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O que está por trás do abre e fecha da Livraria Cultura

Tentativa de “estatização” e liminar do STJ que deve ser derrubada dão sobrevida à Livraria Cultura, atolada em dívidas

atualizado

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Fábio Vieira / Metrópoles
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1 de 1 imagem colorida livraria cultura - Foto: Fábio Vieira / Metrópoles

Na última quinta-feira (06/7), as portas da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo, foram reabertas pela segunda vez em 2023 ao público. Sucessivas decisões judiciais sobre a falência da icônica loja aberta no fim dos anos 1960 têm feito esta cena se alternar com o empacotamento de livros e esvaziamento de estantes desde fevereiro.

Fontes ligadas à recuperação judicial afirmam, sob reserva, que o “abre e fecha” deve durar pouco, em razão do completo descontrole das contas que ficou evidenciado durante o processo que se arrastou por cinco anos, até a decretação da falência pela Justiça de São Paulo. A Cultura deve, mesmo, fechar as portas definitivamente, caso permaneça sob a mesma administração e não seja socorrida por fundos ou comprada por outra empresa.

A sobrevida

A liminar que dá sobrevida à livraria foi proferida pelo ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O magistrado se apegou a uma inadimplência de R$ 2 milhões da livraria com o Banco do Brasil para inferir que o “montante não parece revelar gravidade” suficiente para inviabilizar a recuperação da empresa. O ministro também levou em consideração a “relevância da função social” da Cultura ao suspender a decretação da falência.

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A decisão foi tomada no mesmo dia em que Araújo abriu divergência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e votou pela absolvição de Jair Bolsonaro (PL) no julgamento que acabou condenando o ex-presidente à cassação de seus direitos políticos. Entre advogados ligados ao caso da Cultura, circula a piada segundo a qual o ministro agradou somente a um petista naquele dia: o ex-deputado Vicente Cândido (PT), que representou a livraria no pedido ao STJ para desfazer a falência.

Omissão de documentos

Para além do deboche nos bastidores, há, entre credores e magistrados ligados ao caso, descrença sobre a manutenção da decisão. A dívida da Cultura chega perto dos R$ 300 milhões. Desde 2018, foram pagos R$ 12 milhões a credores. Há, inclusive, dificuldade de reunir documentos contábeis aptos a possibilitar um raio X completo sobre as finanças da loja. À administradora judicial, designados pela Justiça para conduzir a recuperação, funcionários têm entregado pouco ou quase nada em documentos.

Um e-mail obtido pelo Metrópoles junto ao escritório de advocacia Álvares & Marsal – que deixou a administração judicial em razão do atraso em honorários – evidencia o descontrole: “Neste momento o quadro de profissionais da Livraria Cultura está desfalcado de profissionais nas áreas contábil, financeira e fiscal e, em virtude da nossa situação de caixa, não estamos conseguindo contratar para repor a perda dos profissionais que tivemos nos últimos meses”, escreveu um funcionário do setor contábil da Cultura, em 2022, à administradora judicial. Na mesma mensagem, ele pede uma nova data para enviar dados da empresa. Nos e-mails seguintes, a administradora judicial continuou questionando sobre o pagamento de dívidas.

Despejo

Um dos mais duros credores da Cultura é o dono do imóvel ocupado pela empresa no Conjunto Nacional. Advogados da empresa Bombonieres Ribeirão afirmam que a livraria deve R$ 38 milhões em aluguéis.

Ao ministro Raul Araújo, eles pediram para que não aceitasse o pedido da Cultura: “Conforme se depreende da análise do petitório, resta clarividente a busca de infundir um clamor social para que a Falida continue a utilizar o imóvel da Impugnante a título gratuito”, disseram os proprietários, que se dizem à beira de um “colapso financeiro”.

Credores e agentes ligados à recuperação judicial afirmam ao Metrópoles que a família Herz, dona da Cultura, até fez aportes de dinheiro na livraria durante o período, mas aparenta contar com a comoção social provocada por um possível fechamento da loja para mantê-la aberta, mesmo com a deliberada inadimplência com suas contas.

A ação petista e a “sensibilidade do juízo”

A vereadora Laura Zarattini (PT-SP) pediu à Justiça que, além do Conjunto Nacional, a Cultura fosse considerada patrimônio tombado, e que a dona do espaço se abstivesse de despejar a livraria. A ação chegou a ter endosso parcial da promotora de Justiça Claudia Fideli, que pediu à Justiça que deferisse o pedido para impedir os donos do imóvel de “descaracterizar a estrutura física da Livraria Cultura”.

O juiz do caso negou o pedido e disse que a pretensão mais se assemelha à “estatização” da livraria, e que as palavras do MP não “sensibilizaram o juízo”. “Ainda que se reconheça a importância cultural de espaço literário, tradicional ponto de encontro da comunidade intelectual paulistana, entendo que a tentativa de incorporação de estabelecimento empresarial privado ao patrimônio público municipal depende de edição de lei ordinária, com pagamento de indenização pela incorporação do fundo de comércio, e desapropriação do espaço em que instalado referido fundo de comércio”, escreveu.

Abre e fecha

A falência da Livraria Cultura foi decretada pelo juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho. Fisiculturista, ele proferiu uma decisão pesada. Disse que o comportamento da empresa “beira o descaso para com o procedimento recuperacional”. “Está muito evidente que as devedoras não estão empregando esforços para o seu soerguimento”, anotou. Ele lembrou o histórico que piorou as contas da Cultura, como a aquisição da Fnac quando a concorrente já estava quebrando.

A decisão foi tomada no dia 9 de fevereiro. No dia seguinte, editoras foram ao local para empacotar seus livros e deixar o Conjunto Nacional. Em uma visita ao estabelecimento, o administrador judicial Oreste Laspro, que substituiu a Álvarez & Marsal, contabilizou 105 mil livros a serem eventualmente retirados da loja. O esvaziamento completo não chegou a acontecer, apesar de o estabelecimento ter fechado as portas por um tempo, até sair a decisão do ministro do STJ que deu sobrevida à loja.

Cultura argumenta que tem aumentado suas receitas

Em seus recursos contra a falência, a Cultura tem afirmado que encontrou a receita de um “enorme sucesso” na constituição de um HUB –  termo usado para definir a agregação de diversas marcas e empresas dentro de um mesmo espaço – ocupado por 12 editoras sublocatárias do imóvel no Conjunto Nacional. Os espaços estão alugados até 2024 e, segundo a Cultura, fizeram o faturamento bruto aumentar em 35% em maio deste ano, em relação a janeiro, saltando de R$ 1,5 milhão para R$ 2,1 milhões mensais.

Segundo os advogados da Cultura, o fechamento das unidades arrasaria com a última chance de reerguer a empresa e de ela quitar as dívidas com credores, porque pode provocar o rompimento de contratos das editoras que alugam espaços internos da loja.

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