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Conheça doença rara de pele que poucos médicos conseguem diagnosticar

A psoríase pustulosa generalizada é a forma mais grave da doença e causa lesões cheias de pus em mais de 30% do corpo

Yanka Romao/Metrópoles
Ilustração mostra mulher olhando no espelho e vendo marcas da psoríase pustulosa generalizada - Metrópoles
1 de 1 Ilustração mostra mulher olhando no espelho e vendo marcas da psoríase pustulosa generalizada - Metrópoles - Foto: Yanka Romao/Metrópoles

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Em um mundo perfeito, ao sentir algum sintoma estranho, procuramos rapidamente um médico – ele nos examina, talvez peça alguns exames, e logo fecha o diagnóstico, indicando um tratamento que resolva o problema. Em alguns dias, estamos completamente curados e prontos para seguir com a vida.

Porém, nem toda doença se comporta de maneira tão fácil. Algumas condições são tão raras e apresentam sintomas tão inespecíficos que nem todos os médicos têm certeza do que está acontecendo. Muitos nem conseguem dizer exatamente o que causa a manifestação de sintomas e, tampouco, como lidar com o quadro. Sem sucesso, o paciente começa uma verdadeira via-crúcis atrás de alguém que possa fechar o diagnóstico e dar início ao tratamento.

A psoríase pustulosa generalizada (PPG) é uma dessas doenças. Apesar de a psoríase ser uma condição muito conhecida, esse subtipo é caracterizado por pequenas bolhas de pus espalhadas pelo corpo que causam vermelhidão e, frequentemente, muita dor – alguns pacientes comparam a sensação a ter um balde de óleo quente derramado sobre a pele.

No Brasil, segundo dados do Datasus, cerca de 1.458 indivíduos têm a doença, e em 65% dos casos a pessoa também tem psoríase vulgar. Cerca de 7% dos pacientes morrem devido à desidratação; infecções secundárias; insuficiência renal, hepática, cardíaca ou respiratória aguda; pancreatite ou a alterações dos eletrólitos relacionados à PPG.

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Quem vive com a doença não tem muita opção: a PPG se apresenta na pele, incomoda, dói, coça, é de difícil diagnóstico e atrai o olhar de outras pessoas. “Quem vê a lesão não sabe o que é, se é contagioso. As feridas aparentes podem gerar afastamento social, espontâneo ou decorrente de preconceito. Há a limitação dos machucados e ainda tem essa barreira extra com a pressão dos outros”, conta Vinícius*, 58 anos.

A mãe do servidor público tinha psoríase vulgar (a mais comum) e os primeiros sinais da doença começaram a aparecer nele na década de 1990. O tratamento era feito com remédio tópico. Porém, em 1996, enquanto se preparava para prestar concurso público, o estresse desencadeou uma crise séria.

Vinícius conta que percebeu manifestações extensas nas mãos, tórax, abdômen e costas. Ele seguiu o tratamento que já fazia, e as bolhas desapareceram.

Em abril de 2015, o servidor público percebeu que as lesões mais extensas estavam reaparecendo por todo o corpo. “Fui a um médico do plano, que disse ser fungo. Tomei a prescrição e continuou piorando. Procurei um dermatologista, que passou um doloroso exame (raspagem) para constatar se era mesmo isso: deu negativo. O mesmo médico fez uma biópsia, que deu laudo inconclusivo, e o laboratório considerou possível alergia a medicamento”, lembra.

Vinícius procurou uma médica alergologista e, como havia piorado muito entre uma consulta e outra, ela determinou que ele fosse internado. Uma colega da profissional de saúde sugeriu que o problema fosse psoríase.

“Eu estava muito mal, sentia enorme indisposição e muita dor pelo corpo, na pele, não meramente coceira – e coçava bastante –, mas dor mesmo”, conta.

No segundo dia de internação, uma dermatologista avaliou o caso de Vinícius, fazendo uma consulta breve. Olhou as lesões, que apareciam do pescoço até os pés, e foi taxativa. “É psoríase pustulosa”, afirmou.

O servidor público não aceitou o diagnóstico de primeira. Tendo passado por vários médicos e exames sem sucesso, não achou que poderia ser tão simples bater o martelo com uma análise visual. A médica confirmou que tinha certeza, e Vinícius ficou internado mais cinco dias.

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Ele conta que melhorou discretamente e recebeu alta médica, além de licença do trabalho por 10 a 15 dias para continuar o tratamento em casa. O servidor público limpava as lesões com um corticosteroide, que resolve o problema rapidamente, mas tem efeito rebote: quando ele estava melhor e tentava reduzir a dose, os machucados voltavam com toda a força.

