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Golpe em aposentado: Ambec tem 45 mil “associados” e fatura milhões

Com aval do INSS, Ambec está habilitada a descontar R$ 45 mensais da folha de pagamento dos aposentados, que dizem desconhecer a associação

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
INSS previdencial Social
1 de 1 INSS previdencial Social - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

São Paulo — Alvo de milhares de processos e reclamações de aposentados em todo o país por descontar uma contribuição mensal de R$ 45,00 direto da folha de pagamento das aposentadorias sem autorização, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) possui cerca de 45 mil “associados” e fatura milhões de reais por mês com o desconto no INSS.

Como o Metrópoles mostrou no último sábado (23/12), a entidade está em nome de uma laranja (que é auxiliar de dentista), vive uma disputa interna com troca de acusações de fraude e é controlada por um empresário que mantinha contratos milionários com um órgão federal loteado pelo Centrão.

Entidades como a Ambec podem descontar valores predefinidos e até porcentagens dos vencimentos de aposentados que são associados a elas. A permissão para isso é dada pelo próprio INSS, que firma acordos de cooperação técnica com essas associações e permite os descontos.

Mas há milhares de processos na Justiça e reclamações em órgãos de defesa do consumidor e na internet de aposentados que nunca se filiaram a essas associações e estão tendo o valor da contribuição — R$ 45,00 no caso da Ambec — descontados todo mês de suas aposentadorias. Há casos em que o aposentado pediu o bloqueio da contribuição ao INSS, mas o desconto continuou.

A preocupação com o tema chegou ao Congresso Nacional. Em março, o deputado Capitão Alberto Neto (PL) pediu ao governo informações sobre “descontos sem autorização na folha de pagamento dos aposentados em favor de entidades sindicais”. O Ministério da Previdência Social enviou à Câmara dos Deputados respostas com números de filiados e valores recebidos por entidades que assinaram acordos com o INSS que permitem descontos nas aposentadorias.

A Ambec, segundo o ministério, tinha 45,2 mil “associados” em fevereiro deste ano e recebeu cerca de R$ 2 milhões com as contribuições no mesmo mês. Como mostrou o Metrópoles, existem 2,3 mil ações contra a associação espalhadas em 12 tribunais em diversas regiões do país. Em sites de reclamações, há 5,5 mil notificações. A cada dia entram mais e mais processos e queixas.

Em resposta ao requerimento de informações do parlamentar, o INSS ainda ressaltou que os termos de cooperação têm cláusulas que conferem às associações a responsabilidade exclusiva em casos de cobranças indevidas. O órgão listou pelo menos quatro entidades que tiveram os acordos rescindidos por irregularidades e uma investigação interna em andamento.

Há casos em que idosos moveram ações judiciais, obtiveram decisões para que os valores sejam devolvidos, e mesmo assim estão enfrentando resistência do INSS e da entidade em providenciar a devolução. O advogado Fabio Manzieri Thomaz, que defende diversos aposentados que afirmam ser vítimas do golpe, afirma que as principais vítimas são os mais vulneráveis, que recebem um salário mínimo de aposentadoria.

“A cada cinco casos de idosos e pensionistas, um tem desconto de associação. Eu sei que é uma liberação que as associações obtêm junto ao INSS, mas é preciso ver os requisitos para tal concessão. Os atingidos são os mais pobres e que já estão com o benefício tomado por empréstimos”, diz.

Como a Ambec entrou no INSS

A Ambec firmou um termo de cooperação com o INSS em 2021, quando o órgão estava sob guarda-chuva do Ministério do Trabalho. No extrato do acordo, consta que ele foi firmado para a “realização de desconto de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários dos seus associados” no valor de R$ 45,00.

O Acordo de Cooperação Técnica foi assinado pelo então diretor de benefícios, José Carlos Oliveira — que presidiu o INSS em 2021 e, no ano seguinte, assumiu o comando do Ministério do Trabalho e da Previdência, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Quando estava na diretoria de benefícios, Oliveira já era visto com preocupação por procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que investigavam entidades como a Ambec. Quando ele chegou, a pasta pôs freio em uma onda de suspensões de convênios com essas entidades, por irregularidades.

