para manter a proteção ambiental”. A decisão garantiria “a preservação de parte da aérea de reserva sem punir os brasileiros que vivem e têm atividades produtivas na região.”

Sobre o recolhimento do livro Enquanto o Sono não Vem, o Ministério da Educação confirma que ele ocorreu a pedido da bancada evangélica, mas afirma que a decisão obedeceu a critérios técnicos.

“Com base em parecer técnico da Secretaria de Educação Básica (SEB), o ministro da Educação, Mendonça Filho, decidiu recolher os 93 mil exemplares do livro Enquanto o Sono Não Vem, distribuídos pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).” O parecer consideraria a obra “não adequada para as crianças de 7 a 8 anos do ensino fundamental, pela abordagem do tema incesto”.

Oposição
Para a deputada Érica Kokay (PT-DF), integrante de frentes ligadas aos Direitos Humanos e de defesa das questões indígenas, as frentes ruralista e religiosa são mais fortes do que os próprios partidos e, por isso, “é natural” que o presidente se dirija a elas na hora de negociar sua sobrevivência. “Essas bancadas estão claramente ‘colocando um ‘preço’.”

Para Antonio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a fim de garantir apoio dos grupos de pressão, Temer está se comprometendo agora a encampar a agenda dos partidos conservadores, mas vai colocar os temas da bancada BBB na pauta só depois de aprovar as reformas.

“A prioridade de Temer nesse momento é sobreviver. Por isso, a agenda prioritária será a do mercado. Mas passada a agenda das reformas, o PSDB deve desembarcar do governo. Ele ficará, então, nas mãos dos partidos mais fisiológicos e conservadores. Nesse momento ele vai encampar as demandas das frentes.”

Já o sociólogo Murilo Aragão, da consultoria Arko Advice, avalia que as demandas dos grupos de pressão são mais um elemento nas negociações. “A agenda do agronegócio deve avançar. A bancada ruralista é muito organizada. Já a evangélica é mais difusa.”

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