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Advogado da União compara militar trans a “piloto de avião cego”

Alice Costa foi afastada dos serviços pela Marinha do Brasil depois de conquistar o direito de usar uniforme e cabelo femininos

atualizado

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Alice Costa, militar trans afastada da Marinha
1 de 1 Alice Costa, militar trans afastada da Marinha - Foto: Reprodução

Alice Costa, mulher transexual de 31 anos, foi afastada dos serviços pela Marinha do Brasil na última semana. O juiz federal Daniel Chiaretti, substituo da 1ª Vara Federal de Corumbá, deu o prazo de cinco dias, em 20 de agosto, para a corporação explicar a decisão e apurar se há descumprimento de ordem judicial.

Em julho deste ano, Alice havia conseguido, por meio de decisão na Justiça Federal, trabalhar usando uniforme e cabelos femininos, na unidade de Ladário, em Mato Grosso do Sul.

A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, antes de tirar a militar do cotidiano do quartel. A AGU chegou a comparar a situação de Costa com a de pessoas com deficiência.

“Foi dizer, como o fez o juízo a quo, que a identidade de gênero não pode ser causa da mais mínima restrição? Bem, então forçoso admitir o piloto de avião cego e o segurança armado tetraplégico”, escreveu Juliano Fernandes Escoura, advogado da União, em peça para tentar derrubar o entendimento do magistrado de primeiro grau.

De acordo com o portal G1, a Marinha colocou Alice em licença para tratamento de saúde, como forma de justificar o afastamento. Nenhuma explicação foi dada para que a militar recebesse o atestado pelo prazo de 90 dias.

Bianca Figueira Santo, representante legal da militar, recebeu a justificativa verbal que afirma que o afastamento foi motivado por não existir médico endocrinologista em Ladário, Corumbá e região que pudesse acompanhá-la no processo de transição hormonal de gênero.

A advogada argumentou que “o atendimento já é feito de forma remota”. Bianca também revelou que a cliente é atendida por uma médica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Perigosamente discriminatória”

Valdeci dos Santos, desembargador do Tribunal Regional Federal, afirmou que a argumentação feita por Juliano Escoura é “perigosamente discriminatória”.

“A rotina de invisibilização existencial das pessoas trans, e especificamente da mulher trans, tem nos levado a estatísticas cada vez mais desabonadoras que revelam um longo caminho ainda a ser percorrido pelo Estado e pela sociedade como um todo. Em suma, ainda que a literatura jurídica e as decisões dos tribunais tenham avançado no reconhecimento e reparação dos direitos das pessoas trans, tal movimento ainda é tímido em comparação com as violações perpetradas”, constatou.

Santos declarou que o pleito de uma mulher trans para o uso de uniforme e cabelos no padrão feminino e a utilização do nome social na plaqueta de identificação merece uma abordagem de conciliação entre a teoria e a prática no mundo jurídico.

“A priori, salienta-se que a fundamentação da decisão agravada a respeito dos direitos da pessoa transgênero foi assertiva e contundente, refletindo a doutrina e a jurisprudência mais atuais sobre o tema, razão pela qual este Relator adere integralmente ao seu conteúdo”, relatou o magistrado em confirmação ao conteúdo do colega de Corumbá.

A advogada de Alce afirmou que, “agindo assim, a Marinha se utiliza de um artifício para não dar efetividade à decisão do juiz da 1ª Vara Federal de Corumbá. Pois, afastada em casa, ela não precisará utilizar uniforme e cabelos femininos, nem mesmo utilizar a plaqueta de identificação com seu nome social no uniforme. Ou seja, foi um ato malicioso de burlar o cumprimento da ordem judicial que o juiz já tomou conhecimento”.

O Comando do 6º Naval de Ladário se limitou a informar que a questão se encontra na esfera jurídica.

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