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Dino deixa MJ sem câmeras nas fardas e com garimpo em terra Yanomami

Veja questões centrais da gestão de Dino no Ministério da Justiça com erros e acertos apontados por pessoas ligadas à segurança pública

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VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto
Foto colorida do ministro da Justiça Flávio Dino - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida do ministro da Justiça Flávio Dino - Metrópoles - Foto: VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, chega aos últimos dias no comando da pasta deixando marcas em diferentes áreas, mas também projetos incompletos, que foram prometidos até antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e acabaram não se desenrolando como previsto.

Dino não conseguiu, por exemplo, entregar a conclusão do caso Marielle e Anderson, a consolidação de um projeto de câmeras corporais nas polícias e a desintrusão da terra indígena Yanomami, com a retirada definitiva do garimpo ilegal.

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Já por outro lado, o futuro ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STF) deixa um Sistema Único de Segurança Pública (Susp) mais consolidado, com acordos importantes para irrigar os estados e o DF com investimentos, além de avanços inéditos na segurança nas redes sociais e um maior controle das armas de fogo no país.

A reportagem do Metrópoles acompanhou de perto o Ministério da Justiça durante esses 12 meses e conversou com pesquisadores de áreas relacionadas à segurança pública para avaliar a gestão de Dino no governo federal. Confira os principais pontos:

Câmeras corporais: passo tímido

O ministro Flávio Dino e integrantes da pasta prometeram diferentes formas de financiamento para câmeras nas fardas das polícias: o uso das câmeras como condição para receber verba do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e uma espécie de prêmio para o estado que aderisse a elas. Nenhuma das duas aconteceu.

De fato, houve discussões no Ministério da Justiça sobre o tema com representantes das polícias estaduais e recomendações para o uso, análise de empresas fornecedoras, encomenda de um estudo para uso na Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ficará pronto em abril de 2023.

“O passo que o Dino deu é tímido: divulgou protocolos de uso de câmeras. É um pequeno movimento”, avalia o professor da UnB e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Arthur Trindade.

Trindade explica que a questão das câmeras corporais passa por uma questão política, de decidir qual briga o governo federal vai comprar com os governadores.

Além disso, ele entende que a criação de um programa com uso do FNSP para pagar as câmeras é uma maneira mais viável do que condicionar repasses financeiros ao uso do equipamento. O governo federal tem o poder de induzir as políticas de segurança nos estados, mas não manda nos governadores e secretários de segurança pública.

Redes sociais: radicalismo e extremismo

Escritora e pesquisadora na área de radicalização, extremismo e terrorismo on-line, Michele Prado vê vários avanços na gestão de Flávio Dino no Ministério da Justiça para combater o extremismo violento, que alicia crianças e adolescentes na internet e, em casos graves, chega a ataques armados em escolas.

O Ministério da Justiça criou o programa Escola Segura diante de uma onda de ameaças a unidades de educação e o site De Boa Na Rede, com dicas práticas de cada plataforma para proteger crianças nas redes sociais.

“Aumentaram a interlocução com plataformas digitais (big e alt-techs) e algumas daquelas que se apresentam como hubs de radicalização online de crianças e adolescentes, como o Discord, inclusive atualizaram seus protocolos de segurança e confiança e criaram ferramentas importantes como o Central da Família Discord. Muitos avanços importantes que esperamos que sejam continuados na nova gestão do ministério”, avalia Michele Prado.

Pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital (USP) e da Social Change Initiative (Belfast), Michele lembra ainda há muito a se percorrer nesta área, como a criação de leis focadas em extremismo violento e terrorismo online, além de listas de designação de grupos e organizações terroristas.

Rio e Bahia: crise ou erro de comunicação?

Desde que o nome de Dino passou a ser cotado para ser indicado ao STF, o número dois do Ministério da Justiça, o secretário-executivo Ricardo Cappelli passou a ser uma espécie de candidato a ser o novo ministro no lugar de Dino. A estratégia não deu certo e o ministro escolhido foi o ex-STF Ricardo Lewandowski, que assumirá em fevereiro.

Para o professor Arthur Trindade, na ânsia de ser protagonista nas discussões sobre segurança pública no país, Cappelli acabou transformando problemas de segurança estaduais em questões de nível federal, que foram os casos da Bahia e Rio de Janeiro.

Na Bahia, pesquisa do FBSP mostrou que o estado se destacou nacionalmente no aumento da violência policial e homicídios, sendo que foi governada pelo PT por anos. Já no Rio de Janeiro, milicianos promoveram queimas de ônibus e de um trem e traficantes mataram um grupo de médicos por engano. Em ambos os casos, Cappelli foi aos estados e deu muitas declarações a respeito.

