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Bolsonaro usou menos da metade da verba prometida em programa habitacional para policiais

Orçamento inicial de R$ 100 milhões foi reduzido para cerca de R$ 30 milhões. Policiais e setor imobiliário não viram vantagem em programa

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1 de 1 Bolsonaro Segurança pm - Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou menos da metade do valor prometido para o programa Habite Seguro, que previa vantagens no financiamento de moradia para profissionais da Segurança Pública, entre eles policiais, bombeiros e guardas municipais.

O orçamento previsto inicialmente era de R$ 100 milhões para o ano de 2022, mas na prática, o valor repassado para o programa foi de R$ 29,98 milhões. Quem tinha interesse em usar o benefício relata frustração e dificuldade em conseguir o financiamento prometido.

Os números são de um relatório inédito do Instituto Sou da Paz, divulgado pelo Metrópoles em primeira mão. O órgão analisou os gastos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) no governo Bolsonaro. Os recursos do Habite Seguro são do FNSP.

“É muito importante um programa de valorização policial, mas tem que ser pensado com mais calma e de forma mais efetiva, tanto é que o recurso alocado foi reduzido de fato e mal foi executado. A parte de valorização no Habite Seguro foi muito vendida e pouco efetivada”, defendeu a diretora-executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Para a também advogada e socióloga, o Habite Seguro parece ter sido feito com interesses eleitoreiros.

Lançamento festivo

Com cerimônia de lançamento no Palácio do Planalto, o Habite Seguro começou como uma medida provisória em setembro de 2021, mas a operação na Caixa Econômica Federal foi iniciada em novembro. Em março do ano passado, o programa foi sancionado como a Lei 14.312.

“Os recursos estarão disponíveis na Caixa e poderão superar muito do anunciado até o momento. Pode sim atingir grande parte desse efetivo da segurança, que arrisca a sua vida, em defesa da nossa vida”, declarou Bolsonaro no lançamento do programa.

Em tese, podem se beneficiar do programa Habite Seguro, trabalhadores da Segurança Pública que ganham até R$ 7 mil para a compra de imóveis que valem até R$ 300 mil. Mas na realidade, uma rápida pesquisa nas redes sociais é suficiente para ver uma chuva de reclamações sobre as dificuldades para conseguir aderir ao programa.

Ilusão

Presidente da Associação Nacional das Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (Anermb), o sargento Leonel Lucas disse que o programa não funcionou para os policiais militares. “Foi só uma ilusão”, define o oficial da PM do Rio Grande do Sul ao Metrópoles.

O sargento disse que a grande maioria dos policiais não se enquadram na faixa de renda prevista nas regras do programa. Além disso, as regras eram muitas e os policiais dificilmente conseguiam a aprovação do financiamento pelo Habite Seguro.

“Colocaram o pirulito na boca do policial militar, mas colocaram com plástico”, compara o presidente da Anermb.

Leonel Lucas disse que chegou a se reunir com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, em agosto do ano passado, quando reclamou sobre a situação do programa de habitação e pediu para que ele mostrasse quantos já tinham conseguido o financiamento no país. “Estou até hoje esperando a resposta”, desabafa o sargento ao Metrópoles.

Não funcionou

Especialista em crédito imobiliário, Raussya Silvia relata que o programa não se tornou vantajoso frente a outras possibilidades de financiamento, com juros mais baratos.

“Pensa em um programa que não funcionou. Eu não consegui finalizar nenhum, nem no auge da liberação. Não vejo nenhum colega correspondente falar (sobre o programa). Não tem nenhum benefício”, lamenta a especialista.

Segundo Raussya, o programa prevê uma taxa de de juros corrigida pela poupança, mas com o aumento da taxa Selic, que é a taxa básica de juros do Banco Central, esse modelo não se tornou mais atrativo.

Entre outros problemas enumerados por Raussya, também está o preço da avaliação, que é uma vistoria do imóvel realizada pela engenharia da Caixa, mais barata em outros modelos de financiamento.

Repasses lentos

Coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz e mestre em Ciências Sociais pela USP, Cristina Neme constatou que os repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública para a Caixa foram realizados a conta-gotas, até que entre novembro e dezembro do ano passado, o orçamento previsto foi modificado oficialmente de R$ 100 milhões para cerca de R$ 30 milhões.

A pesquisadora explica que ainda não está claro se houve dificuldade na execução do projeto ou se o governo federal atrasou esses repasses.

O Metrópoles entrou em contato com a defesa do ex-ministro Anderson Torres, que direcionou a reportagem para o antigo secretário executivo do MJSP, o brigadeiro do ar Antônio Ramirez Lorenzo, que não respondeu à reportagem até a publicação.

A reportagem também entrou em contato com a Caixa Econômica Federal, questionando a quantidade de beneficiados do programa. O órgão orientou a procurar o MJSP. A reportagem enviou questionamentos sobre qual o futuro do programa na atual gestão, mas não houve resposta até a publicação

Pouca execução

O relatório do Sou da Paz demonstra ainda que houve falha na gestão do Fundo Nacional de Segurança Pública junto aos estados.

Assim como o Metrópoles demonstrou em reportagem de fevereiro, os estados e o Distrito Federal não conseguiram executar R$ 2,47 bilhões dos R$ 3,3 bilhões que receberam diretamente desse Fundo entre 2019 e 2022. Ou seja, 74% do total recebido não foi gasto.

Isso em um cenário de recorde de orçamento. Segundo o relatório do Sou da Paz, os gastos do FNSP no governo Bolsonaro chegaram a R$ 6,3 bilhões, valor quase três vezes maior que o gasto em gestões anteriores entre 2011 e 2018.

O Fundo Nacional de Segurança Pública foi criado em 2001 e é formado por recursos de loterias. A ideia é usar essa verba para apoiar projetos de segurança pública e cidades que possuem guardas municipais.

Em 2018, pouco antes do começo do governo Bolsonaro, houve mudanças na regra de repasses sociais da Caixa Econômica Federal, o que fez esse Fundo de Segurança triplicar. Antes, o fundo recebia cerca de R$ 500 milhões por ano e, depois dessa alteração, passou a acumular cerca de R$ 2 bilhões por ano.

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