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CPI teve preocupação de não levar Americanas à falência, diz relator

Autor de relatório que não pediu indiciamentos, Carlos Chiodini diz que houve fraude na Americanas, mas faltou tempo para descobrir culpados

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Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Imagem do deputado federal Carlos Chiodini (MDB-SC), falando ao microfone em comissão da Câmara. Ele veste um terno escuro, camisa branca e gravata azul clara - Metrópoles
1 de 1 Imagem do deputado federal Carlos Chiodini (MDB-SC), falando ao microfone em comissão da Câmara. Ele veste um terno escuro, camisa branca e gravata azul clara - Metrópoles - Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Depois de mais de quatro meses de investigação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Americanas, na Câmara dos Deputados, chegou ao fim sem apontar os responsáveis pelo rombo contábil de mais de R$ 20 bilhões nos balanços da varejista, que veio à tona no início deste ano e desencadeou a maior crise da história da empresa.

De autoria do deputado federal Carlos Chiodini (MDB-SC), o relatório final da comissão, de mais de 350 páginas, foi aprovado na semana passada com 18 votos favoráveis e oito contrários. O parecer, criticado por integrantes da própria CPI, não pede o indiciamento de ninguém e limita-se a sugerir ao Ministério da Fazenda que aumente o orçamento e o quadro de servidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com o objetivo de fortalecer a fiscalização.

Em entrevista ao Metrópoles, Chiodini alega que a CPI teve um tempo exíguo de trabalho e dificuldades para avançar nas investigações porque muitos dos depoentes convocados obtiveram autorização da Justiça para permanecer em silêncio e não responder aos questionamentos que lhes foram feitos.

Apesar de assegurar que houve comprovação de fraude na Americanas, o deputado afirma que a CPI não conseguiu reunir elementos suficientes para apontar culpados – o que deve ficar a cargo do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF), que investigam o escândalo.

“Seria leviano, a esta altura do campeonato, o Legislativo tomar qualquer medida mais dura diante de dados ainda primários. Tivemos a preocupação de não levar a empresa à falência, transformando uma comissão da Câmara dos Deputados em um palco inquisitório de investigação”, diz Chiodini.

Na entrevista, o relator explica por que a CPI não ouviu o trio de acionistas de referência de Americanas – os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira –, diz que os bancos foram “vítimas”, mas também “coniventes” no episódio, e afirma que a comissão deixa um bom legado, apesar das críticas.

Leia os principais trechos da entrevista concedida por Carlos Chiodini ao Metrópoles:

O seu relatório na CPI da Americanas não pediu o indiciamento de ninguém. Depois de quase 5 meses de investigação, por que não foi possível apontar culpados pelo rombo bilionário na Americanas?

Tivemos os trabalhos da CPI interrompidos por praticamente um mês por causa do recesso parlamentar. E não tivemos reunião das comissões em algumas semanas. Nas reuniões nas quais recebemos os ex-diretores e executivos, infelizmente eles acabaram não falando absolutamente nada. Apenas marcaram presença. O ex-CEO (Miguel Gutierrez), inclusive, está na Espanha e não deve voltar ao Brasil porque tem cidadania espanhola. Tivemos poucas informações a partir dessas pessoas. Ao mesmo tempo, recebemos notícias de que vários desses personagens estão avaliando possíveis acordos de colaboração premiada tanto no âmbito do inquérito que corre na PF quanto no MPF. Ou seja, essas investigações chegarão aos culpados, mas em um prazo muito mais largo. Imagino que isso é algo que vá demorar mais alguns meses ou até mais um ano. Ao fim das profundas e especializadas investigações desses órgãos, certamente nós teremos os CPFs dos envolvidos e saberemos quem são os culpados. Seria leviano, a esta altura do campeonato, o Legislativo tomar qualquer medida mais dura diante de dados ainda primários. Tivemos a preocupação de não levar a empresa à falência, transformando uma comissão da Câmara dos Deputados em um palco inquisitório de investigação. Mas deixamos, sim, um legado de correção e de amenização da possibilidade de novos casos como esse acontecerem no futuro. Chegamos a um desfecho mais no sentido de aprimoramento do mercado.

Mas o que, afinal, a CPI conseguiu comprovar em relação ao rombo contábil da Americanas?

Foi comprovado que houve fraude. Sabe-se a origem da manipulação dos balanços financeiros da Americanas. Isso ocorreu por meio de dois mecanismos principais. O primeiro foram as operações de risco sacado, as contas pré-datadas, que geraram uma dívida bilionária no sistema bancário. Tem banco credor com mais de R$ 5 bilhões a receber. E também houve a alteração do balanço por meio de uma operação chamada VPC (recursos que fabricantes ou produtores dão às varejistas para incentivar a divulgação de seus produtos), por meio das verbas de propaganda e bonificação de consumo, que os fornecedores usam como uma prática comum no varejo. O problema é que essas bonificações eram fraudadas e entravam no balanço com valores muito maiores. Foi uma operação deficitária ao longo de anos, tanto nas lojas físicas quanto no e-commerce. E isso tudo ocorreu com balanços auditados, com papéis certificados na CVM, com o trabalho de auditorias internacionais, com contadores registrados… Geravam uma receita fantástica que, pela tradição e pela história da marca, fazia com que o investidor adquirisse esses papéis. Essa fraude toda não é manipulada apenas por uma, cinco ou 10 pessoas. Tem muita gente envolvida. Causaram um prejuízo enorme à credibilidade do mercado brasileiro e aos acionistas.