“O excessivo protagonismo do secretário Cappelli acabou tornando problemas estaduais de segurança pública maiores do que eles de fato são. Não há nenhuma dúvida de que o Brasil tem problemas graves de segurança, mas nada leva a crer que o que o Brasil passou em 2023 foi uma crise maior ou diferente do que passou nos últimos dez anos. O que mudou foi a postura do Ministério da Justiça”, avalia Trindade.

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Susp: mudança nas estruturas

A gestão de Dino no Ministério da Justiça criou mudanças no uso do Fundo Nacional de Segurança Público, o FNSP, que é uma verba bilionária que vem das loterias desde 2018 e da qual 50% vai direto para as contas dos estados e do DF.

No entanto, uma série de questões burocráticas dificultavam o uso dessa verba pelo ente federativo. Para se ter uma ideia, Dino pegou o ministério com R$ 2,47 bilhões do FNSP represados nas contas dos próprios estados.

Técnicos do ministério do chamado Sistema Único de Segurança Pública passaram o primeiro semestre de 2023 organizando novas regras de uso desse Fundo com os estados e isso terminou em portarias publicadas no segundo semestre, que incluem o uso de 80% da verba em redução de homicídios e a obrigação dos governos estaduais de terem cinco servidores cuidando da parte burocrática para executar esse recurso.

“Se dar certo o que eles pensaram, isso vai irrigar os estados com dinheiro para investimento. Foi feito um trabalho que eu chamo de ‘saneamento básico’. Ninguém vê, não dá voto e não ganha manchete, mas a gente sabe que saneamento salva vidas”, avalia o professor da UnB e membro do FBSP Arthur Trindade.

Yanomami: garimpo persiste

O governo Lula jogou luz sobre a tragédia dos indígenas Yanomami, em Roraima, logo nos primeiros dias de governo. Enquanto foi decretada situação de emergência em saúde, coube ao Ministério da Justiça coordenar uma força-tarefa para retirar milhares de garimpeiros ilegais da região.

Foram diversas operações das polícias federais para atingir os chamados “cabeças” do garimpo ilegal e destruição de maquinários para impedir a operação em solo. Ainda assim, o garimpo persiste, principalmente os garimpeiros com menor poder financeiro, que são milhares de pessoas incrustadas em uma área do tamanho do território de Portugal.

É o que explica o pesquisador Rodrigo Chagas, do grupo de estudo interdisciplinar em fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Ele acompanha a situação entrevistando garimpeiros e pessoas relacionadas a essa força-tarefa.

“Quando a PF diz que tirou os ‘cabeças’ é uma leitura equivocada. Não são os ‘cabeças’, são os garimpeiros com mais financiamento”, explica o professor da UFR. Os grupos menores ainda são milhares de pessoas e causam grande risco ambiental e contra os indígenas.

Yanomami: problema antigo e muito dinheiro

Rodrigo Chagas faz uma retrospectiva sobre a situação no garimpo da região e mostra que o problema é muito antigo e profundo. O garimpo na região teve apoio da ditadura militar, mas explodiu na região por vários fatores. Entre eles está a crise internacional de 2008, quando o valor do ouro subiu; a crise na Venezuela, com a vinda de imigrantes que são do garimpo; e a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), que estimulava o garimpo abertamente.

Também está entre esses fatores o avanço tecnológico, com a internet via satélite do bilionário Elon Musk e uma nova geração de equipamentos, como quadriciclos com facilidade de acesso e pequenas retroescavadeiras.

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O professor da UFRR e outros pesquisadores fizeram uma simulação de modelo de negócio no garimpo e calcularam que se a pessoa investir entre R$ 1 ou 2 milhões, consegue tirar um retorno de entre R$ 8 e 12 milhões em um ano.

“A gente está falando de muita grana, que só se consegue com o narcotráfico”, explica Chagas. Não é à toa que o Primeiro Comando da Capital (PCC) está presente atualmente nos garimpos de Roraima.

Yanomami: faltou Exército e ajuda social

Junto a esse problema gigantesco e histórico, Rodrigo Chagas lembra da falta de cooperação das Forças Armadas, que possuem conhecimento e infraestrutura para atuar na Amazônia, mas estão em boa parte alinhados com uma visão favorável ao garimpo.

Ele cita como exemplo o livro “A Farsa Ianomami”, lançado pela Biblioteca do Exército em 1995, e que vincula o território indígena como um risco para a soberania nacional.

Ao mesmo tempo, Chagas lembra da preocupação social com esses milhares de garimpeiros, que foram incentivados pelo próprio Estado no passado e não possuem outros meios de sobrevivência. O pesquisador ainda aponta a necessidade de um plano para toda a Amazônia, não só a terra Yanomami.

“Quando eu vejo a questão dos garimpeiros, é algo parecido um pouco com a cracolândia. Se você tira de um local, eles se espalham em outros”.

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