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Garimpo não acaba com desmobilização no Rio Madeira; só se espalha

As centenas de balsas de garimpeiros que se reuniram perto de Manaus voltaram a circular por outros trechos do longo rio

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Garimpo fluvial em trecho do Rio Madeira amazonia
1 de 1 Garimpo fluvial em trecho do Rio Madeira amazonia - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Enviados especiais a Autazes (AM) – A imagem que mostrou ao Brasil e ao mundo a dimensão do garimpo de ouro na Amazônia se desfez, mas a atividade ilegal continua. As centenas de balsas que se juntaram em um trecho do Rio Madeira a cerca de 100 km de Manaus nas últimas duas semanas deixaram o local sob a ameaça de uma grande operação de forças federais, mas estão seguindo para outros pontos desse afluente do Rio Amazonas.

Vão em busca de novas áreas para revolver o fundo da água com dragas procurando o metal precioso – como fazem há pelo menos três décadas.

Os garimpeiros deixaram a região de Autazes, cidade de 40 mil habitantes no centro do Amazonas, entre quinta e sexta-feira (26/11), diante da ameaça de órgãos como Polícia Federal, Exército, Marinha, Força Nacional e Ibama de realizar uma grande operação no local.

Motivadas pela repercussão das imagens de centenas de balsas formando paredões no caudaloso Rio Madeira, as autoridades estavam se mobilizando para enviar um grande efetivo ao local para combater o garimpo. “O pessoal que está na ilegalidade vai ter embarcação apreendida”, ameaçou o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), na última quinta-feira (25/11).

Áudios de supostos garimpeiros conclamando resistência chegaram a ser noticiados e a circular em redes sociais, mas donos de embarcações ouvidos pela reportagem negaram essa possibilidade, alegando que seria loucura colocar em risco seus patrimônios flutuantes. As balsas equipadas com motores e um sistema para filtrar a água e procurar o ouro na areia custam entre R$ 100 mil e R$ 300 mil.

“São oito, 10 anos para montar uma balsa dessas, e daqui tiramos o sustento da nossa família. Não buscamos embate nenhum, queremos só trabalhar”, argumentou o garimpeiro amazonense Henrique, de 26 anos, que há dois trocou uma vida de bicos que não lhe rendiam R$ 1 mil por mês, segundo conta, pela renda no garimpo, que, ainda de acordo com ele, garante uma renda mensal de cerca de R$ 4 mil.

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O Madeira, que nasce na porção boliviana da Cordilheira dos Andes (onde se chama Beni) e atravessa mais de 3 mil km por Rondônia e Amazonas, é explorado por milhares de garimpeiros. Em Autazes, após circular entre eles a notícia de que havia muito ouro, se reuniram aproximadamente 600 balsas.

Se elas carregarem em média três garimpeiros (estimativa conservadora) cada, eram ao menos 1.800 garimpeiros reunidos. Outros continuaram chegando até a última quarta-feira (24/11), e mais desistiram de concluir a viagem ao saber da ameaça de fiscalização.

Não se sabe ao certo quantos garimpeiros atuam na região, mas estudo publicado em dezembro de 2020 pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg) mostrou que a Amazônia tinha 4.472 locais de garimpo ilegal identificados, mais da metade (2.576) em território brasileiro.

Agora, as balsas seguirão para outros locais, e, de acordo com garimpeiros ouvidos pelo Metrópoles, deverão evitar por algum tempo grandes aglomerações, para tentar não chamar tanta atenção da mídia e das autoridades.

O garimpo de ouro no Madeira e em outros rios amazônicos, apesar de intensamente praticado, é ilegal. A ausência de fiscalização e a falta de outras opções de trabalho rentáveis para os garimpeiros, porém, tornam essa proibição quase que letra morta.

Os garimpeiros com quem a reportagem conversou contam passar anos sem enfrentar qualquer tipo de fiscalização – e relatam achaques e extorsões de policiais nas vezes em que são abordados. “E nem temos para quem reclamar, eles falam que os errados somos nós e levam o que acharem. Celular bom, se tiver, dinheiro, ouro”, afirma um deles.

