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Ouriço tem bons pratos, mas falta criatividade

Restaurante especializado em frutos do mar é comandado pelo chef Thiago Paraiso

atualizado

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1 de 1 mexilhoes - Foto: Divulgação

É preciso ousadia para abrir um restaurante especializado em frutos do mar no meio do Planalto Central. Há hoje sistemas de logística suficientemente capacitados para fornecer ingredientes de qualidade advindos do litoral (para além da tilápia e do salmão de cativeiro), porém a limitada oferta de pescados no cenário gastronômico brasiliense evidencia-se pelo pouquíssimo número de casas dedicadas a essa categoria tão demandada.

Eis um primeiro mérito do Ouriço, novo empreendimento do jovem chef Thiago Paraiso (do restaurante Saveur): expandir o uso de frutos do mar para além da culinária baiana e das caçarolas monotemáticas do Coco Bambu. Ao traduzir a experiência para a refeição individual e a elegância da mesa posta para o serviço em etapas, a casa apresenta um aspecto inovador.

Paraiso, como provou no Saveur, dedica-se à minúcia da apresentação visual dos pratos, em consonância com a escola europeia pós-moderna influenciada por El Bulli e consagrada com a nova cozinha britânica, o farol da cozinha contemporânea (ao menos narrativamente), com seus prêmios e shows de comida.

Ambas as casas do chef operam no Lago Sul, sob reserva e em espaços projetados com um belo investimento em decoração de interiores, louça e serviço de salão. O Ouriço, aliás, dispõe suas mesas em precisa distância uma da outra, tanto para o conforto de locomoção como de conversação, além das ótimas cadeiras. O sofá replica o problema de quase todo estabelecimento a utilizá-lo: assento muito baixo para a altura da mesa.

Até então, a experiência, agradabilíssima, convencia os primeiros sentidos (visão e audição) a adentrar um dos melhores restaurantes da cidade. Não fosse pela limitação técnica e criativa, quando da primeira visita. De entrada, um arancini de tomate seco com um pedacinho minúsculo de polvo quase imperceptível ao paladar (R$ 32) não representa o melhor das iguarias do menu. Prefiro o carpaccio de vieira com azeite de limão-siciliano mais crocante de cebola (R$ 67).

No entanto, não se furte à oportunidade de saborear bons mexilhões e ostras frescas. In natura ou nas versões empanada, com tomate e molho sriracha, ou gratinada, a porção de seis ostras custa R$ 38. Mas os mexilhões apresentam mais nuances, em um molho suave, aromático e suficientemente ácido para elevar o sabor do marisco (R$ 36).

As entradas salvaram parte da má impressão da primeira visita que fiz, no almoço. Como um grande fã de surf’n’turf (conceito por trás de combinações entre mar e terra), aderi à recomendação do garçom. Um pavor!

Embora combine um chorizo ao ponto com três camarões médios cozidos corretamente, falta liga à receita, somada a três exageradas porções de musseline de batata (mais para purê) e uma farofa de cebola seca, sem graça (R$ 76). Purê com farofa? Não há um molho sequer, qualquer elemento mais ácido ou algo que rompa com a monotonia do prato?

O outro pedido principal foi um atum selado com shimeji (R$ 82) de se pegar no sono. A combinação, clichê, acompanha um excessivamente doce molho teriyaki de pitanga (a fruta mal aparece) e, como não poderia faltar: a mesma farofa insípida e mal temperada. Na mesa ao lado, a guarnição estava lá, fazendo companhia a um creme com camarão não mais excitante do que uma travessa do Coco Bambu.

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Uma nova visita a essa casa se fez necessária. E digo logo que foi um alento. A moqueca baiana de Paraiso acerta em cheio (R$ 84 ou R$ 134 para dois, só no almoço). Nada de gourmetização banal, apenas uma releitura sóbria para compor um prato individual. Frutos do mar de excelência, rigorosamente cozidos. Falta picância e o chef precisa urgentemente conhecer outras receitas de farofa. Aquela mesma volta nesse prato, desta vez, com fatias de banana no meio.

O momento de brilho criativo, raro, no menu extremamente comportado, veio com os camarões em molho de ostra com bolinhas de mandioca empanadas mais cenoura e vagem francesa (R$ 69). Essa combinação evoca sabores orientais, mas sem pedância. Uma boa sacada, bem como a lagosta com abobrinha e purê de batata-baroa (R$ 109). Costumo hesitar em pedir o crustáceo, por se tratar de um produto muito caro e tão mais complexo de se acertar do que o camarão, por exemplo.

Para finalizar, a carta de sobremesa compreende algumas boas aplicações de ideias tradicionais, como o brownie com avelã, sorvete de leite, creme de chocolate e toffee com flor de sal (R$ 26). Correto, com bela apresentação, porém, mais uma vez, monótono.

Melhor do que a panacota de café (R$ 24), um equívoco conceitual. Servida ao fundo de um copo, tem sobre si várias estratos de massa esponja, namelaka (um creme de chocolate criado pela Valrhona) e mais crocante de biscoito Oreo e um chantili absolutamente sem tempero. Ora, a formulação básica de uma receita passa justamente pela criação de camadas de sabor, e não considerando que determinado ingrediente compensará o paladar se combinado com outro. A forma como fora servida a sobremesa inviabilizou a colherada perfeita.

Importante notar que o Ouriço consegue escapar da maior parte das ciladas que o levariam a se tornar mais um apático, esquecível ou apenas tradicional restaurante de frutos do mar. Falta a Paraiso abrir-se para pensar esses ingredientes em sua essência, como o faz nas entradinhas, sem depender tanto de purê, farofa e arroz. Obviamente, em certa medida, faz-se prudente prestigiar guarnições mais populares e vendáveis. Acredito que há espaço para ser mais criativo. E, quem sabe, acrescentar ao menu algumas receitas de… ouriço.

Ouriço
QI 21, comércio local, Bloco D, Loja 44, Lago Sul. Tel: (61) 99558-0179. Terça a sábado, das 12h às 15h e das 19h às 23h30; domingo só almoço, até as 16h. Ambiente interno. Wi-fi. Reservas apenas pelo site. Aberto em 2017

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