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Riscos à reeleição de Trump acendem alerta tardio no governo brasileiro

Forte alinhamento do presidente Bolsonaro ao colega norte-americano deve pesar contra o Brasil no caso de vitória do democrata Joe Biden

atualizado

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Alan Santos/PR
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1 de 1 Trump-e-Bolsonaro1 - Foto: Alan Santos/PR

Uma eventual vitória do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, nas eleições marcadas para novembro deste ano deve jogar o Brasil em um isolamento geopolítico no mundo, já que o país tem enfrentado atritos com as potências europeias e tem um governo que provoca continuamente seu principal parceiro comercial, a China.

Com Biden aparecendo à frente nas pesquisas por aproximadamente 10 pontos percentuais à medida que a pandemia de coronavírus segue sem controle nos EUA e a economia sofre, fontes da diplomacia brasileira confidenciam sem se identificar que o Brasil já se prepara para o cenário em que terá de se aproximar de um grupo político que considerou como inimigo desde a campanha presidencial.

Um ajuste no discurso já está sendo feito e conta com a compreensão do presidente Jair Bolsonaro. “A gente torce pelo Trump, tenho certeza que vamos potencializar, e muito, o nosso relacionamento. Agora, se der o outro lado, da minha parte eu vou procurar, obviamente, fazer algo semelhante”, disse o presidente em live no último dia 16 de julho. “Se eles [democratas] não quiserem, paciência, né? O Brasil vai ter que se virar por aqui”, completou Bolsonaro, sem demostrar a confiança de outros tempos na reeleição do parceiro.

Filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que já se deixou fotografar com um boné de campanha de Trump em uma viagem aos EUA, também buscou minimizar os efeitos negativos de uma derrota de Trump em manifestação na última semana. “As relações Brasil-EUA estão acima das pessoas e independentemente do vitorioso nos EUA em 2020 trabalharemos para manter essa boa relação”, disse.

O espaço para pragmatismo, porém, já não existe, na opinião do cientista político Julián Durazo-Herrmann, que dá aulas na Universidade do Quebéc em Montreal (UQAM) e pesquisa a política brasileira. “Se vencer, Biden não vai se esquecer que Bolsonaro sempre apoiou Trump com entusiasmo. O acesso que o governo brasileiro tem ao americano deve acabar se Trump não for reeleito”, avalia ele, que preside a Associação Canadense de Estudos Latino-Americanos e do Caribe (Acelac).

Para Durazo-Herrmann, as consequências práticas desse distanciamento em caso de vitória democrata nos EUA virão, por exemplo, no abandono do apoio americano ao ingresso do Brasil no clube dos países ricos, a OCDE. “Mesmo com Trump, o apoio desejado pelo governo brasileiro não é tão explícito. Há atrasos e postergações. Caso Biden chegue ao poder, seguramente não haverá de ajudar o Brasil nessa pauta. Os democratas sabem que os Bolsonaro estão no lado oposto a eles, politicamente. Eles são identificados como populistas de direita pela hoje oposição americana”, avalia o acadêmico.

Foi justamente ao tentar responder um democrata, o presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Eliot Engel, que Eduardo Bolsonaro buscou amenizar o discurso, apesar de ter insistido nas críticas.

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Relação estrutural permanecerá

O professor da universidade canadense avalia ainda que, independentemente de quem governa cada país, há uma relação estrutural entre os dois que deverá se manter não importa o resultado das eleições do fim do ano. “O Brasil nunca foi nem caminha para ser um parceiro estratégico e fundamental dos Estados Unidos, mas tem sua importância em termos de investimento, de fluxo de comércio, e isso se mantém porque é vantajoso aos dois países e fica fora do espectro político-ideológico”, diz ele.

“A verdade é que essa relação estrutural é mais estável, não avança mais rapidamente nem sob Trump. Tanto que os EUA jamais consideraram tirar a obrigatoriedade de visto para os brasileiros, como Bolsonaro fez com os americanos”, afirma Durazo-Herrmann. “Resumindo, se Biden vencer, o Brasil de Bolsonaro perde a proximidade na dimensão simbólica, isso de ligar diretamente para o presidente americano, e ficará só com a relação estrutural.”

Geopoliticamente, isso deverá aprofundar o isolamento do Brasil. “É uma coisa da qual não se fala muito, mas a proximidade do Brasil com a China é um incômodo tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Mas é o que o Brasil tem de forte na relação econômica”, afirma o professor.

Na relação política, porém, o Brasil se afasta também dos chineses. Apesar de atravessar uma fase “paz e amor” em que está fugindo das polêmicas em troca de governabilidade, o presidente Bolsonaro não perdeu a chance de acenar para seus seguidores mais extremistas ao comentar sobre a vacina contra o coronavírus em sua última live.

“Se fala muito sobre a vacina da Covid-19. Nós entramos naquele consórcio de Oxford, e, pelo que tudo indica, vai dar certo, e 100 milhões de unidades chegarão para nós”, disse o presidente na quinta (30/7). “Não é [a vacina] daquele outro país, não. Tá ok, pessoal?”, completou ele, aos risos.

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