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Nordeste fica só com 3% das concessões do Bolsa Família

Região concentra 36,8% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza; Sul e Sudeste ficaram com 75% das concessões

atualizado

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O governo Jair Bolsonaro (sem partido) priorizou Sul e Sudeste na concessão de novos benefícios do Bolsa Família em janeiro, em detrimento da Região Nordeste, que concentra 36,8% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza na fila de espera do programa.

Pelos dados fornecidos pelo Ministério da Cidadania ao Congresso e obtidos pelo Estadão/Broadcast, o Nordeste recebeu 3% dos novos benefícios enquanto Sul e Sudeste responderam por 75% das novas concessões. Para se ter uma ideia, o número de novos benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que o Nordeste e é governada por Carlos Moisés (PSL), foi o dobro do repassado à região nordestina inteira, cujos governadores são da oposição.

As informações foram comparadas com os dados oficiais disponíveis na internet. A série histórica mostra que houve um pico de novas concessões do Bolsa Família em janeiro que se refletiu em todas as regiões, exceto o Nordeste.

Nas eleições de 2018, a Região Nordeste foi a única que votou majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad. No segundo turno, o petista teve 69,7% dos votos válidos, ante 30,3% de Bolsonaro. Nas demais regiões, o atual presidente foi o vencedor. No Sul, conseguiu a maior vantagem: 68,3% ante 31,7% de Haddad.

Após eleito, Bolsonaro se envolveu em uma série de polêmicas com o Nordeste. Na mesma época, o Estadão/Broadcast revelou que a Caixa havia reduzido o volume de novos empréstimos para a região.

Em uma das ocasiões, sem saber que era gravado, Bolsonaro disse que “dos governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão”, em referência a Flávio Dino.

Fator de pressão
Agora, os dados mostram que o Nordeste tem ficado para trás nas novas concessões do Bolsa Família, num momento em que a fila de famílias que aguardam para ingressar no programa virou fator de pressão contra o governo. A gestão Bolsonaro trabalha numa reformulação do programa.

Enquanto o novo desenho não sai do papel, o alcance do Bolsa tem diminuído em todo o Brasil. Entre junho e dezembro, a concessão de novos benefícios despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil mensais.

Mas o governo encontrou espaço em janeiro para incluir no programa famílias que estavam à espera do benefício. Foram 100 mil contempladas — 45,7 mil delas no Sudeste, 29,3 mil no Sul, 15 mil no Centro-Oeste e 6,6 mil no Norte. O Nordeste recebeu 3.035 novos benefícios e manteve a média mais magra de meses anteriores.

“Os números mostram um favorecimento no pagamento do benefício aos eleitores de regiões fiéis ao presidente Bolsonaro. Cabe aos presidentes da Câmara e do Senado pedir explicações para manter a eficácia do programa”, critica o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

A distribuição chama a atenção porque é a Região Nordeste que concentra o maior número de famílias necessitadas e ainda desassistidas pelo programa. A região tinha, em dezembro do ano passado, 939,6 mil famílias em situação de extrema pobreza (com renda familiar per capita abaixo dos R$ 89 mensais) sem acesso ao Bolsa. Em todo o Brasil, são 2,39 milhões de famílias nessa situação.

O Sudeste, região mais atendida, também tinha volume considerável de famílias em extrema pobreza ainda sem inclusão no programa, mas em número ainda menor que no Nordeste: 868,3 mil. Já Região Sul tinha 186,7 mil famílias nessa condição de vulnerabilidade e foi a segunda maior beneficiada.

Segundo os dados de dezembro, havia ainda 1,18 milhão de famílias em condição de pobreza (com renda familiar per capita entre R$ 89 e R$ 178 mensais) que não recebem auxílio do programa social. Ao todo, 3,6 milhões de famílias no país faziam jus ao benefício e estavam cadastradas em dezembro de 2019, mas não receberam nenhum valor.

O professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a Região Nordeste está subestimada em três sentidos, uma vez que reúne 27% da população brasileira, tem taxa de pobreza mais elevada (22,2%, ante 11% na média do país) e foi uma das regiões mais afetadas pela crise econômica, com queda maior na renda das famílias.

“Tem um descasamento entre a oferta do programa e a necessidade das pessoas. Se imaginar onde os pobres estão, deveria ter 54% (de novas concessões para o Nordeste) em vez de 3%. Isso só pela fotografia de pobreza”, afirma.

Segundo Neri, o encolhimento do programa nos últimos anos já vinha representando um “ajuste em cima dos pobres”. Agora, o quadro de distribuição regional torna o problema maior, diz o professor. “O que está se vendo agora é que, no período recente, a rede está regionalmente mais distante de onde os pobres estão. É um movimento que está na contramão das necessidades da população”, afirma.

Para o economista Pedro Fernando Nery, é recomendável que o governo tenha “alguma justificativa técnica plausível” para a disparidade entre as regiões. “Se não tiver, acho que passa do limite da discricionariedade política e entra numa esfera perigosa de discutir a legalidade. Não é uma discricionariedade que nenhum gestor tem a de prejudicar uma determinada região”, diz.

Em nota, o Ministério da Cidadania diz que o processo de concessão de benefícios é “impessoal e realizado por meio de sistema automatizado que obedece ao teto das verbas orçamentárias destinadas ao programa”. O órgão não explicou o porquê da disparidade das concessões entre as regiões, mas afirmou que mais 185 mil famílias em todo o país passarão a receber o benefício em março.

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