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Pela primeira vez, Goiás terá um presídio sem vigilância armada

Unidade prisional deve ser inaugurada até agosto com 120 vagas. Objetivo é alcançar ressocialização prevista em lei instituída em 1984

atualizado

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Divulgação: TJGO
Obra de primeiro presídio de Goiás sem vigilância armada, em Paraúna
1 de 1 Obra de primeiro presídio de Goiás sem vigilância armada, em Paraúna - Foto: Divulgação: TJGO

Goiânia – Pela primeira vez em Goiás, um presídio será inaugurado sem vigilância armada e com foco na ressocialização, em Paraúna, região sul do estado, a 159 km da capital goiana. Segundo o projeto, 120 pessoas vão cumprir pena nos regimes aberto, semiaberto e fechado, na unidade prisional, que tem previsão de ser concluída até outubro deste ano.

Com 55% concluída, a obra tem custo estimado de R$ 1,2 milhão, de acordo com o presidente regional da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), Leandro Gomes Pereira. Alternativa ao “pesadelo” das prisões, o projeto já existe em outros estados, como Maranhão, Ceará e Paraná e Minas Gerais, o primeiro a implementar o modelo no Brasil, em 2013.

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Concepção

O modelo é desenvolvido pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (Fbac), que agrega as Apacs do mundo. Em Goiás, é encabeçado pelo Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho de Segurança. Os recursos são oriundos de acordos de não persecução penal, entre outros. Não há verba do governo estadual.

O novo presídio busca colocar em prática, de fato, o que é previsto na Lei de Execução Penal, instituída ainda em 1984. Representa, conforme a nova proposta, o primeiro passo para superar uma política de segurança pública nacional focada no encarceramento em massa de pessoas, que, na maioria das vezes, cumprem pena em presídios com superlotação. Goiás tem 21 mil presos, quase o dobro do número de vagas.

“Difícil de aplicar”

“Não há nada novo. Tudo é previsto na Lei de Execução Penal. A diferença é que, realmente, é difícil de aplicar, na prática, o modelo tradicional”, diz a juíza Wanderlina Lima Morais, titular da comarca de Paraúna e que conheceu o modelo alternativo quando ainda era magistrada em Minas Gerais, em 2013.

Pelo modelo alternativo, de acordo com a Fbac, o índice de reincidência é de 15% contra 85% do sistema regular. A proposta se baseia em um método chamado de apaqueano, que, basicamente, compreende o envolvimento dos próprios presos em todas as tarefas de manutenção do presídio, como a limpeza, organização e cozinha.

“Bicho feroz”

Leandro Gomes, da Apac, cita uma abordagem behaviorista, segundo a qual todos os comportamentos refletem experiência e condicionamentos, ao exemplificar o método apaqueano. “Imagine um cachorro. Coloque-o numa jaula, sem água ou comida. Se soltá-lo, ele vira um bicho feroz. Agora, trate-o bem. Seres humanos são assim também”, simplifica.

Dessa forma, no novo modelo, busca-se criar uma força de trabalho útil, diferente do trabalho vazio, o qual o filósofo Michel Foucault comenta na famosa obra Vigiar e Punir, livro que tece duras críticas ao sistema punitivo tradicional. “Todos são integrados à rotina da Apac, e se enxergam como parte de cada engrenagem”, conta o presidente da Apac em Goiás.

Com o emprego dos presos, chamados pela lei de “reeducandos”, o custo com cada um diminui, em média, de R$ 3 mil para R$ 1,2 mil ao ano, em relação às penitenciárias tradicionais. Os benefícios, conforme os defensores da ideia, também fortalecem a dignidade deles, que estimula o sentimento de reintegração à sociedade. “Nas Apacs, eles ficam de cabeça erguida. A família não os encara como prisioneiros, mas, sim, como trabalhadores”, diz Leandro.

Acolhimento

A participação familiar também é uma das chaves para a ressocialização, uma vez que, para a Apac, a solidão não é um fator operador da pena. Além disso, o novo modelo inibe toda forma de situação vexatória para os internos e seus familiares, que têm à disposição ajuda médica e psicológica.

“A visitas são feitas num ambiente acolhedor e humanizado, e os familiares não passam por revistas vexatórias. As visitas íntimas, inclusive, são pernoites, nas quais as companheiras podem ter tempo para conversar e estar, de verdade, com os reeducandos. As crianças, por sua vez, têm um parquinho”, conta a magistrada.

No entanto, para se garantir a série de vantagens, exige-se uma contrapartida do reeducando. Se há uma transgressão disciplinar ou desrespeito às normas internas, ele volta ao presídio comum. “Assim, cria-se senso de responsabilidade e de autodisciplina. Sabemos que o modelo não é para todos, há um perfil específico de reeducando para a Apac, para o qual é possível incentivar essa política”, destaca a Wanderlina.

Terceiro setor

Com mais da metade da obra concluída, o prédio da Apac de Paraúna vai abrigar 120 homens de todos os regimes de execução penal da comarca e região judiciária. A unidade terá 2,4 mil metros quadrados de área construída, em terreno de 24 mil metros quadrados.

O projeto arquitetônico foi elaborado de acordo com as normativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os recursos são oriundos de doações de órgãos públicos, entidades privadas e de acordos de não persecução penal e termos circunstanciados de ocorrência.

Foi preciso parcerias com associações civis, voluntários e poderes públicos municipais para colocar em prática a iniciativa, que prevê uma estrutura ampla e iluminada.

Supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado de Goiás (GMF), o desembargador Anderson Máximo de Holanda destacou que, apesar de ser incumbência do Poder Executivo a gestão dos presídios, a legislação permite parcerias com o terceiro setor. O objetivo, segundo ele, é fazer a política pública funcionar efetivamente.

Poder de decisão

O juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) Reinaldo Oliveira Dutra reafirmou a participação do Poder Judiciário. “A iniciativa é público-privada, e o compromisso e gestão são da Apac, mas quem decide quais são os presos que vão cumprir pena na unidade é o juízo local”, explicou.

As prisões são uma questão controversa desde quando se tornaram a principal metodologia punitiva na sociedade moderna, ainda no século 18, à medida que os suplícios em praça pública deixaram de ser a forma mais frequente de pena para os criminosos condenados.

Há mais de 200 anos, pensadores se debruçam sobre um problema mundial: a espiral de exclusão e segregação imposta aos detentos, como entrave à ressocialização, que agora se busca por meio das iniciativas de presídios sem vigilância armada.

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