No relatório, o senhor diz que “o conjunto probatório, de fato, converge para o possível envolvimento de pessoas que integravam o corpo diretivo da companhia (ex-diretores e ex-executivos)”. Por que esses indícios não foram suficientes para a CPI pedir o indiciamento de possíveis envolvidos na fraude?

A verdade é que não conseguimos ouvir esses ex-diretores e ex-executivos. Todos foram à CPI munidos de habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e não falaram nada. É mais prudente aguardar os desdobramentos das outras investigações que estão em curso, até pelo prazo curto que a comissão teve para o seu funcionamento. Das três comissões instaladas no mesmo dia (17 de maio) na Câmara (as outras duas foram as CPIs do MST e da Manipulação no Futebol), a da Americanas foi a única que teve relatório apresentado e aprovado. As outras esbarraram nesse mesmo problema e acabaram por não produzir nada de efetivo. Respeitando o prazo estabelecido, nós entendemos que teríamos de dar uma resposta à sociedade. E a resposta é a seguinte: houve fraude, mas ainda não é possível saber quem são todos os culpados e, diante disso, temos algumas sugestões de melhorias para impedir que episódios como esse se repitam.

Por que a comissão não ouviu os acionistas de referência da empresa – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira?

Houve pedidos de convocação nesse sentido, mas eles não foram pautados pelo presidente da CPI (deputado Gustinho Ribeiro, do Republicanos-SE) para o plenário. Sim, os acionistas de referência poderiam ter sido ouvidos, mas não podemos confundir os verbos “ouvir” e “culpar”. Em certos momentos, alguns membros da CPI tentaram contaminar o mercado ou até outras empresas das quais esses executivos também são acionistas. De nossa parte, sempre houve uma preocupação com a questão do mercado e, principalmente, a de não buscarmos fazer justiça de forma prematura, precipitada e não comprobatória.

O ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez também não foi ouvido e se limitou a enviar um depoimento por escrito à comissão. Por que isso ocorreu?

Ele apresentou a sua versão. Em princípio, alguns apontaram que seria injusto você solicitar a presença de todas as pessoas e algumas terem a possibilidade de mandar carta. Mesmo assim, na última alteração feita no relatório, eu incluí o teor dessa correspondência. Está no texto final.

Críticos do relatório afirmam que a CPI acabou em “pizza” e que blindou acionistas de referência e ex-diretores da Americanas. Como o senhor responde a isso?

A resposta, muito clara, é a aprovação do relatório por 18 votos contra oito. É natural que haja posições divergentes, mas temos um relatório aprovado, mesmo diante do curto tempo que nos foi permitido para os trabalhos, com um placar altamente favorável. Geramos um legado de prevenção e correção de possíveis irregularidades no âmbito de outras companhias ou do mercado em si. Estamos seguros de que os órgãos especializados de investigação encontrarão os culpados. Torcemos para que isso ocorra o mais brevemente possível, mantendo a empresa viva, operando, mesmo com as dificuldades de uma recuperação judicial.

O relatório final pede ao Ministério da Fazenda que reforce o quadro de servidores e o orçamento da CVM, com o objetivo de aumentar a fiscalização. Não é muito pouco?

É absolutamente necessário. Há um dado estarrecedor: a CVM conta hoje com um orçamento que é um terço do que teve em 2014. O mercado de capitais cresceu muito desde então e a CVM precisa de uma atenção especial do governo. É um órgão que tem apenas 400 servidores para certificar, validar e regular todo esse mercado. Esse é um trabalho contínuo e nós, da CPI, nos comprometemos a levantar essa bandeira e fazer as devidas tratativas com o governo federal para que a CVM receba mais atenção para sua necessária reestruturação.

Em entrevista ao Metrópoles, em julho, o presidente da CPI, Gustinho Ribeiro, afirmou que não se sabia, àquela altura, se os bancos eram “vítimas ou cúmplices” na fraude da Americanas. Hoje, é possível chegar a uma conclusão sobre isso?

Os bancos são vítimas, mas também foram coniventes. São vítimas porque colheram um prejuízo bilionário. E eu não diria que são cúmplices, mas foram coniventes, porque ofereceram todo esse crédito ao longo de décadas. Muitas vezes o crédito oferecido a essa companhia era maior do que a sua própria capacidade de pagamento. Isso diminuiu o prejuízo dos fornecedores e aumentou o prejuízo dos bancos. Entendo que os bancos precisam ter uma política mais clara e responsável de concessão de crédito para saber até onde podem chegar.

A CPI vai encaminhar o relatório final às autoridades? O que esperar das investigações daqui por diante?

Nós vamos encaminhar todo o material e todos os documentos que podem ser complementares à investigação no âmbito especializado. Isso já está sendo providenciado. Nós já protocolamos uma série de projetos de lei que tratam de questões importantes, como a maior autonomia aos auditores independentes. Estamos também tratando da possível criação da figura do informante premiado no âmbito privado. No caso da Americanas, certamente alguma pessoa de um nível funcional inferior, como um gerente, já sabia disso e não podia denunciar porque seria expurgado pelo mercado como “dedo-duro”. Essa figura do informante já existe em algumas tipificações penais brasileiras e poderá ser incluída para mais crimes. Além disso, temos a reestruturação da CVM, sobre a qual eu já falei. Enfim, nós temos um longo trabalho pela frente para melhorar a regulação e dar maior segurança ao mercado de capitais no Brasil.

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