A pressão social exercida por esses milhares de garimpeiros também leva a idas e vindas na legislação. Em 2017, o então governador do Amazonas Amazonino Mendes (Podemos) legalizou a exploração de ouro no Madeira usando a questão social como justificativa. A decisão veio após graves conflitos em Humaitá, no sul do Amazonas, onde garimpeiros indignados com ações de fiscalização incendiaram as sedes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Biodiverdidade (ICMBio).

Essa legalização, porém, não durou nem um ano e foi derrubada pela Justiça, gerando mais reclamações dos garimpeiros, que alegaram ter investido na atividade com a bênção do poder público.

Os riscos ambientais

Os garimpeiros fluviais alegam que sua atividade não é destrutiva como a extração de minérios e pedras preciosas em terra firme. O problema, porém, segundo os órgãos ambientais, é a utilização do mercúrio na etapa final de separação de areia e ouro. Se jogado na água, esse elemento químico acaba contaminando peixes e outros organismos aquáticos, que compõem a base da alimentação de populações ribeirinhas. Tóxico, o mercúrio causa lesões nos órgãos.

Os garimpeiros garantem, porém, que não jogam o mercúrio no rio. “É muito caro, difícil de comprar [pois ilegal]. O quilo custa até R$ 1.500. A gente usa ele no processo e depois recolhe, dá para recolher praticamente tudo, para usar de novo. Seria loucura desperdiçar o azougue [como é chamado o mercúrio na região], além do que a gente sabe que faz mal para a natureza. Não somos essas pessoas insensíveis com a natureza que pintam na mídia, a gente depende do rio para viver, para se sustentar. A gente tenta impactar o mínimo possível”, argumenta Henrique.

O impacto social e econômico

A corrida do ouro foi rápida em Autazes, mas impactou a cidade, que só é acessível por barco ou balsa. Moradores, comerciantes e funcionários de comércios com os quais a reportagem conversou mostraram sentimentos mistos. A chegada dos garimpeiros movimentou a economia.

Cada balsa, segundo os garimpeiros, consome em média R$ 1 mil em insumos (combustível, mantimentos, peças) por semana. Taxistas, barqueiros e vendedores de comida conseguiram lucrar nessas duas semanas o que costumam demorar meses para ganhar. Para eles, a partida dos garimpeiros é algo a se lamentar. Para outros, porém, o garimpo trouxe muito medo.

“Foi horrível trabalhar no fim de semana passado. A cidade ficou completamente lotada de garimpeiros. Eu atendi eles porque é o meu trabalho, mas em muitos momentos ficava quase que paralisada pelos olhares, pela presença deles. São pessoas de índole ruim”, afirmou uma garçonete. Ela disse, porém, não ter sido diretamente assediada por nenhum dos garimpeiros.

“Não vou dizer que todo garimpeiro é santo, mas é muito injusto todos serem tratados dessa forma por causa do comportamento de alguns. A maioria aqui quer sustentar sua família com dignidade. Eu mesmo viajo com a minha família. É triste viver sem ser respeitado, é custoso”, comentou um garimpeiro ao ouvir o relato sobre as reclamações de alguns moradores.

As autoridades federais que planejavam a operação em Autazes ainda não se posicionaram sobre a desmobilização e espalhamento de garimpeiros pelo Rio Madeira nem disseram se há planos para combater o garimpo ilegal ao longo do curso d’água.

Em Autazes, policiais federais e outros agentes públicos estiveram apenas para apurar a situação, sem mostrar ostensivamente que eram homens da lei. De agentes públicos, a reportagem presenciou apenas a vinda de policiais militares para a cidade, mas eles não atuaram contra o garimpo.

A prefeitura de Autazes enviou representantes para o local do garimpo, mas também não atuou pela desmobilização. Agentes de saúde, por exemplo, foram ao local oferecer atendimento e vacinas aos interessados.

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