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Márcia Cabrita ensinou todos a rirem das nossas tragédias

Atriz enfrentou a doença com humor e escrevendo crônicas. Cria do teatro, ela é uma das mais talentosas de sua geração

atualizado

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Eliana Rodrigues/Divulgação
Márcia Cabrita 2
1 de 1 Márcia Cabrita 2 - Foto: Eliana Rodrigues/Divulgação

Márcia Cabrita não foi vencida pelo câncer. Ela venceu a doença. Riu e brincou, subiu no palco, dançou e gargalhou. Foram sete anos mostrando que poderia encarar o diagnóstico sem o dever da cura, mas com a dignidade de se sentir humana e digna diante do quadro clínico.

Márcia Cabrita não existe. Ela é o próprio espetáculo.

Jô Soares

A frase de Jô Soares ao finalizar uma entrevista com a atriz e comediante em 2011 talvez aproxime melhor a imagem da figura pública da mulher guerreira que lutou bravamente contra um câncer no ovário, descoberto em 15 de março de 2010.

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Levei uma marretada na cabeça, fui atropelada por um caminhão, levei uma facada no peito, tudo ao mesmo tempo.

Márcia Cabrita

Para se vingar do sofrimento, Márcia respirou fundo, segurou o choro, pegou a filha e foi para a Disney. Criou coragem e andou em todas as montanhas-russas. “As mais radicais”, orgulhava-se. Ali, divertiu-se e dobrou-se de gargalhar. Depois de enfrentar o apavorante brinquedo, voltou para enfrentar o sofrido processo de quimioterapia.

Então é assim. Há um ano eu não tenho mais medo de montanha-russa.

Márcia Cabrita

A luta contra o câncer deu a Márcia o ensinamento para desmitificar a doença. Além da importância de torná-la pública, ela passou a escrever sobre o tratamento e, posteriormente, a “cura” no blog “Força na Peruca”.

Quebrou estigmas como o de que a doença é “castigo”. Lutou contra a cobrança da positividade. Se tinha vontade de chorar, derramava-se em lágrimas. Desenhou seu sofrimento e o transformou em palavras, cercadas de humor, muito humor.

Olhava-me no espelho branca, magrela e de cabelos curtinhos (antes de caírem) e me achava pronta para fazer figuração na ‘A Lista de Schindler’. Achava que não tinha chance de sobreviver à cirurgia, que só pessoas que não tinham maus pensamentos sobreviviam.

Márcia Cabrita

Márcia riu da fragilidade humana. Talvez, daí tenha vindo tanta força que a fez resistir bravamente por mais sete anos. Certa vez, careca, magra e sem forças, questionou o quão eram horrorosos os robes hospitalares. Reclamou na internet e, quando chegou em casa, encontrou um pacote de presente. Abriu e lá estava uma peça de seda toda trabalhada em plumas feita pela estilista Isabela Capetto.

A forma com que Márcia encontrou para falar do câncer a fez escancarar o lado humano, amado pelos colegas de trabalho. Dona de um tempo de humor rápido e certeiro, tinha a fama de fazer todo mundo rir. Essa escola veio do teatro. Aos sete anos, estreou no papel de um pintinho amarelinho. Na sequência, uma professora de estudos sociais.

Descobri que era uma brincadeira gostosa e não parei mais.

Márcia Cabrita

Um dos espetáculos mais longevos do humor brasileiro, “Subversões”, que reuniu Márcia, Luís Salém e Aloísio Abreu, atravessou mais de duas décadas. Cheia de paródias e improvisações, a comédia projetou a atriz e a credenciou a entrar no “Sai de Baixo”, programa que a colocou no ápice do sucesso.

O caminho para as novelas e a participação nos humorísticos do “Multishow” tornaram-se naturais. Só interrompido pelas crises da doença. Houve sofrimento, sim. Mas um desejo imenso de gargalhar da vida e da efemeridade.

Quero fazer humor sempre, a vida toda.

Márcia Cabrita

O amor ao teatro é tanto e tão expressivo que fazia parte do cotidiano de Márcia Cabrita. Em sua página do Facebook, a imagem principal é de uma única porta de entrada de um teatro numa parede de tijolinhos. Entrou ali, não há volta. Isso resume o amor dela e o carinho que fez com que as peças em cartaz, no sábado (11/11), no Rio, dedicassem a sessão àquela que amou e honrou a arte de subir no palco.

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