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Quando Millôr Fernandes me ajudou a matar Getúlio Vargas

Há 19 anos, este blog recuou no tempo para narrar, como se existisse à época, uma das maiores tragédias da história do Brasil

atualizado

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Arquivo Nacional
getuliovargas
1 de 1 getuliovargas - Foto: Arquivo Nacional

24/08/1954 08:25

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Aconteceu alguma coisa no Palácio do Catete!

24/08/1954 08:30

Choro nas escadas do Catete

Tem gente entrando e saindo às pressas do Palácio do Catete. Um soldado que dá guarda ao palácio viu um ajudante-de-ordem do presidente Getúlio Vargas descer as escadas chorando, para de imediato tornar a subi-las.

24/08/1954 08:33

Ambulância a caminho do Catete

Um enfermeiro do Hospital Souza Aguiar ouviu de um médico que uma ambulância saiu em disparada com destino ao Palácio do Catete. A direção do hospital está ao par disso. Há muito nervosismo entre os médicos.

24/08/1954 08:36

Sem acesso, sem notícia

As linhas telefônicas do Palácio do Catete estão ocupadas. É impossível ligar de fora para lá.

24/08/1954 08:40

Um tiro. Ouviu-se um tiro

Foi um tiro. Ou melhor: ouviu-se um tiro há pouco no Palácio do Catete. Há pouco, não. Há mais de 20 minutos, pelo menos. Foi tudo que deu para saber até aqui. O tiro ainda não está confirmado. Mas… Foi um tiro, sim. Foi.

24/08/1954 08:43

Tem uma ambulância no Catete

As poucas dezenas de pessoas que olhavam curiosas na direção do Palácio do Catete viram chegar ali uma ambulância. Os soldados que protegem o palácio estão nervosos. Um deles foi ríspido com uma mulher de meia idade que perguntou pelo presidente.

24/08/1954 08:45

Getúlio está morto!!!

Parece que o presidente Getúlio Vargas está morto. Sim, o presidente Getúlio Vargas morreu. Ele morreu. Getúlio, que como ditador governou o Brasil de 1930 a 1945, foi deposto pelos militares e voltou eleito pelo povo em 1950. Os militares o pressionavam para que renunciasse.

24/08/1954 08:52

Getúlio suicidou-se!!!

Alzirinha Vargas confirmou para um amigo dela que seu pai morreu. Deu um tiro no coração. O presidente Getúlio Vargas suicidou-se. Estava de pijama.

24/08/1954 09:00

Getúlio deixou uma carta

Tem uma carta-testamento deixada por Getúlio na mesa de cabeceira de sua cama. Ela será divulgada em breve. Estão passando uma cópia da carta para Heron Domingues, locutor do Repórter Esso.

[…]

24/08/1954 12:10

O desespero de Gilda

Por Millôr Fernandes

No escuro da madrugada o telefone toca sem cessar. Atendo, apreensivo, como sói. É Gilda:” Pelo amor de Deus, vem cá.”

“Agora? São quatro da manhã!”.

“Agora, pelo amor de Deus!” A voz é desesperada.

Gilda mora também aqui em Ipanema. Quatro quadras adiante. Vou correndo (sou um atleta das quantas). Ainda correndo, subo as escadas: o edifício de Gilda não tem elevador.

Gilda deixou a porta entreaberta. Está jogada no sofá. Beijo-a, protetor: “Que foi, meu bem? “

Com expressão abandonada ela estira o braço e me entrega o envelope elegante, junto com uma folha de papel timbrado da Presidência da República: “Chegou há meia hora”.

Leio a carta:

“Gilda, antes que as forças me desfaleçam, decido com bravura o meu destino. O resto suportaria com denodo – teu abandono é o que me fere de maneira insuportável. Quando mais precisava, tu foges de mim. Tenho resistido, dia a dia, hora a hora, no desespero desse amor tardio, mas é tudo inútil. Sem teu amparo, renuncio a mim mesmo. Se nada mais me queres dar, te dou o meu sangue, te ofereço, em holocausto, a minha vida. Escolho este gesto para estar sempre contigo.

Meu sacrifício só você saberá que foi por amor, não pelo poder. Meu sangue será uma chama imortal em tua consciência, e me manterá para sempre em tua memória e em teu coração. Ao teu abandono respondo com o perdão. Era escravo do teu amor, e escravo parto para a vida eterna.

Serenamente dou um passo saindo da vida, enquanto a morte entra em nossa história. “

Antes que eu acabe de ler a última linha, o telefone toca. Gilda atende: “Alô? Está!” Sem dizer nada, me passa o telefone. Era o David Nasser: “Preciso de você aqui na redação. O Getúlio se suicidou.”

Foram quase 17 horas de posts a pequenos intervalos de tempo contando tudo o que ocorria dentro e fora do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, sede da Presidência da República, onde Getúlio dava expediente e morava com parte de sua família.

O primeiro post foi ao ar no início da madrugada do dia 24 de agosto de 2004, aniversário de 50 anos do suicídio de Getúlio. E o último, sob o título “Pai dos pobres, refém deles”, às 17:47 quando o caixão com o corpo de Getúlio descia as escadarias do Catete

Os fatos narrados são reais, com base em livros e no que a imprensa publicou. Ficção, só o que escreveu Millôr, que se vivo, teria completado 100 anos na semana passada. Millôr fez história no jornalismo e tinha o direito de escrever o que quisesse.

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