metropoles.com

O drama das meninas que se casam crianças

A união de uma garota com um homem muito mais velho é associado a condições financeiras precárias

atualizado

Compartilhar notícia

Istock
341
1 de 1 341 - Foto: Istock

Raquel (nome fictício) observa a massinha de modelar entre as mãos e brinca de criar formas enquanto fala sobre o dia em que foi estuprada aos 10 anos, em Cajazeiras, distrito onde mora na zona rural de Codó (MA). O rapaz, então com 19 anos, fugiu. Ela engravidou. “A médica disse que não tinha espaço para sair o bebê por parto normal, então fiz cesárea”, conta. A filha nasceu e foi cuidada pela avó.

Aos 13, foi morar com Raimundo, um pedreiro de 35 anos que conheceu na casa vizinha. E engravidou novamente. Ela foi novamente vítima de estupro – mesmo em união informal, o caso configura estupro de vulnerável pelo Código Penal, por envolver sexo com uma pessoa menor de 14 anos.

A história de Raquel compõe o retrato de uma realidade quase invisível no Brasil, apesar de ser uma prática antiga e com dimensão global: o casamento infantil. No País, há poucos dados disponíveis para dimensionar o problema. Dados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, os últimos disponvieis, indicam que 877 mil mulheres que têm hoje entre 20 e 24 anos se casaram quando tinham até 15. O próprio governo federal admite não saber quem são e onde estão as meninas casadas.

Segundo o primeiro estudo feito no País especificamente sobre o tema, realizado pelo Instituto Promundo entre 2013 e 2015, Maranhão e Pará são os Estados com maior prevalência de uniões precoces. O levantamento mostra que as meninas se casam e têm o primeiro filho, em média, aos 15 anos. Os homens são nove anos mais velhos.

A pesquisa sugere que o casamento de uma menina com um homem muito mais velho – o caso de Raquel – é associado a condições financeiras precárias da família da garota. O homem mais velho surge como alguém capaz de fornecer apoio financeiro a ela e aliviar sua família de sustentá-la.

Carência de políticas públicas
O governo federal não sabe quem são nem onde estão as crianças e adolescentes que se casam precocemente no Brasil. Também não há políticas públicas para o enfrentamento do casamento infantil, admite a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos, Berenice Gianella.

Em janeiro, o governo fechou um acordo de cooperação com o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) para realizar, no período de um ano, uma pesquisa para apontar as motivações do casamento precoce no País e recomendar políticas para atuação do governo. Segundo Berenice, há poucos anos o casamento infantil era tratado exclusivamente como problema de saúde. Mas, com o aumento da taxa de gravidez na adolescência, ficou claro que somente as campanhas de prevenção e a distribuição de métodos contraceptivos pelo Ministério da Saúde eram insuficientes.

Berenice explica que foi somente após os resultados da pesquisa Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência, do Banco Mundial, que o governo começou a encarar a questão como um problema social, mais do que de saúde. O estudo, divulgado em março de 2017, mostrou que, no País, 36% da população feminina se casa antes dos 18 anos.

“Isso foi um alerta. Sabemos que há casamento de crianças de 10, 11 anos. A pesquisa nos levou a pensar nessa política não apenas sob o viés da saúde e da assistência social, mas também dos direitos humanos da criança e do adolescente”, afirma Berenice.

Projeto de lei. A pesquisa também levou, no ano passado, à elaboração de um projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados, para proibir o casamento de menores de 18 anos sem exceção. No Brasil, o Código Civil permite, excepcionalmente, o casamento de homem e mulher aos 16 anos com o consentimento dos pais ou de um juiz e no caso de gravidez.

A lei, porém, somente se aplica aos casamentos registrados. A maioria das uniões entre jovens no Brasil, porém, é informal. “A lei tem essa função de nortear o que é certo e o que é errado. A legislação é importantíssima para dar o direcionamento”, afirma Paula Tavares, advogada e especialista em gênero do Banco Mundial.

Ela defende também legislação já adotada em outros países, como Uruguai e Equador, que preveem sanções a parentes, oficiais que registrem ou autorizem casamentos e até mesmo ao marido (quando maior de idade).

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?