No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Ministério do Trabalho foi assumido por Luiz Marinho (PT), ex-prefeito de São Bernardo do Campo, e a pasta da Previdência, onde está o INSS, ficou sob o comando de Carlos Lupi (PDT). A Ambec permaneceu intocada dentro da pasta.

O que diz o INSS

Metrópoles questionou o INSS sobre os descontos indevidos feitos pela Ambec diretamente nos pagamentos das aposentadorias e sobre as medidas adotadas a esse respeito. Em nota, o órgão afirmou apenas que “mantém acordos de cooperação técnica com entidades de classe para desconto de mensalidade associativa com algumas instituições”, com base na Lei nº 8.213/1992 e no Decreto nº 3.048/1999.

“Desde que autorizada pelos filiados, a mensalidade associativa pode ser descontada diretamente do benefício. Cabe destacar que o desconto não é do INSS, mas, sim, da entidade”, diz o órgão.

Ainda segundo o INSS, “o beneficiário que for descontado indevidamente deve entrar em contato com a entidade por meio do SAC que consta na própria rubrica de desconto no extrato de pagamento, ou pode pedir o serviço de excluir mensalidade associativa pelo Meu INSS ou Central 135”.

Presidente laranja e assinaturas falsas

A Ambec diz, em seu site, fornecer, pelo valor de R$ 45,00 mensais, planos odontológicos e descontos em atendimentos médicos. A associação tem sede na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo. Seu escritório, de fato, funciona em um prédio comercial no bairro cujo metro quadrado é um dos mais caros da cidade.

Sua presidente formal, contudo, é a auxiliar de dentista Maria Inês Batista de Almeida, de 63 anos, moradora do Jardim Robru, no extremo leste de São Paulo. É o nome dela que aparece como presidente da Ambec na Receita Federal.

A Ambec vive uma guerra interna. Ex-conselheiros e diretores acusam atuais dirigentes de terem lavrado a ata de eleição que levou Maira Ines à presidência, com assinaturas falsas. A briga se arrasta há um ano na Justiça e está recheada de trocas de acusações de falsidade de ambas as alas da entidade.

Metrópoles apurou que a entidade está sob controle de empresários que conquistaram contratos milionários em Brasília, em uma autarquia dominada pelo Centrão. Um deles é Jose Hermicesar Brilhante Palmeira, empresário do ramo de planos odontológicos, que aparece como secretário da Ambec em registro no cartório.

Ele tem passado político em São Paulo. Missionário de igreja evangélica, foi homenageado por um ex-vereador malufista no início dos anos 1990. Em Brasília, seu plano de saúde conseguiu um contrato com o Geap, plano de saúde dos servidores públicos federais, que era de domínio de políticos do Progressistas.

Em 2020, o general Ricardo Figueiredo, nomeado pelo governo Bolsonaro, tirou a empresa de José Hermicesar do Geap e travou uma guerra judicial contra ela. Ele disse à época que milhões de reais estavam sendo economizados sem o contrato. O Geap estava sob o guarda-chuva do INSS.

Presidente silencia e Ambec nega irregularidades

Metrópoles perguntou diretamente a Maria Inês Batista de Almeida se ela exerce, de fato, a presidência da Ambec, ou se emprestou seu nome a terceiros. Ela não se pronunciou. Em contato com a reportagem, um atendente disse que a presidente não se pronunciaria e que a entidade enviaria uma nota de manifestação por meio de sua defesa.

O advogado Fernando Araneo, que defende a Ambec, afirmou apenas que a associação “foi fundada há 17 anos, sem fins lucrativos, regularmente constituída para cumprir sua função social de auxílio a todos aqueles aposentados que voluntariamente se associaram, não possuindo nenhuma irregularidade”.

Araneo não falou sobre os descontos indevidos nas aposentadorias, contestados na Justiça, nem sobre a atuação da auxiliar de dentista no comando da Ambec. Disse apenas que “sua diretoria é regularmente composta por aposentados”.

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