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O que a economia do país pode ganhar com submarino nuclear da Marinha

Avanço tecnológico do submarino modernizaria indústria naval, geraria empregos e impactaria o setor civil, afirmam especialistas

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Imagem de um submarino da cor preta no fundo do mar, uma imensidão azul - Metrópoles
1 de 1 Imagem de um submarino da cor preta no fundo do mar, uma imensidão azul - Metrópoles - Foto: Getty Images

Considerado o projeto mais ambicioso da Marinha do Brasil em décadas, o primeiro submarino de propulsão nuclear do país começou a sair do papel nesta semana. Na quarta-feira (4/10), em uma cerimônia no complexo naval de Itaguaí (RJ), sede do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), houve o corte da primeira chapa na chamada Seção de Qualificação – o pontapé inicial para a confecção da estrutura da embarcação.

A primeira fase de testes serve para garantir que sejam cumpridos os padrões de qualidade e segurança exigidos para o início da construção do casco do submarino. Durante essa etapa, também são preparados o maquinário e a infraestrutura, assim como a capacitação dos profissionais envolvidos no projeto, como engenheiros, técnicos e operários.

Objeto de uma série de estudos e projetos da Marinha desde os anos 1970, o submarino nuclear tem vantagens em relação aos modelos convencionais. A propulsão nuclear, fruto da energia liberada pela quebra de núcleos atômicos, faz com que a embarcação tenha maior autonomia de navegação porque não precisa emergir periodicamente para reabastecimento. A propulsão nuclear também propicia maior velocidade.

O submarino nuclear brasileiro deverá ter condições de deslocar cerca de 6 mil toneladas e capacidade de mergulhar até 350 metros, com autonomia por até três meses ininterruptos.

Criado em 2008, o Prosub é resultado de uma parceria entre os governos do Brasil e da França. O objetivo do programa é ampliar a capacidade de proteção dos 5,7 milhões de km² da chamada “Amazônia Azul”, faixa marítima considerada altamente estratégica para a navegação, a pesca, o turismo e a geração de energia renovável no país.

Além do submarino com propulsão nuclear (SCPN), o Prosub prevê a construção de quatro submarinos convencionais – dois deles já foram lançados ao mar, em 2018 e 2020. Atualmente, o Brasil conta com cinco modelos de submarino em operação.

O modelo de propulsão nuclear é um enorme desafio para o país porque essa tecnologia não será transferida pela França – terá de ser desenvolvida inteiramente no Brasil. A tecnologia de produção do combustível e do sistema de propulsão nuclear está sob responsabilidade do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP). Hoje, são apenas seis os países que possuem submarinos nucleares: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido, França e Índia.

Tecnologia e geração de empregos

De acordo com especialistas ouvidos pelo Metrópoles, o primeiro submarino de propulsão nuclear do Brasil poderá trazer ganhos significativos para a economia do país, entre os quais maior desenvolvimento tecnológico e modernização da indústria naval. Mas não é só: o setor civil também seria impactado.

“Investimentos nos setores militares, especialmente em tecnologias inovadoras e disruptivas, tendem a gerar transbordamentos para o setor civil, sob a forma de abertura de novas empresas para atender a essas demandas”, afirma o economista Alcides Eduardo Perón, coordenador do curso de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).

“O investimento nessa área deve levar à capacitação de cadeias internas de produção, além do desenvolvimento de tecnologias para o setor militar que poderiam ser replicadas para a indústria civil”, explica. “Muitas vezes há transbordamentos para as redes hospitalares, que manipulam tecnologias radioativas, usadas para radiografias e escaneamento corporal”, exemplifica Perón.

Entretanto, de acordo com o economista, para que o submarino nuclear da Marinha se torne um bom negócio para o país é preciso que haja “uma reconstrução e uma recapacitação do setor industrial brasileiro, de modo que se possa absorver tecnologias e reproduzi-las em aplicações interessantes para a sociedade”. “Isso envolve uma mudança na cultura industrial brasileira, que não aprecia inovações. É muito difícil inovar de forma disruptiva no Brasil”, diz.

