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A vil moeda de Lula (por Mary Zaidan)

Ceder cargos para satisfazer a sanha de políticos inescrupulosos é comprar votos – simples assim

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou os 37 ministros do seu governo para uma reunião no Palácio do Planalto
1 de 1 presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou os 37 ministros do seu governo para uma reunião no Palácio do Planalto - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Alguns chamam de pragmatismo ou realpolitik. Outros pegam até mais leve, tratando a prática como se o toma lá dá cá fosse um balé necessário à governabilidade. Balela. Ceder ministérios e até criá-los para satisfazer a sanha de políticos inescrupulosos na vã esperança de obter maioria parlamentar é compra de votos. Simples assim. Tão deletéria quanto os escandalosos mensalão, utilizado à larga no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou orçamento secreto, sacramentado pelo ex Jair Bolsonaro.

Governantes que chegam ao poder sem maioria parlamentar – e esse é o caso de Lula – têm de construir o ambiente para colocar em prática o programa que, teoricamente, venceu o pleito. Por mais execráveis que sejam, os costumes para fazê-lo variam pouco: distribuição de cargos e de recursos públicos de acordo com o apetite dos políticos, não raro desconectados das prioridades do país.

As deformações são várias. Por aqui, o eleitor vota sem ter acesso a um programa de governo e jamais é consultado depois que crava o nome de seus escolhidos na urna. Pior: vota-se em um deputado de um partido que já chega ao Parlamento em outro. Vota-se em quem subiu no palanque de Bolsonaro para ver o eleito ao lado de Lula. Ou vice-versa.

Esse erro de origem catapulta uma série infindável de outros desvios, normalmente perdoados pelos apoiadores mais fiéis. Bolsonarista algum criticou o orçamento secreto que impediu um processo de impeachment contra o ex e permitiu a execução de barbaridades com o dinheiro dos impostos dos cidadãos. Para petistas, o mensalão nem mesmo existiu. Que o diga o publicitário Marco Valério, condenado a 37 anos de prisão (atualmente em regime domiciliar) depois de replicar com Lula o esquema inventado nas Minas Gerais do ex-governador tucano Eduardo Azeredo.

Ao estender o tapete ao PP e ao Republicanos, partidos do Centrão e da base bolsonarista, Lula erra de novo e, novamente, recebe perdão. Desta vez, prévio. Sem nem mesmo corar diante do perfil dos dois novos ministros – André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) -, apoiadores de Lula o defendem com uma cantilena ensaiada: construção de maioria, coalizão, ceder para governar. Parecem ou fingem desconhecer que chantagistas, quando recebem o que cobram, dobram o valor da fatura.

Lula, um bicho político sem igual, bem sabe disso. Não à toa, demorou a ceder espaços em seu governo. Experiente e safo, passou corretamente a ideia de que fez tudo o que podia para evitar abrir as porteiras. E que está muito infeliz por ter sido obrigado a abrigar a nova boiada. Ah, ele impediu negociações envolvendo o controle do Bolsa Família e conseguiu segurar Nísia Andrade na Saúde. Sem saída e triste, teve de rifar Ana Moser e deslocar Márcio França (PSB-SP). De dar dó.

Também aqui Lula parece ter errado na dose. Fica a imagem de um presidente fragilizado a apenas 8 meses de gestão, refém do Centrão e do manda-chuva da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Lira exibe seu poder. Não apenas enfiou o Centrão no governo, como o fez com requintes de crueldade. Nem mesmo cogitou indicar um partidário com um mínimo de conhecimento nas áreas oferecidas a ele. Fez Lula ajoelhar no milho. Escolheu Fufuca, amigo do peito e cabo eleitoral de Bolsonaro no Maranhão. O outro, Costa Filho, de Portos e Aeroportos, prefere a cartilha do governador paulista, o bolsonarista Tarcísio de Freitas, cujo ponto central é o embate com o PT de Lula. Deve, inclusive, encampar a ideia de privatização do Porto de Santos, bandeira de Tarcísio que causa arrepios nos círculos petistas.

Insaciável como qualquer chantagista que contabiliza sucesso, o presidente da Câmara quer também o controle da Caixa Federal, da Funasa… O céu é o limite. Tudo sem qualquer garantia de que a tal maioria parlamentar virá. O Republicanos reafirmou sua “independência” e o PP também diz que não pretende “ser governo”.

Para piorar, ninguém dá a mínima ao conteúdo das pastas envolvidas. Esporte, ao qual na campanha Lula prometera dar força total, estará entregue a fufucas, turbinado com os milhões das apostas digitais e somado, se depender de Lira, aos impostos dos cassinos, matéria que o presidente da Câmara pretende votar ainda neste mês. Portos e aeroportos poderiam ser um departamento de Transportes, assim como as micro e pequenas empresas transformadas em ministério já estavam contempladas em Desenvolvimento Econômico. Parece até que o dinheiro que custeia a máquina pública dá em árvore.

O agravante é que não são poucos os que consideram essa barganha normal e justificável. Em vez de o governo eleito ser o executor da demanda popular, que, por sua vez, pressionaria o Parlamento, naturaliza-se a prática espúria da compra de maioria congressual, transformando-a em método. Sem que os governantes lutem contra a sua perpetuação, esses arranjos continuarão a corroer as relações entre os poderes, depor contra a política e, ao fim e ao cabo, desmoralizar a democracia.

Mary Zaidan é jornalista 

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