A médica receitou acitretina, um retinoide usado para casos graves de psoríase, e, com o tempo, o quadro foi melhorando. Seis meses depois, com a dose do corticoide já bem menor, Vinícius voltou a ter uma vida normal, sem cuidados específicos com a psoríase.

“Em 2020, uma nova crise. Comecei usando o medicamento tópico, procurei a médica de 2015 e ela me orientou que continuasse. Piorou. Como ela não estava mais no antigo serviço, me indicou outro dermatologista, que me internou no mesmo hospital de antes”, lembra.

Dessa vez, a abordagem clínica foi diferente, com um imunossupressor relacionado à acitretina. O médico decidiu que quando ele melhorasse tentariam um imunobiológico injetável – inicialmente, o remédio foi fornecido gratuitamente pela fabricante e, depois, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por ser um medicamento de alto custo.

Vinícius lamenta que as pessoas em geral não tenham a menor ideia de quão grave pode ser a psoríase, o grau de severidade que ela pode atingir e, tampouco, o nível de prostração que o paciente sofre em momentos de crise aguda.

“Como as pessoas não têm esse conhecimento, falar sobre isso, a menos que seja em um contexto adequado, pode não ser fácil e ser até estranho, de sorte que pode ser mais fácil se reservar. O quadro controlado hoje em dia me traz mais alívio, mas foi tão dolorido no físico quanto no mental”, diz.

A psoríase pustulosa generalizada

A psoríase pustulosa generalizada é uma condição imunomediada. Em outras palavras, o corpo percebe que precisa lidar com uma inflamação, e o sistema imunológico age causando ainda mais inflamações. Esse tipo de quadro é diferente de uma doença autoimune, quando há um anticorpo que destrói alguma parte do organismo.

Em geral, a PPG causa pequenas lesões cavitárias, que são bolinhas de pus que se apresentam em mais de 30% do corpo e podem estar associadas a febre, queda do ânimo geral, dor e náusea. Pacientes em crise, como Vinícius, algumas vezes precisam de internação.

“Às vezes, a pessoa fica com mau cheiro porque as lesões se acumulam, juntando queratina e causando o odor. Tem toda a questão estética e psicológica, mas não é só isso. A doença abala muito a qualidade de vida desse indivíduo – ele precisa conviver com as crises, que não são previsíveis. É bem difícil”, explica o dermatologista Dimitri Luz, titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Luz, que também faz parte do Conselho Científico da Associação Brasileira de Psoríase, Artrite Psoriásica e de outras Doenças Crônicas de Pele (Psoríase Brasil), conta que a PPG é uma condição com forte característica genética. Os pacientes com mutações em quatro genes específicos têm predisposição a desenvolver a doença, mas ainda não existe um teste comercial que identifique se a pessoa tem o gene.

Em geral, a PPG começa a se manifestar em adultos que passaram por alguma espécie de gatilho. Tabagismo, obesidade, uso de medicações e até a gravidez podem desencadear o surgimento das bolinhas de pus.

Ilustração mostra os gatilhos da PPG - Metrópoles

Por enquanto, o diagnóstico é feito basicamente pela identificação dos sintomas e das lesões e por alguns exames. Porém, como a doença é rara, muitos dermatologistas não a conhecem, atrasando o diagnóstico, e acabam tratando o problema como psoríase vulgar, sem sucesso.

Uma pesquisa realizada pela farmacêutica Boehringer Ingelheim e o instituto de pesquisa Inception afirma que, desde o início dos sintomas até o diagnóstico da PPG, o paciente espera, em média, dois anos e meio.

“Eles chegam muito cansados pela procura de um médico que trate a doença. O paciente já vem de várias consultas e fica ansioso, sem saber se aquele vai ser o último médico que vai ser consultado, se vai ser criado finalmente um laço para o tratamento. Pode ser uma jornada muito longa até que o diagnóstico seja concluído”, conta Luz.

O indivíduo que desenvolve a psoríase pustulosa generalizada também fica sensível a ter outras doenças. O risco de condições cardiovasculares, como a formação de placas de ateroma, que podem fechar alguma artéria, aumenta – assim, ele pode ter um AVC ou um infarto. “Com o corpo inflamado, as chances são ainda maiores”, alerta o dermatologista.

