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A arma é o voto (por Mary Zaidan)

O país que superou tempos de eleições forjadas à bala tem de lidar com temores do Velho Oeste

atualizado

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TSE/Reprodução
Simulador auxilia eleitores a treinarem voto na urna eletrônica
1 de 1 Simulador auxilia eleitores a treinarem voto na urna eletrônica - Foto: TSE/Reprodução

Na terça-feira, 30, o TSE se debruçará sobre o porte de armas de fogo no dia da eleição, em resposta à consulta de 9 partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro. Como ditam a lógica e o bom-senso, o mais provável é que a Corte impeça gente armada, exceto policiais, nos locais de votação. Mas vai ter grita. Pior: em nome da liberdade.

“Arma é liberdade para vocês; povo armado jamais será escravizado”, prega Bolsonaro, que se dedicou com afinco a afrouxar as normas para levar armas e munições a rodo aos civis.

Uma “liberdade” assassina, como se viu no crime de Foz de Iguaçu, quando o bolsonarista Jorge Guaranho matou a tiros o petista Marcelo Arruda, cujo pecado foi usar o tema Lula para comemorar seu aniversário de 50 anos. “Liberdade” que facilita a vida de bandidos, muitos deles utilizando-se de laranjas para comprar revólveres, fuzis e munições dentro da legalidade.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com base em informações do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) do Exército, apontam que de 2018 até meados deste ano o número de registros para caçadores, atiradores e colecionadores, conhecidos como CACs, cresceu 474%. Pularam de 117.467 para 673.818, superando em mais 250 mil o contingente de 406 mil policiais militares de todo o país, e quase o dobro dos 360 mil homens ativos das Forças Armadas. Hoje, nada menos de 2,8 milhões de armas de fogo particulares estão nas residências de civis, mais de um milhão delas registradas nos dois últimos anos.

Por meio de um decreto, Bolsonaro garantiu aos atiradores, caçadores e colecionadores de araque ou não o direito de andar com suas armas carregadas e em ponto de tiro no trajeto entre o local de guarda da arma até o clube ou o campo em que se atira na presa, desde que tenham licença para tal, expedida pelo Exército. Na verdade, têm porte liberado, visto que não há qualquer fiscalização da posse e do porte, muito menos do itinerário feito por cada atirador. Podem, perfeitamente, fazer plantão em frente de uma seção eleitoral, sem constrangimento algum.

“Não é sobre armas, é sobre liberdade”, evoca o slogan do Proarmas, organização que em seu site traz um mapa com indicações de candidatos em cada estado do país para a formação de uma bancada da bala “mais forte” no Congresso Nacional. Capitaneada pelos filhos do presidente, Eduardo na Câmara e Flávio no Senado, a bancada atual tenta derrubar – ou, pelo menos, desfigurar – o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003.

Mesmo com o apoio desses parlamentares, que não raro se unem aos ruralistas – conhecidos como bancada do boi -, Bolsonaro conseguiu avançar menos do que gostaria na legislação pró-armas. Tentou liberar geral por meio de decretos, cujo teor fere o Estatuto de 2003. Daí ser barrado parcialmente pelo STF. Ainda assim, conseguiu muito. Diante da possibilidade de ver as canetadas em favor dos CACS serem derrotadas no Supremo, o ministro aliado Kassio Nunes Marques pediu vistas, paralisando a análise da constitucionalidade das permissividades autorizadas pelo presidente.

Se política e religião – tema eleitoral da vez – é uma combinação maléfica, a de política e armas é explosiva. Literalmente. Os códigos de civilidade não preveem povo armado nas ruas, muito menos próximo ou dentro de uma seção eleitoral. E não adianta citar o péssimo exemplo dos Estados Unidos, um país rico e desenvolvido, mas que deixa muitíssimo a dever em termos de civilidade, com matanças em série.

No Brasil, esta será a primeira eleição em que o porte de arma terá de ser normatizado pelo TSE. O país que superou as jagunçadas do passado, tempos de eleições forjadas à bala, não imaginou que em pleno século 21 tivesse de lidar com temores do Velho Oeste. Só o faz pelo risco da agressividade da militância bolsonarista, combinada e estimulada pela obsessão do presidente em armar a população.

Felizmente, o povo não se rende à balela da liberdade armada. Nada menos de 7 em 10 brasileiros, segundo o Datafolha, são frontalmente contrários às políticas pró-armamento. A arma é o voto.

Mary Zaidan é jornalista 

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