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Golpe no golpe (por Mary Zaidan)

Motivação para a denúncia feita por Marcos Do Val permanece obscura

atualizado

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FELIPE MENEZES / SENADO
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1 de 1 marcos-do-val1 - Foto: FELIPE MENEZES / SENADO

Mesmo com todas as trapalhadas, não há dúvidas quanto à veracidade das várias tentativas de golpe de Estado pró-Jair Bolsonaro, com provável planejamento ou aval dele e de sua turma. Mas desde que veio à tona a primeira das diferentes versões para a trama golpista protagonizada pelo ex-presidente, o ex-deputado Daniel Silveira e Marcos Do Val, a motivação para a denúncia feita pelo senador permanece obscura. As hipóteses variam de esperteza máxima à destrambelhada burrice, passando por excesso de pressão ou piração.

As peças não se encaixam. E quando parecem combinar fazem com que outras partes pulem para fora do quebra-cabeça.

Há quem garanta que depois de abortado o plano de arapongagem em cima do ministro do STF Alexandre de Moraes, a falação de Do Val teria sido um jogo ensaiado para afastar extremistas encrencados com a Justiça e o próprio Bolsonaro da alçada do ministro. Com a denúncia, Moraes se tornaria parte ativa dos autos, e, portanto, legalmente impedido de prosseguir na relatoria dos atos antidemocráticos. Aceleraria ainda a instalação de uma CPI na qual bolsonaristas imaginam fazer colar a esdrúxula narrativa de que a barbárie de 8 de janeiro tem digitais do PT.

A tese, corroborada pela tranquilidade dos filhos de Bolsonaro para lidar com Do Val, e o anúncio de que ele pediria o afastamento de Moraes à Procuradoria-Geral da República – “a segunda fase de nossa estratégia”, disse -, até parece verossímil. Um golpe no golpe. Mas esbarra na letalidade dos efeitos colaterais.

Sob qualquer ótica, a história de Do Val implica e complica Bolsonaro, que, incontestavelmente, aparece de corpo e alma na cena do crime – presença confirmada pelo filho Flávio. Ou seja, o plano mirabolante até poderia afastar Moraes, mas ao custo de encrencar ainda mais o ex. Portanto, seria desatino do clã Bolsonaro meter a mão em tal cumbuca.

A ideia, exposta por Bolsonaro ou por Silveira na reunião do Palácio do Alvorada no dia 9 de dezembro, era encher Do Val de micro-microfones embutidos, providenciados pelo GSI e Abin, para gravar uma conversa com o ministro Moraes, tentando extrair dele qualquer frase crítica ao processo eleitoral ou mesmo um elogio ao vitorioso Luiz Inácio Lula da Silva. De posse de uma suposta e improvável gravação estariam abertas as chances de afastar e até prender Moraes e de colocar sob suspeição todo o processo eleitoral. Possivelmente, entraria aí a tal minuta de golpe encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que previa intervenção no TSE, presidido por Moraes.

Se Bolsonaro foi proponente da ação alucinada ou só um ouvinte, pouca diferença faz. A não ser na tipificação do crime. No mínimo, o ex se enquadra em prevaricação por escutar a trama e não denunciá-la.

Outra possível motivação de Do Val pode ter sido a iminência de prisão de Silveira, pedra cantada para ocorrer após o fim do mandato do parlamentar. O ex-deputado, que havia sido indultado pelo ex-presidente, voltou para a cadeia na quinta-feira, dia 2, mesma data em que, na madrugada, Do Val desembestou a falar, antecipando, em live no Instagram, a denúncia feita à revista Veja.

Sabe-se lá quantas e quais mensagens estão nos três celulares que a PF apreendeu na casa de Silveira – e o tanto que elas podem incriminar Do Val, o ex-presidente, os filhos e outros apoiadores fiéis. Isso poderia explicar a correria do denunciante, uma espécie de vacina. Faltou prever que Do Val se enrolaria a ponto de precisar de cinco doses em menos de 24 horas, a última delas dizendo que teria mentido sobre a renúncia do mandato “ só para chamar atenção” e dado versões contraditórias de propósito, para “ludibriar o inimigo”. De novo, o encaixe das peças é mambembe.

A justificativa mais simples e menos convincente é loucura, debilidade. O senador já havia sido apontado como depressivo e, ao mesmo tempo, capaz de arroubos, de dizer disparates, agir e falar sem pensar. Difícil crer que Bolsonaro fosse confiar em tal perfil para uma missão tão arriscada. Tem-se ainda a leitura complementar, também simplista e temerária para o ex: a de jogar nas costas bombadas de Silveira a culpa por tudo.

Muito ainda tem de vir à tona, mas o país terminou a semana ciente de que se livrou de mais uma tentativa de golpe. Até agora já se conhecem algumas delas: as interdições de rodovias e derrubada de torres de transmissão de energia; o pedido de anulação do segundo turno da eleição, feito pelo PL do ex, com indícios forjados; a bomba colocada em um caminhão próximo ao aeroporto de Brasília; as ações vândalas de 12 de dezembro, com bloqueio de trânsito e queima de ônibus, prévia dos atos de invasão das sedes do Congresso Nacional, STF e Planalto, em 8 de janeiro. A elas se soma o enredo recém estampado ungido pelo trio Bolsonaro-Silveira-Do Val.

Mesmo antes de encaixar todas as peças, há uma certeza: Bolsonaro, que seria o beneficiário direto das frustradas aventuras golpistas, tem muito a explicar à polícia e à Justiça. Aos brasileiros ele já disse quase tudo quando fugiu do país.

Mary Zaidan é jornalista 

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