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Cresce no Itamaraty repúdio à diplomacia familiar de submissão aos EUA

Diplomatas aposentados e da ativa fazem críticas cada vez mais abertas a Ernesto Araújo por sua postura diante do presidente Donald Trump

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo
1 de 1 Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo - Foto: Michael Melo/Metrópoles

A aproximação das eleições presidenciais nos Estados Unidos, em novembro, está intensificando a oposição dentro do Itamaraty ao chanceler Ernesto Araújo e sua política exterior, considerada por seus críticos subserviente ao presidente norte-americano, Donald Trump. Críticas que eram feitas nos corredores (quando eles eram ocupados) têm sido feitas mais publicamente e não apenas por diplomatas que já deixaram a ativa, como o ex-embaixador nos EUA e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, o mais ruidoso deles.

Mais alinhado com políticos de direita, Ricupero tem se unido a antigos adversários, como o ex-chanceler petista Celso Amorim, para denunciar o que considera o desmonte da política externa brasileira e da imagem do Brasil no exterior. Esta semana, os dois se uniram em um encontro virtual para lançar o Programa Renascença, dedicado a pensar uma diplomacia pós-Bolsonaro.

Ainda na ativa, o embaixador Paulo Roberto de Almeida não guarda suas opiniões sobre o governo e o MRE após ter perdido um cargo de diretor em março do ano passado, logo após publicar em seu site artigos com críticas à postura do chanceler.

“Temos hoje uma diplomacia familiar e de baixíssima qualidade”, ataca ele, em conversa com o Metrópoles. “É uma política externa caracterizada sobretudo pela ignorância, pela inépcia de pessoas amadoras que não têm nenhuma experiência de política internacional, mas se aventuram a ditar ordens para a diplomacia brasileira. Essa submissão, na linguagem dos militares, se chamava traição à pátria.”

Por causa dessa postura, Almeida diz que é perseguido por Araújo com um procedimento que pede sua demissão, teve os salários reduzidos e está encostado no arquivo do ministério, onde não tem tarefas.

Ainda assim, o diplomata acredita que há motivos para esperança e relata que colegas o agradecem em privado por dizer em público o que representa muitos servidores do Itamaraty.

Veja os principais pontos da entrevista do diplomata, que acaba de lançar e disponibilizar para download gratuito o livro “Uma certa ideia do Itamaraty – A reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira”,  no qual analisa de maneira crítica a política externa de Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro.

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O senhor considera que sofre perseguições por criticar o chanceler Ernesto Araújo?

Estou sendo objeto de uma tentativa de processo de demissão por justa causa, coordenada certamente pelo chanceler. Computaram supostas faltas injustificadas, mas que justifiquei. Sou um ministro de primeira classe lotado na divisão do arquivo, sob a chefia de um primeiro secretário. Fui demitido em março do ano passado e em maio lotado no arquivo, onde não tenho tarefas. Em janeiro deste ano, meu salário foi quase totalmente cortado. Depois, a administração pediu que eu pagasse supostas horas não trabalhadas. Os diplomatas com DAS [cargo de nomeação], meu caso até março do ano passado, não tinham que seguir a regra da catraca eletrônica. Mas estão me processando.
Estou sendo submetido à retaliação e ameaça de demissão porque o chanceler tem raiva de mim. Pelo fato de eu ter me expressado. Ernesto está empenhado na minha demissão por uma vingança pessoal. Pode-se dizer até que é prevaricação.

O senhor também teve problemas nos governos petistas…

Já fui censurado pela esquerda, porque eu não escondo o que penso. Nos anos 1990, antes da chegada do Lula ao poder, eu tinha escrito artigos criticando a política externa do PT [propostas do partido], que achava inadequada para o Brasil. Os lulopetistas me puniram, me proibiram de assumir o cargo de diretor de mestrado do Instituto Rio Branco, para o qual tinha sido convidado. Não tive cargo, passei muitos anos na biblioteca. Voltei em dezembro de 2015 de uma temporada nos EUA e fiquei sem cargo até o impeachment da Dilma, em 2016, quando fui nomeado presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri).

A luta contra o globalismo virou política pública no Itamaraty. Em seu livro, o senhor critica a fixação nessa ameaça, que afirma ser inventada. Quais são as consequências práticas da luta contra o globalismo?

O globalismo é um fantasma da nova direita americana, que Trump aderiu desde 2016, apostando no nacionalismo. Os idiotas daqui, que também defendem o nacionalismo, apoiam o antiglobalismo do Trump, apoiam uma potência estrangeira. A principal esquizofrenia do antiglobalismo do Ernesto Araújo, do Olavo de Carvalho, do Eduardo Bolsonaro e outros é que eles se proclamam nacionalistas, mas são subservientes a uma potência estrangeira. Não é uma questão ideológica, é uma questão que traz prejuízos ao Brasil.

Aquele voto que tinha há 40 anos na ONU, contra as sanções unilaterais, que mudamos agora, é um exemplo. Votamos com EUA e Israel, deixando de condenar sanções não reconhecidas pela ONU. Isso quer dizer que, quando os EUA introduzirem sanções unilaterais contra nós, não poderemos fazer nada, porque apoiamos o princípio unilateral de sanções. E eles já fizeram isso com as cotas de exportação de alumínio. EUA introduziu novamente e a nota do Itamaraty é vergonhosa, deseja bom restabelecimento da indústria siderúrgica americana. É tão inacreditável como em maio de 2016, quando Lula e Marco Aurélio Garcia fizeram uma nota em apoio à naturalização do gás na Bolívia.

É então apenas submissão aos EUA?

Submissão automática aos EUA em todas as esferas. Tudo que Trump fez e proclamou, o nosso chanceler apoiou. Começou em janeiro de 2019, quando ele chegou a apoiar uma base americana no Brasil e teve que ser rechaçado pelo ministro da Defesa. Depois, se meteu na farsa da ajuda humanitária ao governo Guaidó na Venezuela. O Brasil reconheceu e apoiou o Guaidó 50 minutos depois dos EUA.

O chanceler é uma pessoa desequilibrada, totalmente submissa ao Olavo de Carvalho, ao Eduardo Bolsonaro, ao Felipe Martins [assessor da presidência para assuntos internacionais e aluno de Olavo].

Temos hoje uma diplomacia familiar e de baixíssima qualidade. É uma política externa caracterizada sobretudo pela ignorância, pela inépcia de pessoas amadoras que não têm nenhuma experiência de política internacional, mas se aventuram a ditar ordens para a diplomacia brasileira. Essa submissão, na linguagem dos militares, se chamava traição à pátria. Eu me surpreendo que os militares não estejam se pronunciando contra a traição à pátria produzida pela família Bolsonaro e pelo chanceler submisso.

Os diplomatas estão envergonhados da imagem do Brasil no exterior, que nunca foi tão baixa. Essa submissão vergonhosa que não é nem aos EUA, mas ao Trump, cujo símbolo maior é aquela frase que Bolsonaro usou na abertura dos trabalhos da assembleia geral da ONU no ano passado: “I love you Trump”. Simboliza toda a submissão dessa família a um presidente estrangeiro. É algo muito prejudicial. As relações com um futuro governo Joe Biden, se houver, vão ser muito difíceis.

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