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Gaza é uma zona de morte e uma avalancha de sofrimento (Sofia Lorena)

A trégua permite respirar, mas não cura o trauma “catastrófico” desta vaga de bombardeios, a quinta da vida de muitos adolescentes

atualizado

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Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images
Imagem colorida de uma mulher ao redor de escombros de prédios em Gaza após ataques de Israel - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de uma mulher ao redor de escombros de prédios em Gaza após ataques de Israel - Metrópoles - Foto: Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images

Procurar comida, procurar familiares que ficaram debaixo dos destroços, outros que ficaram por enterrar, tentar finalmente saber o que se passa com as pessoas que não se tem conseguido contactar, ir a casa à procura de roupa e descobrir que não sobra nada, nem casa nem roupa. Deixar de ouvir os rebentamentos das bombas e os zumbidos dos drones, ir à loja mesmo que não haja nada para comprar.

“Andam como pássaros que estão a aprender a voar sem medo”, descreveu Karim, funcionário de uma organização não-governamental ouvido pelo jornal El País em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza.

“A nossa casa está destruída, não há nada de pé. E a maioria dos patos e das galinhas foram comidos por cães vadios esfomeados”, disse ao jornalista da Al-Jazeera uma senhora mais velha, de regresso ao campo de refugiados de Bureij, no Centro do enclave palestiniano. “Honestamente, nunca imaginei a escala da destruição, nem 1%”, disse um jovem.

O que é que acontece aos habitantes de Gaza, especialmente às criança, cada vez que as bombas de calam? É possível que comecem a recuperar?

“Antes desta vaga de bombardeamentos, havia programas terapêuticos muito bons que podiam ajudar as crianças e encontrar-se, a aprender a voltar a brincar e, até certo ponto, a ultrapassar alguns medos”, diz Gwyn Daniels, psicoterapeuta familiar com experiência na Palestina e que trabalha de perto com profissionais de saúde mental em Gaza.

Patrona do Centro de Trauma da Palestina, sedeado no Reino Unido, mas com uma equipa em Gaza, Daniels fala regularmente com os seus colegas em Gaza, que a consultam, e trabalha com crianças no território, através de videochamadas.

“Neste momento, cada pessoa em Gaza está directamente traumatizada. Um médico descreveu-me o que se passa como uma avalancha de sofrimento. As pessoas estão a sofrer porque os seus familiares estão a morrer, porque as suas casas estão a ser destruídas, porque não conseguem ter o suficiente para comer e beber, porque não podem tratar ferimentos, doenças”, enumera a psicoterapeuta, que também integra a direcção da Rede de Saúde Mental Reino Unido Palestina, criada para ajudar as pessoas a perceberem as questões de saúde mental na Palestina e apoiar os terapeutas palestinianos.

Neste momento, as autoridades contabilizam 14.800 mortos, mas há pelo menos dois dias que os números não são actualizados por causa do colapso dos hospitais no Norte da Faixa. A ONU acredita que o número real será mais elevado e, apesar de o governo do Hamas não distinguir entre civis e combatentes, sabe-se que o número aproximado (e conservador) de mulheres e crianças mortas é de dez mil.

“Se pensarmos numa criança de Gaza com 16 anos, esta foi a sua quinta grande vaga de bombardeamentos, e cada uma cria múltiplos traumas que são desencadeados a cada novo boom”, diz Daniels. Ao trauma do bombardeamento é preciso somar o “trauma da desesperança que as crianças e os jovens sofrem por não verem qualquer futuro”, acrescenta, sublinhando que “o desespero e desesperança estão entre as principais consequências psicológicas para as pessoas que são forçadas a viver em Gaza”.

Olhando para as respostas a anteriores bombardeamentos, diz a psicoterapeuta, o que podemos esperar ver agora nas crianças e nos adolescentes “são altas taxas de ansiedade e de depressão”. Nas mais novas, “há sempre muito medo de se afastarem dos pais, medo de saírem de casa caso a casa seja destruída quando estão fora e medo de serem mortos enquanto estão na rua”.

Desta vez, as cicatrizes são quase impossíveis de medir porque as últimas sete semanas foram em tudo desmedidas.

Em Gaza, as crianças já cresciam convencidas de que são más, ou zangadas por acharem que o mundo não as vê. “As crianças, nas nossas chamadas por Zoom, perguntam muitas vezes se são pessoas más. ‘Eles estão a bombardear-nos, devemos ser pessoas más’. O efeito disto na forma como uma criança se vê é muito profundo”, diz Gwyn.

“Numa conferência com crianças que organizei em 2019, elas diziam frequentemente coisas como ‘por favor, diz ao mundo que nós existimos e que não somos terroristas’”, afirma, explicando que “as crianças experimentam uma desumanização profunda, que é uma experiência profundamente debilitante”.

O reverso da medalha é que as crianças “também protestam contra isso, reclamam a sua humanidade”, o que acaba por ser um mecanismo de sobrevivência. “E um dos problemas é que quanto mais são tratadas como seres redundantes mais se vão expressar através da raiva e do desejo de vingança.”

(Transcrito do jornal PÚBLICOLeia a íntegra do artigo aquihttps://www.publico.pt/2023/11/25/mundo/noticia/faixa-gaza-zona-morte-sofrer-avalancha-sofrimento-2071549)

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