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Com lockdown, Brasil teria queda de mortes, diz prefeito de Araraquara

Em entrevista ao Metrópoles, Edinho Silva afirmou que vivemos o “genocídio de uma nação por uma omissão governamental”

atualizado

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Antonio Cruz/Agência Brasil
Prefeito de Araraquara, Edinho Silva
1 de 1 Prefeito de Araraquara, Edinho Silva - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

São Paulo – Após um período de 10 dias de lockdown, Araraquara se tornou um case para o país. Por duas vezes nas últimas duas semanas, enquanto São Paulo batia recorde de óbitos, o município não registrou mortes por Covid-19 em 24 horas. Uma vez em 26 de março e outra no sábado (3/4). Para o prefeito do local, Edinho Silva (PT), a cidade está colhendo frutos da restrição, adotada em 15 de fevereiro.

Em entrevista ao Metrópoles, o petista defendeu a adoção da medida mais severa para todo o país. “Se você não tem vacinação em massa, só tem uma medida para tomar, que é o isolamento social”, assinala.

“Se você provocar um lockdown por 10 ou sete dias, cria-se uma interrupção da contaminação. Se fizéssemos isso nacionalmente, o Brasil apresentaria queda nas internações, nas mortes, e teria condições de organizar leitos, sistema de vacinação, e poderíamos, inclusive, começar o planejamento da retomada da economia.”

Na avaliação de Edinho Silva, é falsa a dicotomia entre salvar vidas ou economia. “Atualmente, o principal fator de retração da economia é a instabilidade adotada na pandemia. Não é abrir ou não o comércio que vai garantir que a economia volte a crescer. Nenhum empresário vai fazer investimentos se não estivermos vivendo uma situação de estabilidade. E, hoje, estabilidade significa nós termos o mínimo de gestão sobre a pandemia”, pontua.

O chefe do Executivo municipal acredita que, com as informações da vigilância sanitária e epidemiológica recebidas pelo governo, houve omissão do estado no enfrentamento da pandemia.

“Vivemos a maior tragédia humanitária da nossa história, que, infelizmente, está caracterizada por um genocídio. O presidente não gosta que fale, mas, na minha opinião, há o genocídio de uma nação por uma omissão governamental.”

Em 15 de fevereiro, quando o lockdown foi decretado, Araraquara, que tem cerca de 238 mil habitantes e está a 251 km da capital, São Paulo, tinha 100% dos leitos de enfermaria e 84% dos leitos de UTI ocupados. No último dia 5, a cidade registrou taxa de ocupação de 63% dos leitos de enfermaria e 92% de UTI.

Leia trechos da entrevista:

Em que momento a prefeitura chegou à conclusão de que a melhor saída era o lockdown? E como foi a experiência?

Na última semana de janeiro de 2021, notamos em Araraquara crescimento importante na média móvel diária de contaminação. Como isso nos chamou a atenção, pegamos amostras desses pacientes, remetemos ao Instituto de Medicina Tropical da USP e tivemos a devolutiva de que havia em Araraquara a variante brasileira do coronavírus. A P1 causava inclusive contágio comunitário.

Colocamos Araraquara na fase vermelha do Plano São Paulo e, infelizmente, a curva de contaminação não caia. Ao contrário, continuava subindo. Após consultas a cientistas, pesquisadores e comitê científico, fomos orientados a aumentar ainda mais as restrições e o isolamento. E foi isso que nós fizemos.

Nós criamos um modelo, porque não achamos no Brasil nada semelhante ao que precisávamos. As experiências da Europa não chegavam perto da necessidade de Araraquara. Retiramos o transporte público de circulação e até fechamos os supermercados por seis dias — mas sempre permitimos o delivery. No sétimo dia, autorizamos a reabertura para não acontecer o desabastecimento das famílias.

A realidade se impôs no município, os cidadãos entenderam a gravidade do momento e nos deram o apoio necessário. Nós cumprimos os 10 dias de isolamento e estamos, neste momento, colhendo os frutos dessa medida. Estamos bem longe de celebrarmos uma vitória sobre a pandemia, até porque o estado vive um cenário difícil. Ainda existe o risco de voltarmos ao crescimento das contaminações em Araraquara, mas estamos com queda significativa de falecimentos, o número atual de mortos ainda representa contágio do passado. Um paciente que hoje vai a óbito, muitas vezes é uma pessoa que se infectou na primeira quinzena de fevereiro.