“Pouca gente pensa que uma doença de pele que não seja o câncer pode ser mortal. Não damos a devida atenção a isso, mas a PPG é uma doença que evolui em crises, pode ser muito explosiva e até fatal”, diz o dermatologista Wagner Galvão, que é especialista em psoríase.

A presidente da Psoríase Brasil, Gladis Lima, conta que, hoje, a principal dificuldade do paciente com psoríase é mesmo em relação ao diagnóstico tardio ou incorreto, além do tratamento inadequado e dificuldade de acesso aos especialistas no Sistema Único de Saúde. Ela explica que ainda existem poucos dermatologistas atuando no serviço público e que algumas cidades sequer têm um profissional especializado para fazer o atendimento.

“É essencial que a psoríase seja identificada tão inicialmente quanto possível. O diagnóstico inicial e a terapia adequada proporcionam melhorias na qualidade de vida e evitam o sofrimento desnecessário da doença descontrolada, deformidades irreversíveis das articulações e a incapacidade. Como sempre dizem os médicos: ‘Psoríase não tem cura, mas tem tratamento'”, afirma.

Gladis lembra ainda que a psoríase não é contagiosa – nenhum de seus tipos. Por desconhecimento, muitas pessoas acabam agindo de forma preconceituosa contra os pacientes, causando impacto negativo tanto nos aspectos sociais quanto nos emocionais, físicos, interpessoais e psicológicos.

O futuro do tratamento da PPG

Como doença crônica, não se fala em cura da psoríase pustulosa, mas em um controle das crises. O paciente pode, sim, viver uma vida normal sem lesões, mas não há garantias que elas nunca mais vão aparecer, ou que um remédio milagroso resolverá todos os problemas.

“Nenhum tratamento vai proporcionar isso. Hoje, temos duas medicações aprovadas na Anvisa para a condição. Agora, temos mais o espesolimabe, que bloqueia a interleucina e faz com que o paciente tenha menos pústulas. Esse remédio é aprovado para crise de PPG, mas ainda não temos nada para uso em longo prazo”, conta Luz.

O medicamento foi aprovado em março de 2023 e, por enquanto, não está disponível na rede pública. O estudo publicado no The England Journal of Medicine dá conta que, após 12 semanas de tratamento, 54% dos pacientes deixaram de apresentar pústulas visíveis com apenas uma dose do remédio. Entre os que tomaram placebo, só 6% tiveram o mesmo resultado.

O levantamento foi feito com apenas 53 adultos. A pesquisa sobre a PPG é muito complicada, uma vez que a doença é bastante rara e as crises acontecem sem regularidade. Um paciente com psoríase pustulosa generalizada pode ter apenas um surto durante toda a vida, por exemplo, enquanto outros têm problemas com maior frequência.

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Luz explica que não existem protocolos fechados para lidar com a condição, e que as opções dependem de cada paciente. Porém, em todos os casos, a terapia deve ser multidisciplinar, com psicólogo, cardiologista, nutricionista, fisioterapeuta e reumatologista. “Pode ser que esse paciente precise ser internado em UTI, então muita gente fica envolvida nesse cuidado”, afirma o dermatologista.

O indivíduo com PPG também precisa adotar um estilo de vida saudável, com dieta balanceada e exercícios físicos regulares, para evitar a inflamação no corpo. O controle do estresse também é importante, já que ele é um dos gatilhos para surtos. É um compromisso essencial.

Depois da última crise, Vinícius continuava com algumas lesões no abdômen e, quando uma nova medicação foi aprovada e distribuída pelo SUS, ele trocou de remédio. Os machucados desapareceram. Porém, depois de dois anos tranquilos, o produto parece não estar tendo mais o mesmo efeito.

Em julho de 2023, o servidor público teve uma crise de dor aguda no pé que foi tratada como gota no pronto-socorro. Vinícius procurou um reumatologista, que ainda não conseguiu fechar o diagnóstico, mas acredita que o quadro foi um episódio agudo de artite psoriásica. Foi introduzido um novo medicamento de uso contínuo (diário e oral), para prevenir a ocorrência de possível nova crise, e ele segue em tratamento.

“São doenças crônicas que podem causar enorme transtorno para a vida cotidiana se não mantidas sob controle. As manifestações vão além da pele. A doença está controlada, mas há alguns meses venho apresentando algumas lesões, o que tem demandado o uso de medicação tópica associada ao imunobiológico. De um modo geral, hoje, estou bem”, conta o servidor público.

*O personagem preferiu não se identificar, e foi tratado com o nome fantasia de Vinícius.

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