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Como Hugo Rodas deixou doidinha a Brasília-menina de 15 anos

Diretor uruguaio aterrissou na capital federal em 1975, para um curso de 15 dias. Ficou para a vida toda mudando os rumos teatrais

atualizado

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Hugo Rodas
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Quando Hugo Rodas viu Brasília do avião, sorriu. Enxergou um raio, um clarão, um sol, talvez um beijo na face corada e cheia de esperanças. Era 1975. Tempos horrendos da ditadura militar. O convite, para aterrissar na nova capital de apenas 15 anos, foi inusitado, como quase tudo na vida do artista uruguaio.

Hugo estava em Salvador. O teatro e a dança por lá eram promissores naquele ano. Tinha vindo foragido das mordaças da ditadura uruguaia. Chegou ao Brasil com a roupa do corpo.

A gente tinha aprendido a ter pouco para menos perder

Hugo Rodas

Passou antes por Ouro Preto, num festival de artes, e fez laços com os artistas e professores de dança da Universidade Federal da Bahia. O caminho para o Brasil estava traçado.

Na Baia de Todos os Santos, o amigo e bailarino Clyde Morgan lhe repassou um convite para o substituir num curso de dança em Brasília. Compromissos lhe impediam de vir à capital brasileira. Hugo não hesitou. Veio, pegou o avião, atravessou o imerso estado da Bahia e viu o clarão no rosto. Lá embaixo, o chão vermelho e os prédios pareciam caixinhas de fósforos, que lembravam o cemitério de sua cidade natal. A morte pode ser uma visão de futuro. Dali, planando sob o céu do Planalto Central, Hugo intuiu que não seriam só 15 dias. Seria toda uma vida.

Achei que Brasília era Kripton e pronto: um novo super-homem nascia em mim

Hugo Rodas

O curso na Academia Lucia Toller foi um boca a boca danado. Havia uma juventude sedenta na cidade, querendo fazer teatro e não sabia como romper com a representatividade. Silvia Orthoff tinha sido exilada. A UnB, esfacelada como centro de criatividade. Hugo Rodas surgiu como o sol que estava entre as nuvens.

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O ensinamento foi estendido para outros espaços. Podia ser um clube? “Brutal”, disse Hugo. Arranjaram mais alunos pagantes, conseguiram um lugar para ele morar, colocaram comida à mesa. Pronto, Hugo ficou e com ele nascia o grupo Pitu, inspirado na garrafa de cachaça mais popular do Brasil. Sim, porque a bebida era mesmo o símbolo do teatro “orgiástico”, com energia de terreiro, com balanço de carnaval. Antropofágico por excelência, como é a natureza de Hugo Rodas.

Ele propôs técnicas corporais de dança para quebrar o corpo ereto e cotidiano do ator. Câmera fotográfica, congelamentos, tensões musculares que se desmanchavam à vista do espectador, corpos torcidos e retorcidos, contradições gestuais.

Assim, nascia o espetáculo “Saltimbancos”, que abriu os caminhos. Hugo, Exu e guardião do teatro-terreiro da cidade.  Hugo e seus atores vivem em comunidade. Vão pra São Paulo, viajam o Brasil e, quando voltam, a energia se assenta. Aos poucos, a loucura vai encontrando o eixo.

Brasília, menina de 15 anos, ficou doidinha com Hugo Rodas. Deixou de lado o vestido rosa combinado com o laço na cabeça e os sapatinhos, colocou meias coloridas, sambou, tomou seu primeiro porre, beijou na boca, muitas bocas, e perdeu a virgindade com o céu aberto à vista

Falar de Hugo Rodas exige muitos textos nesta coluna. Esse é só o inicial. O do batismo.

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