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Como foi enfrentar a pressão dos comerciantes?

Primeiro, essa contradição entre economia e vida é falsa. Se não tivermos governabilidade sobre a crise sanitária e não demonstrarmos para a sociedade uma estabilidade, dificilmente a economia vai voltar a crescer. A discussão não deveria estar girando em volta do abrir ou não o comércio. Ninguém vai investir em suas empresas se não estivermos vivendo uma situação de estabilidade. Faço esse debate com muita tranquilidade.

O pequeno e médio empresário está sofrendo muito, porque estamos desde 2020 arrastando uma situação de retração econômica, inclusive de uma economia que internacionalmente está na depressão. O governo deveria oferecer uma política de crédito para esses setores que estão sofrendo, como os americanos estão fazendo. Estamos vivendo uma economia de guerra. Nesse cenário, não se debate superávit, controle de gasto público. Precisamos ampliar a base monetária, o Biden está injetando R$ 3 trilhões na economia.

O Brasil não precisa disso, e nem temos condição de fazer tanto, mas é importante o país criar um programa de apoio aos setores econômicos que estão sofrendo; oferecer um auxílio emergencial que dê conta minimamente das despesas das famílias; e criar um plano de vacinação mais arrojado. Se tivéssemos isso, certamente teríamos um desenho bem mais favorável à retomada da economia.

Era esperado esse tipo de conduta do governo federal?

Achei que o governo federal tivesse um pouco mais de clareza do processo que nós estamos vivendo. No início da pandemia, nenhum de nós tinha muita certeza do que estávamos enfrentando, mas, depois, isso ficou claro. Em 2020, a Europa nos avisou da gravidade do problema e nos mostrou que a Covid não era uma contaminação em massa transitória. Depois, ainda vieram a segunda onda e as mutações do coronavírus, que são infinitamente pior.

Quando a cepa de Manaus se manifestou, o governo federal deveria ter liberado recursos para os municípios e estados produzirem leitos. O Brasil hoje vive as consequências de uma omissão governamental.

As vigilâncias sanitária e epidemiológica nacionais funcionam, o governo está sendo municiado de informações cotidianas. Isso só me leva a crer que o governo se omitiu. Vivemos a maior tragédia humanitária da nossa história, e há um genocídio de uma nação em curso, causado por omissão governamental. O presidente não gosta que fale essa palavra, mas essa é a minha opinião.

Uma medida mais rígida, como foi adotada em Araraquara, deveria ser adotada em outras regiões do país? Como o senhor vê a resistência que há em fazer um lockdown?

O Brasil deveria organizar um lockdown nacional, mesmo que seja por um prazo mais restrito, mas que dê tempo para romper o ciclo do vírus. A lógica do lockdown é interromper um ciclo de transmissão do vírus. Se você provoca um fechamento total por 10 ou sete dias, dá tempo de o paciente assintomático manifestar a doença, de uma equipe de bloqueio colocar essa pessoa em quarentena e de testar quem teve contato com esse cidadão. Só assim se cria uma interrupção da contaminação.

Se fizéssemos isso nacionalmente, o Brasil teria queda nas internações e nas mortes, conseguindo, assim, organizar leitos, o sistema de testagem, e poderíamos começar o planejamento da retomada da economia.

Se provocarmos uma interrupção do contágio, ganhamos tempo inclusive para organizar um outro plano de vacinação mais célere. Com o que está em vigor, arrastamos a pandemia por um longo período. E sem interrupção da contaminação, nós teremos, infelizmente, o aumento das mortes.

O senhor foi ameaçado de morte recentemente por causa do lockdown. Como se sentiu?

Não vou me intimidar com nenhum tipo de ameaça, estou bem tranquilo, mas me preocupo como isso terá impacto na minha família. Não estou sendo ameaçado por setores da economia, quem solta essas mensagens é um grupo organizado, como temos no país inteiro, que estimula ódio, intolerância, violência e agressividade.

Só não deixei esse fato passar porque não podemos ser coniventes, especialmente eu que ocupo um cargo público. Por isso, registrei boletim de ocorrência, quero que as autoridades policiais realizem as investigações necessárias, o Ministério Público se posicione e, se for o caso, o Judiciário faça cumprir a lei.

Vou continuar defendendo a ciência e as pesquisas que ajudam no enfrentamento à pandemia.

 

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