PCC: as frustrações que motivaram o plano de retaliação da facção
Ao menos quatro planos do PCC para resgatar Marcola fracassaram na última década; atacar autoridades virou “Plano B” da facção paulista
atualizado
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São Paulo – No dia 2 de outubro de 2018, um detento entrou na sala do diretor do presídio e fez uma revelação perturbadora. Estava em curso um plano milionário para resgatar Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outros 14 membros da alta cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC) de dentro da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo.
O episódio marca o início da ofensiva mais dura das autoridades de segurança pública contra Marcola e o comando do PCC. A partir dele, líderes da maior facção criminosa do Brasil foram, pela primeira vez, encarcerados no sistema penitenciário federal, onde ficam isolados, são supervigiados e perdem o direito a visitas íntimas. Tirá-los de lá virou prioridade do PCC.
Foram pelo menos quatro tentativas frustradas de resgatar Marcola da prisão na última década. Na última delas, no ano passado, o PCC planejou tirar o seu líder máximo do presídio federal de Porto Velho (RO). Investigadores estimam que a estrutura, com blindados e aeronaves, custou R$ 60 milhões. Marcola foi transferido de volta para Brasília em seguida, de onde também já tentaram resgatá-lo em 2020.
Acumulando fracassos, a facção também passou a investir mais em vinganças contra agentes públicos e autoridades brasileiras – o “Plano B” do grupo. A retaliação mais recente foi desarticulada pela Polícia Federal (PF), na última semana, e tinha como um dos alvos o senador Sergio Moro (União-PR).
Autor dos pedidos de transferência dos líderes do PCC, o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo (MPSP), é uma das autoridades na mira da facção. Ordens para executá-lo são interceptadas com frequência. “Há quatro anos não tenho vida social”, declarou na última semana.
Tentativas de fuga de Marcola
A tentativa de resgate de Marcola da P2 de Presidente Venceslau, em 2018, foi revelada pelo delator com duas condições: anonimato absoluto e nunca mais ser chamado para depor. Com várias ações simultâneas, o plano era cinematográfico.
Uma das células da facção era responsável por incendiar caminhões e bloquear a Rodovia Raposo Tavares. Outras iriam atacar a estação de energia elétrica, cortar o sinal de comunicação e lançar granadas e tiros de fuzil contra o Comando da Polícia Militar no Interior (CPI-8) e cercar o 42º Batalhão da PM, localizado na cidade. O objetivo era impedir o voo do helicóptero Águia e a reação da polícia.
No comando da operação estava Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, traficante com ligações com a ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, na Itália, e amigo de infância de Marcola.
Foragido na época, Fuminho havia formado um exército de homens treinados em suas fazendas na Bolívia e contava até com soldados africanos, experts em armas pesadas. Ele foi preso em Moçambique, em operação internacional coordenada pela PF, em 2020, com participação do Departamento Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) e da polícia moçambicana.
Em 2014, o MPSP já havia descoberto um plano para resgatar Marcola de helicóptero. Policiais ficaram dias de tocaia na mata ao redor da P2 de Presidente Venceslau para tentar abater a aeronave.
No episódio do delator, no entanto, as autoridades tinham razões a mais para levar o esforço do PCC a sério. Em setembro de 2018, mês anterior à descoberta do plano, 20 criminosos haviam invadido o Presídio de Piraquara, na Grande Curitiba, e resgatado 29 presos da facção.
Outro motivo era que Marcola acabara de ser condenado no âmbito da Operação Ethos, em fevereiro de 2018. Com mais uma sentença na sua ficha criminal, a pena acumulada do líder do PCC chegou a mais de 330 anos de prisão – o que praticamente inviabilizava sua progressão de regime ou liberdade por meios legais.
Ameaças contra promotor
Contra o plano de resgate do PCC, autoridades de segurança fecharam o aeroporto da região e chegaram a instalar barreiras nas pistas de pouso e decolagem.
Levados para reforçar a segurança de Presidente Venceslau, homens da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) prenderam duas mulheres em flagrante, na saída de visitas na P2, no dia 8 de dezembro de 2018.
Dentro de uma bolsa preta, decorada com borboletinhas, os PMs encontraram duas cartas cifradas e anotações do PCC. O setor de inteligência decodificou o conteúdo e concluiu se tratar de um “salve” para executar o promotor Lincoln Gakiya e o coordenador da unidade prisional.
“Salve do frango Japoneis [Gakiya] é um pouco mais complicado mais da pra fazer também ora que quiser o que ta pegando é que a cidade dele é bem maior que w pra dar balão depois é mais dificil, mais os irs tão nessa pegada [sic]”, aponta a transcrição da mensagem.
Já a outra carta ligava a ordem de execução ao pedido de transferência de Marcola para o sistema federal. “Presta atenção todos vcs da restrita [sic], essa missão é de extrema, pois se o amigo aqui for pra federal, essa situação tem que ser colocada no chão de qualquer forma”.
Uma nova mensagem seria interceptada na Penitenciária de Junqueirópolis, no interior, em janeiro de 2019.
“Não posso falar no telefone a Gaep [Gaeco] ta pegando tudo no grampo e referente o Japonês Promotor continua a mesma fita ele ta dando mó sorte”, diz um trecho. “Fiquei sabendo que vocês quase pegaram ele no transito (…) sei que vocês estão arriscando a vida de vocês pela nossa luta e causa [sic].”