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Conheça Luana: mulher negra criada no Gama e recrutadora de talentos do Google

No Dia da Consciência Negra, o Metrópoles conta a história de uma mulher que superou as dificuldades impostas por uma sociedade racista

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Divulgação/ Google
Luana Nazareth, brasiliense especialista em recrutamento de talentos no Google Brasil
1 de 1 Luana Nazareth, brasiliense especialista em recrutamento de talentos no Google Brasil - Foto: Divulgação/ Google

Ser negro no Brasil é, infelizmente, conviver com o preconceito desde muito cedo. O cabelo crespo, a boca carnuda e a pele não-branca, colocaram Luana Nazareth, 31 anos, na mira da crueldade, ainda na infância. “Chamavam de bullying, mas o nome correto é racismo”, relembra.

Nascida em Brasília, Luana já foi alvo de ofensas nem um pouco raras direcionadas a pessoas pretas e pardas. Hoje, mora em São Paulo, onde trabalha como recrutadora de Recursos Humanos em uma das maiores empresas de tecnologia do mundo: o Google.

No contexto da pandemia do novo coronavírus, das 8 milhões de pessoas que perderam o emprego entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, 6,3 milhões eram negros e negras, o equivalente a 71% do total. Os dados são do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Diante da realidade, Luana sabe o quão privilegiada é, por estar onde está atualmente. No DF, estudou a vida inteira em colégio público. Quando no Plano, frequentou o Setor Leste, na 613 Sul. No Gama, região administrativa a 34km do centro de Brasília, era aluna do Centro de Ensino Médio 2. Sempre envolvida com arte, aos 20 anos mudou-se para São Paulo.

Na capital paulista, trabalhou por um ano e meio dando aulas de dança. Depois, apaixonada pelos movimentos do corpo, resolveu estudar fisioterapia. Trabalhou em lojas de shoppings para pagar os estudos e se orgulha muito desta fase.

Foi durante um jantar despretensioso que Luana conheceu a mulher que viria a ser sua gerente em duas semanas. “Ela queria alguém para ontem e a única exigência era o candidato que fosse fluente em inglês. E eu já havia aprendido o idioma, sozinha. Ou seja, graças ao YouTube, ao Letras.com e às músicas da Beyoncé consegui a vaga”, relembra ela, entre uma gargalhada e outra.

Luana voltou à vida acadêmica e se formou em Gestão de Recursos Humanos. Na multinacional, foi assistente, analista, consultora de RH e, recentemente, promovida ao cargo de especialista em recrutamento, dando consultoria de talentos para equipes de vendas e tecnologia da América Latina.

“Sou membro ativa do coletivo AfroGooglers, grupo de talentos negros do Google Brasil, e trabalho todos os dias em prol da diversidade, equidade e inclusão racial e todas as suas interseccionalidades para que pessoas como eu possam realizar o sonho de estarem aqui um dia”, conta.

No AfroGooglers, Luana é voluntária em diversas ações que ocorrem dentro da empresa. “A gente se ‘aquilomba’, troca ideia, fala sobre temas e questões que são importantes para comunidade negra”, diz.

Adepta ao cabelo afro, turbantes e lenços coloridos, a especialista diz que todo e qualquer símbolo da negritude é um elemento de bastante poder. “Principalmente se formos olhar para a nossa história. Isso nos foi negado por muito tempo. Estudos comprovam que em muitos cenários do mercado formal mulheres negras têm acesso limitado quando assumem seus cabelos. Aqui, isso não é um impeditivo”, comemora.

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Racismo estrutural

No Brasil, 56% da população se autodeclara negra, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado em agosto último. Mesmo assim, sendo maioria no país, essa camada da população continua sendo subjugada e agredida, física e psicologicamente todos os dias. Por isso a importância de empoderar, capacitar e apoiar a diversidade racial em todos os espaços possíveis, como explica a especialista.

Como mulher negra, em um país estruturalmente preconceituoso, nem tudo foram flores na vida de Luana. Quando criança, não entendia direito porque era alvo de tantas ofensas, geralmente disfarçadas de “brincadeiras”. Ela recorda até hoje o primeiro ataque escancaradamente racista que sofreu.

Filha de professora, a brasiliense começou a trabalhar muito cedo. Aos 14, era assistente em uma escola tradicional de balé clássico na capital federal. “A mãe de uma aluna disse que não queria que filha dela tivesse aula comigo por eu não ser branca”, recorda. A então adolescente ficou extremamente assustada com a reação da mulher, mas conta que recebeu todo apoio da escola onde lecionava.

Luana assume que demorou para se reconhecer como mulher negra. Até então, se considerava “morena”. “Eu demorei muito tempo para me entender com negra, principalmente porque alguns traços negroides, principalmente meus cabelos, eram escondidos, com alisamentos e chapinha”, diz. Após o caso de racismo vivenciado na escola de balé, a ficha caiu. “A partir daí, eu entendi que eu era uma pessoa negra”, afirma.

O pensamento de pessoas como a agressora que insultou Luana por conta do seu tom de pele é o que faz os números do Pnad serem tão desiguais quando o assunto é mercado de trabalho. Entre as pessoas que estão atualmente ocupadas, o percentual de pretos ou pardos em cargos informais chega a 47,4%, enquanto entre os trabalhadores brancos é de 34,5%. Quando o assunto é renda, brancos ganham, em média, 73,4% mais do que uma pessoa preta ou parda. Em valores, significa uma renda mensal de trabalho de R$ 2.884 frente a R$ 1.663.

“É importante usar o momento e a consciência negra para refletir o negro como potência e encorajar pessoas negras à sua volta para se verem nesses espaços também. Estamos condicionados a nos imaginar em espaços de subserviência. A desconstrução é um aprendizado de vida, e é constante”, diz.

Luana é casada com Milton Oliveira, 34, um homem também negro que trabalha na área de tecnologia. O casal ainda não tem filhos. “Mas tenho três sobrinhos”, diz. Falar sobre os pequenos faz os olhos da especialista brilharem.

“Eles têm sorte de terem pais negros também, que trazem contextos e referências sobre quem eles são. Eu tento ser um bom modelo. Na minha infância, eu não tinha tantas referências, mas hoje muitas pessoas podem se ver representadas por pessoas negras na mídia. E a grande mudança positiva veio com a tecnologia, o conhecimento geral da representatividade nas artes, no corporativo”, acrescenta.

Questionada sobre o que vem pela frente, Luana tenta se esquivar, dizendo que nunca teve uma trajetória profissional linear, visto a quantidade de áreas que já atuou. Porém, acaba cedendo, mas não antes de citar dois nomes fortes dentro do Google Brasil: Lisiane Lemos, uma das gerentes na empresa, e Christiane Silva Pinto, criadora do AfroGooglers, o comitê de igualdade racial do Google Brasil. “Digo que se eu fosse uma executiva eu estaria muito bem acompanhada”, ri, enquanto planeja o futuro.

Às crianças negras da atualidade, Luana finaliza com um conselho: “Continue sendo curiosas. Não desista nunca. Vá até o fim, até quando o que não tiver resolvido, enfim, esteja”.

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