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Órfão e ex-capoeirista: a história do homem amarrado por PMs

Amarrado e carregado por PMs, Robson Rodrigo Francisco é dependente químico e vive há mais de uma década entre a rua e a cadeia

atualizado

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Reprodução/Vídeo/Redes sociais
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1 de 1 PMs-homem-amarrado-SP - Foto: Reprodução/Vídeo/Redes sociais

São Paulo – Criado em um orfanato, Robson Rodrigo Francisco, 32 anos, já foi professor de capoeira e só concluiu o ensino formal até a antiga oitava série. Viciado em drogas, vive há mais de uma década entre as ruas e as cadeias de São Paulo. Essa é, basicamente, a história do homem negro que foi amarrado por policiais militares (PMs), após surrupiar duas caixas de bombom de um mercado.

O caso aconteceu na Vila Mariana, na zona sul da capital paulista, em uma noite de domingo (4/6). Pego em flagrante ao lado de outro homem e de um adolescente, Robson não tentou se esquivar da acusação de furto e quis assumir a culpa sozinho: “Fui eu que peguei o bagulho, entendeu? Os dois têm nada a ver”.

 

A alegação foi gravada pela câmera instalada na farda dos policiais (vídeo acima). As imagens também mostram que Robson se recusa a sentar na calçada e, como se desse ordem, pede para levar um “rodo”. Um PM, obediente, aplica o golpe.

Em seguida, Robson se debate no chão, é contido por quatro agentes e, já algemado, é amarrado e carregado pelos PMs. Para entidades de direitos humanos, trata-se de uma cena de “tortura policial”. A Justiça e o Ministério Público de São Paulo (MPSP) concordam que há indícios de crime — mas de “resistência”, cometida pelo suspeito. Robson está preso desde então.

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Órfão

Sem paternidade reconhecida, Robson nasceu em família de seis crianças e morou durante parte da infância em uma favela na região da Freguesia do Ó, na zona norte da capital paulista.

“A gente pedia esmola no farol e, às vezes, andava até Santana para buscar uma cesta básica”, relata o irmão mais velho Carlos Henrique Francisco, 35, em uma conversa transmitida pelo advogado de defesa José Luiz de Oliveira Junior.

Segundo o irmão, Robson tinha 7 anos quando ficou completamente órfão. “O Robson era o xodozinho da minha mãe, eles dormiam na mesma cama. Ela morreu do lado dele”, diz. Levado para um orfanato, começou a manifestar os primeiros sintomas de depressão.

Carlos Henrique relata, ainda, que Robson vive nas ruas desde os 19 anos, mas sempre manteve contato com os irmãos e chegou a passar a pandemia de Covid-19 na sua casa. “Ele tem referências pelo Conservatório Villa Lobos e é professor de capoeira, diz. “Em momento nenhum, eu não soube onde ele estava”.

“Olhando aquela situação, eu entro em choque porque eu sei quem ele é”, afirma o irmão mais velho. “O que destruiu a vida do Robson é o que destrói milhares de lares no Brasil: a droga. Destrói o usuário, destrói a família e todo mundo fica avesso, porque não sabe o que fazer”.

Drogas

O caso do furto de chocolate resultou na terceira prisão de Robson. Em junho de 2015, ele foi detido em flagrante na Avenida Pedroso de Morais, em Pinheiros, na zona oeste, após se atirar contra um ciclistas, colocar a bike nas costas e tentar fugir. Na ocasião, também foi acusado de resistência.

Já na segunda prisão não houve flagrante. No radar da polícia por causa do roubo da bicicleta, Robson foi acusado de um assalto à mão armada em um farol da Vila Mariana, no dia anterior. Ele negou o roubo.

No boletim de ocorrência, feito pela internet, a vítima diz que o ladrão era um homem “pardo”, de “olhos castanhos claros”, “cabelo encaracolado” e 1,70 metro de altura. Robson é preto, tem olhos escuros, mede 1,75 metro e vivia em uma pracinha perto do local do roubo.

Na delegacia, ele negou o assalto e respondeu a todo interrogatório. Perguntado sobre uso de drogas, disse que “bebe cachaça, usa crack, cocaína e fuma maconha” e chegou a passar sete meses internado em uma comunidade terapêutica em Catanduva, no interior paulista.

“Se considera um usuário ‘totalflex’, ou seja, usa todos os tipos de drogas assim como ingere bebidas de todos os tipos”, consta no seu termo de interrogatório. “Trabalha fazendo bicos de ajudante geral quando surge algum serviço (…) e aborda pessoas no farol para pedir dinheiro, mas somente somente motoristas homens”.

Robson respondeu aos dois processos simultaneamente e foi condenado, em ambos, a penas que somam mais de 10 anos de prisão. Nesse período, passou pelo Centro de Detenção Provisória (CDP) 2 de Guarulhos, na Grande São Paulo, além da Penitenciária Doutor Walter Faria Pereira Queiroz, em Pirajuí, e do Centro de Progressão 1 de Bauru, no interior.

Furto no Oxxo

Ele estava em regime aberto quando foi preso pelo furto no mercado. Segundo um funcionário da loja de conveniência Oxxo, Robson e outros dois rapazes entraram na unidade de madrugada e começaram a colocar diversos produtos dentro de cestas. Ele suspeitou da ação, porque Robson já teria cometido outros furtos, acionou o botão do pânico e foi para o lado de fora.

O trio saiu da loja levando vários produtos sem pagar. Além das caixas de bombom, eles roubaram bebidas alcoólicas e energéticas avaliadas em cerca de R$ 500. O funcionário indicou as vestimentas e o sentido para o qual os suspeitos teriam ido.

Mais adiante, em outra rua, os PMs encontraram Robson com duas caixas de bombom.

Ainda de acordo com os policiais, Robson “estava bastante alterado e em momento algum acatou a ordem dos policiais, sendo necessário o uso da força para algemá-lo”.

 

Os PMs solicitaram apoio de outra viatura. Segundo o relato, foram necessários quatro policiais para segurar o suspeito. “Mesmo algemado, Robson continuou resistindo e foi necessária a utilização de uma corda para amarrar os pés”, disseram os militares na delegacia.

Robson teria ameaçado sair correndo e também que “pegaria a arma dos policiais e daria vários tiros” neles, ainda conforme relatos dos policiais. Os outros dois suspeitos também foram detidos.

Após a repercussão do caso, os policiais envolvidos foram afastados. A Corregedoria da corporação e o Ministério Público de SP apuram as circunstâncias.

Um grupo de entidades de direitos humanos entrou com uma ação civil pública contra o estado de SP e pediu indenização de R$ 500 mil por ato de tortura.

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