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As aventuras de Cintia Falkenbach entre a cidade e o Cerrado

A exposição Confissões de Cobre está na Matéria Plástica Galeria de Arte Atemporânea

atualizado

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre20 - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

Cintia Falkenbach viveu os últimos vinte anos entre a cidade e o cerrado. Professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília, ela passava a semana na capital federal. A dar aulas. Nas folgas, feriados, finais de semana, corria para Pirenópolis.

Desde o ano passado, aposentada da UnB, está desobrigada a cumprir essas idas e vindas infinitas. Quando vem à cidade, agora, é para se encontrar com seus colegas mais chegados, e para com eles trabalhar.

Ou então para montar esta exposição Confissões de Cobre, que o artista e galerista Luis Jungmann Girafa acolhe na Matéria Plástica Galeria de Arte Atemporânea, dentro do Condomínio Privê Morada Sul, Altiplano Leste.

Aqui em Brasília, a vida de Cintia costumava ser atribulada pelas exigências e compromissos do trabalho como professora. Em Pirenópolis, ela conta, pode ser “artista o tempo todo”. Nos fundos de sua casa, num terreno contíguo, deixou que se espalhasse uma “matinha de cerrado”. Ali se refugia. Às vezes, leva seu bloquinho de desenho. Às vezes, uma pequena chapa de cobre para delinear a próxima gravura a ser feita.

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O cerrado e a cidade vêm sendo dinâmica constante para Cintia Falkenbach. Gaúcha do Alegrete, passou boa parte da infância no Rio de Janeiro. Quando sua família trocou a antiga pela nova capital, em 1971, ela tinha 11 anos de idade – e não entendia direito a vegetação do Planalto Central, as árvores tortas, as touceiras de capim, também não entendia a cidade incompleta, os terrenos vazios, a terra vermelha.

Quando aluna do antigo Departamento de Desenho da Universidade de Brasília, na época ainda ligado à Faculdade de Arquitetura, Cintia Falkenbach conheceu a professora e gravadora Cathleen Sidki. Lembra que, com ela, aprendeu sobre seriedade e comprometimento. Ao assumir, anos mais tarde, a cadeira de calcogravura do já constituído Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UnB, levou como missão pessoal passar adiante o que tinha aprendido com Cathleen Sidki – e com artistas como Marília Rodrigues, Evandro Carlos Jardim e Nori Figueiredo.

“O mais importante para mim é o exercício, a prática diária da gravura. Aprendi isso e quero transmitir isso. Não conhecemos artistas autodidatas na gravura em metal, pelo menos não aqui no Brasil. Todo mundo aprendeu com alguém.”

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As pequenas placas de cobre, como se vê aqui nesta exposição da Matéria Plástica, foram lugar de encontro entre Cintia Falkenbach e o Centro-Oeste. A cidade e o cerrado estão em muitas de suas gravuras – desde as primeiras, ainda em meados dos anos 1980, até as mais recentes, já em Pirenópolis.

Outro tema inesgotável para Cintia são as “imagens do inconsciente”. Composições que prescindem de esboço, a artista agindo diretamente sobre a chapa de cobre, primeiro usando o pincel para fazer manchas sobre a superfície e depois riscando figuras em cima do que essas manchas possam sugerir a seus olhos. “Como quem lê nuvens no céu”, ela compara. Boa parte do que desenha nessas gravuras de invenção chega sob o impacto de um par de autores de ficção-científica, Philip K. Dick e Robert Heinlein, leituras constantes desde os nove anos de idade.

Robert Heinlein, explica Cintia, começou com historinhas pequenas e pontuais, até construir um mundo fantástico, um pensamento único que se desdobra de conto em conto, de livro em livro, numa obra que se fecha sobre si mesma. Cintia acredita que tenta fazer a mesma coisa – com imagens. Frequentemente, imprime sobre uma mesma folha três, quatro, cinco pequenas gravuras, construindo uma narrativa imagética e subjetiva.

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Há ainda uma outra narrativa – que percorre toda a exposição – passando pelas gravuras de diferentes épocas e chegando à uma produção mais recente da artista, que vem se interessando por cutelaria e joalheria. Vem também construindo pequenas caixinhas de madeira que sugerem oratórios.

Essa segunda narrativa, que informa e constitui a mostra Confissões em Cobre, nasceu do encontro de Cintia Falkenbach com a artista Valéria Pena-Costa. Pois foi em torno do ateliê de Valéria, na QI 26 do Lago Sul, não muito distante daqui do Altiplano Leste, que se reuniu um grupo de artistas, colecionadores e entusiastas das artes.

Eles se encontram semanalmente, todas as quintas, para conversar e para trabalhar. Mário Jardim e Suyan de Mattos estão entre os mais frequentes. Luis Jungmann Girafa conta que ele também aparece por lá, para tirar fotografias. Foi nesses encontros que Valéria e Cintia ganharam intimidade – e assim prosperou a ideia de levantarem esta mostra na galeria do amigo Girafa.

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E o que era para ser apenas uma mostra de gravuras, atividade diária e centro da pesquisa poética de Cintia Falkenbach, acabou ganhando outras materialidades. Valéria visitou Cintia em Pirenópolis, para reunir as gravuras aqui exibidas, e trouxe também peças em joalheria, em cutelaria e indícios da mais recente aventura da amiga, na forma de pequenos oratórios de madeira.

A ideia de apresentar os pingentes da maneira como estão dispostos aqui na Galeria Plástica, conta Cintia, surgiu durante a própria montagem da exposição – as peças estão presas na parede por agulhas compridas, de modo que a iluminação que vem do teto cria sombras e evidencia o caráter escultórico do trabalho de Cintia.

As peças, tão pequeninas quanto as gravuras, foram feitas a partir de fios de prata – nos quais foram incrustadas uma variada ordem de pedras preciosas, encontradiças na região de Pirenópolis: turmalinas, corais, granados, turquesas, amazonitas.

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Essas pedras foram todas compradas de um mesmo garimpeiro, de quem Cintia já se tornou cliente assídua. Mas o interesse pela joalheria nasceu antes mesmo desse encontro. Nasceu no próprio trabalho como gravadora, movido pela necessidade de instrumentos extremamente afiados – para riscar chapas de metal e, principalmente, para talhar placas de madeira quando ela se dedica a xilogravuras.

Por isso Cintia começou a estudar técnicas de afiação dentro da UnB e tanto se interessou que acabou se tornando coordenadora do curso de cutelaria. Porém, antes desta mostra na Matéria Plástica, ela tinha apresentado suas facas ornamentais apenas uma única vez (na 508 Sul) e ainda não tinha trazido a público sua joalheria.

Também não tinha apresentado ainda estes oratórios – “ou seriam lanternas?” Cintia Falkenbach ainda não está muito segura da natureza destes objetos, daquilo que eles realmente são. Não se detém a conversar muito sobre suas implicações. Diz apenas que é algo muito pessoal, subjetivo. Algo novo. Que ainda está a descobrir. São peças em que se apropria de elementos místicos e de materiais de artesanato. Monta as caixinhas de madeira e se utiliza de ligas de prata para apresentá-las presas à parede.

“A gravura é a minha técnica de domínio, posso dizer que faço o que quiser em gravura. Faço desde os 19, 20 anos de idade e vou morrer fazendo. Em outras técnicas, tenho menor domínio, não sou tão hábil, nem tão segura. Mas o trabalho é como um rizoma. Você vai fazendo, vai buscando outros materiais, vai encontrando outros interesses e, lá adiante, você volta ao que fazia antes, porque tudo se comunica, tudo tem a mesma raiz.”

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Gravura em metal (1986)

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