O economista Glerton Reis Júnior, sócio-fundador da A&G Assessoria Empresarial e Tributária, avalia que a construção do submarino será “fundamental” para impedir a debandada de profissionais altamente qualificados da indústria naval rumo a outros países.

“Estamos perdendo as melhores cabeças para o exterior. A partir do momento em que o interesse pelos estaleiros é fomentado, com o avanço do Prosub, é evidente que isso oferece novas perspectivas para esse mercado, que pode voltar a atrair profissionais de primeiro nível”, afirma.

“O país vai gerar empregos em Itajaí, polo da Marinha que está desenvolvendo o submarino; no polo de São José dos Campos (SP), onde fica a Embraer; e também no polo da Faculdade de Engenharia Naval da USP, entre diversos outros locais. O Brasil dará um salto tecnológico muito importante”, projeta Reis Júnior.

Avaliação semelhante foi feita pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha do Brasil, procurada pela reportagem do Metrópoles. “São muitas as vantagens que o desenvolvimento da tecnologia nuclear traz para ao país, como a produção de radiofármacos, irradiação de alimentos, geração de energia, dessalinização de água, entre outras. Investir em um SCPN impulsiona a segurança e a defesa do povo brasileiro, a pesquisa e a projeção internacional do Brasil”, diz a Marinha.

“O ganho obtido pelo país com a transferência de tecnologia, nacionalização de sistemas e equipamentos, incentivo à base industrial e implementação de infraestrutura de construção e manutenção pode viabilizar a construção de novos submarinos para outros países”, prossegue a Marinha brasileira. “O incremento tecnológico do país, com o desenvolvimento de um programa dessa envergadura, faz com que a nossa base industrial de defesa seja ampliada, com consequente ganho para a economia nacional.”

Ainda de acordo com a Marinha, os possíveis ganhos tecnológicos gerados a partir da construção do submarino devem se propagar para “órgãos governamentais, universidades, institutos de pesquisas e empresas parceiras do Prosub, abrangendo áreas de geração de energia, medicina, agricultura e segurança alimentar”.

Custos e atrasos

A Marinha está negociando um novo contrato para a terceira e última fase do Prosub. Nas duas primeiras etapas do programa, foram desembolsados cerca de R$ 40 bilhões – dos quais R$ 4 bilhões ainda devem ser pagos pelo governo até 2025, quando está prevista a entrega do último dos quatro submarinos convencionais produzidos em parceria com a França.

Em janeiro deste ano, após uma reunião envolvendo a cúpula da Marinha e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, foi feito um pedido de orçamento extra de cerca de R$ 2 bilhões para o submarino nuclear. Questionada pelo Metrópoles sobre o valor necessário para a terceira fase do Prosub, a Marinha afirmou que “é difícil estimar”, dada “a complexidade do projeto”.

“É um investimento, de fato, bastante alto até aqui. É claro que temos de avaliar se o programa está consumindo recursos demais e tem conseguido produzir os avanços necessários”, afirma Alcides Perón, da Fecap. “Mas, em geral, notamos que esses investimentos no setor de defesa tendem a ser mais altos. Geralmente, são tecnologias que demandam uma escala maior e uma capacitação específica de fornecedores. São tecnologias que nós não possuímos. É necessário um grande investimento para desenvolver tecnologias muitas vezes protegidas por outros países.”

Em relação a alguns atrasos no Prosub – no início de setembro, um submarino foi entregue e incorporado à esquadra cinco anos depois do prazo –, a Marinha afirma que se trata de um contratempo “comum em programas dessa magnitude e complexidade”. “Isso ocorre em qualquer empreendimento dessa natureza, mesmo nos países com larga experiência na construção naval, como Estados Unidos, França e Reino Unido”, diz a Marinha. “A construção de submarinos, sejam os com propulsão diesel-elétrica ou, sobretudo, os com propulsão nuclear, exige uma expertise multidisciplinar, envolvendo engenharia, ciência, desenvolvimento tecnológico, naval e nuclear.”

Por enquanto, a conclusão do submarino nuclear está prevista para 2029. O lançamento seria em 2033.

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