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Com doença rara, jovem só descobriu que não tinha útero aos 23 anos

Mulher nunca menstruou e sentia muitas dores nas relações sexuais. Ao investigar dores intestinais, ela descobriu que não tinha útero

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Reprodução de exames mostra mulher com Síndrome de Rokitansky
1 de 1 Reprodução de exames mostra mulher com Síndrome de Rokitansky - Foto: Reprodução

Apesar de causarem várias consequências para quem as têm, algumas condições congênitas podem passar anos escondidas. A jovem Jennifer (a personagem preferiu não se identificar com seu nome verdadeiro), de 28 anos, é um exemplo: ela só descobriu aos 23 que não tem útero e tem uma vértebra a mais, além de vários problemas nos rins e intestinos.

As falhas são causadas por uma condição rara chamada Síndrome de Rokitansky. A doença afeta a formação dos órgãos do sistema reprodutor e atinge uma a cada cinco mil crianças nascidas vivas.

“Essa síndrome é caracterizada por uma disfunção, ainda no feto, dos dutos que são responsáveis pela formação do útero, das trompas e do terço superior da vagina”, explica o ginecologista e obstetra Luiz Fernando Pina, da Baby Center Medicina Reprodutiva, em São Paulo.

O médico aponta que, apesar de impedir a maternidade e estar associada a anomalias renais e cervicais, a doença em geral não traz grandes complicações para o funcionamento do corpo das pacientes. Em alguns casos, é possível fazer transplante de útero para que mulheres com Rokitansky consigam se reproduzir.

Entretanto, a dificuldade em chegar ao diagnóstico pode trazer consequências graves. “Há muito desconhecimento e as pacientes sofrem muitos impactos psicológicos pela falta de informação também dos médicos. Algumas, por exemplo, têm dilatação da uretra e tentam fazer sexo por ali, sofrendo muitas dores”, esclarece Pina.

Mentira na infância

Jennifer cresceu em uma casa cheia de mulheres. Na sua família, todas as meninas tinham menstruado com, no máximo, 11 anos. Ansiosa por seu momento, mas sem sinais da menarca, ela decidiu contar para todos que já tinha menstruado. Queria se aliviar da pressão.

“Na minha cabeça, eu só tava antecipando um fato que, teoricamente, ia acontecer, então não tinha consequências. Tive paz, todo mundo ficou feliz, então deixei passar”, lembra.

Porém, a menstruação nunca veio. Aos 15 anos, a jovem foi ao ginecologista sozinha pela primeira vez e tomou coragem para contar que nunca tinha menstruado. O médico estranhou e pediu uma série de exames mas, por ser menor de idade, o profissional de saúde pediu uma autorização dos pais de Jennifer. Assustada, ela ficou com medo e nunca mais voltou.

Aos 19, ela tentou de novo. A jovem pensava em começar a vida sexual, e comentou com sobre sua situação com o médico. Porém, sem plano de saúde, os exames custariam cerca de R$ 600, um gasto que ela não poderia ter sem a ajuda dos pais. Os testes ficaram de lado novamente.

Jennifer teve as primeiras experiências sexuais e elas foram dolorosas — a síndrome também afeta a formação de parte da vagina. “Achei que a dor era normal na época. Todo mundo falava que era dolorido, mas para mim foi muito doído e sangrou muito. Foi uma experiência bem difícil”, lembra.

Síndrome também afeta outros órgãos

Com 23 anos, a jovem começou a sentir desconfortos no intestino e dores intensas. Durante uma briga com os pais, ela contou (sem querer) que nunca tinha menstruado e estava apreensiva com a própria saúde. Com o apoio da família, Jennifer foi atrás de um diagnóstico.

No proctologista, ela descobriu que estava com uma fístula no intestino (um corte nas paredes do órgão). Os exames para revelar a fístula, porém, também apontaram a ausência dos órgãos reprodutores.

“Chegaram a me ligar para perguntar se eu tinha tirado o útero e esquecido de dizer”, conta. Ela fez outra bateria de exames que confirmou a síndrome e ainda revelou que além de não ter o útero, ela ainda estava sem parte do intestino e tinha uma vértebra a mais.

Reprodução de exames mostra mulher com Síndrome de Rokitansky - Metrópoles
Condição também fez Jenniffer nascer com uma vértebra a mais na lombar

A fístula é uma consequência do desarranjo interno dos órgãos, que passam a pressionar uns aos outros pelo espaço reservado aos órgãos que seriam dedicados à reprodução.

Jennifer precisou fazer várias cirurgias para reparar o problema (por isso, precisou viver com bolsa de colostomia por vários meses), e também procedimentos para retirar alguns dos óvulos que estavam em seu ovário — por nunca terem sido eliminados na menstruação, estavam se tornando formações tumorais.

“Eu descobri junto com a síndrome vários cistos no ovário. Como os óvulos não desceram para o útero, eles vão se acumulando. Meu ovário direito estava cinco vezes maior do que deveria, até me aconselharam a tirar, mas eu tive medo, já que isso é abrir mão da maternidade de uma vez”, conta.

Atualmente, Jennifer toma medicações de controle hormonal para evitar cistos e tem extremo cuidado com seus rins e hidratação, já que a doença compromete o funcionamento dos órgãos e favorece a formação de cálculos.

“Foram muitas consequências de uma síndrome que eu poderia ter descoberto muito antes se tivesse acesso às informações na hora certa. Além das consequências físicas, há muito sofrimento em descobrir que eu sou uma pessoa deficiente, em viver com bolsa de colostomia e fazer uma verdadeira maratona em hospitais, indo todos os meses fazer exames, cirurgias. Tudo isso é extremamente desgastante. Tive que me dedicar muito à terapia”, lamenta a jovem.

Apesar de se culpar por ter guardado por muito tempo o segredo da falta de menstruações, Jennifer reconhece que há um despreparo das equipes médicas para atender pessoas com doenças raras como a dela.

“Já fui a consultas com ginecologistas que não queriam me aceitar como paciente. O capacitismo está nas nossas famílias e amigos, mas também nos hospitais”, afirma.

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